Lídia Aratangy e Leonardo Posternak: avós são convidados a participar de consultas e expressar suas dúvidas| Foto: Divulgação

Quem é:

Leonardo Posternak é pediatra há 40 anos. Nascido em Buenos Aires, o médico atua em seu consultório e no Hospital Israelita Albert Einstein. Também é autor de "E agora, o que fazer? A difícil arte de criar os filhos", e "O direito à verdade - cartas para uma criança", que ganhou o prêmio Jabuti de Psicologia de 2003.

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Afinal, qual é o papel de um avô ou avó? Pela experiência que possuem, seriam uma espécie de segundo pai ou segunda mãe dos netos ou, pelo contrário - por já estarem com a vida feita e o dever cumprido - têm direito a ser mais flexíveis e apenas mimar (e até 'estragar') os pequenos?

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A resposta não é fácil, e ainda há poucos estudiosos pensando o assunto. Ao contrário dos pais, para os quais há ajuda em forma de livros, revistas, grupos de encontro e até, literalmente, manuais, os avós estão mais "solitários".

Ciente de que os avós necessitam de conselhos, a psicoterapeuta Lídia Aratangy e o pediatra Leonardo Posternak resolveram dar mais espaço a eles nas consultas que têm com as famílias que atendem - até porque o "fantasma" dos avós sempre aparecia nos encontros, com seus conselhos e regras a povoar a cabeça dos pais, muitos deles jovens.

No caso de Leonardo, foi colocada até uma poltrona amarela em seu consultório, em São Paulo, destinada aos avós. E eles começaram a aparecer. Os questionamentos e as respostas que surgiram desses encontros renderam até um livro, intitulado "O livro dos avós - na casa dos avós é sempre domingo?" (Primavera Editorial; 237 páginas; R$ 46,40), de autoria dos dois especialistas.

Nesta entrevista à Gazeta do Povo, o médico (que é argentino) cita alguns conselhos que costuma dar aos avós, muitos dos quais ele testou a eficácia na prática - Posternak é avô de uma menina de seis anos, e só aceitou o pedido de Lídia para escrever o livro após o nascimento da neta. "Antes, eu recusava elegantemente. No dia seguinte ao nascimento dela, liguei para a Lídia e disse: 'agora sim'", revela. Confira a entrevista:

O que os levou a escrever o livro? Que mensagem pretendiam passar aos avós?

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Tanto eu quanto a Lídia percebíamos, durante as consultas com os pais, que os avós estavam sempre presentes. Se não fisicamente, pelo menos nas conversas. Os pais, principalmente os mais jovens, sempre traziam muito das crenças de seus pais [em relação à educação dos filhos], estando ou não de acordo com eles. Assim, percebemos que uma forma de ajudar esses pais seria ajudar também os avós, porque é preciso focar toda a família. Isso é importante. No meu consultório, há sempre uma poltrona amarela para os avós. Muitas vezes eles vêm. Quando não vêm, a figura continua permeando permanentemente a consulta, como se estivessem ali.

No que os avós de hoje se diferenciam dos avós de ontem?

O papel do avô mudou, seguindo as mudanças da própria sociedade. Antes, vivíamos em uma família ampliada, com vários membros da família vivendo e trabalhando juntos. Hoje, a família é nuclear - apenas mãe, pai e filhos. A figura do avô era permanente, mas hoje, nós não vivemos com eles, nós o visitamos e eles nos visitam. Outro aspecto: na época em que eu era criança, por exemplo, os avós já estavam chegando ao fim da vida e em relação às expectativas - o que eles poderiam fazer era cuidar dos netos. Hoje, fazemos isso também, mas estamos muito mais ativos - trabalhamos, fazemos ginástica, viajamos, damos uma entrevista e podemos nos negar a cuidar dos netos como se isso fosse uma obrigação. Mas é importante salientar: os de hoje não são melhores nem piores do que os de antigamente, são apenas diferentes.

Qual é o papel que os avós devem assumir em relação aos netos e também aos próprios filhos, que agora são pais?

Há algo fundamental, e que eu aprendi quando nasceu minha neta: quando nasce teu neto, a conversa com os filhos tem de deixar de ser uma conversa de pais para filhos para virar uma conversa entre pais e pais. Isso implica respeitar o papel que o teu filho passa a desempenhar e esperar que ele te pergunte. Você não deve entrar de maneira dramática no meio dessa nova família que surge. O fato de você ser avô não o coloca num patamar mais alto do que o do teu filho.

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Qual o maior erro dos avós neste sentido?

Eles não entendem que o que era considerado certo na época deles pode não funcionar mais ou não ser mais aceito pela sociedade, pois a cultura muda. E é importante permitir aos filhos que errem para que possam aprender. Claro que se os avós observarem algo que os incomoda, podem dizer aos filhos, mas num patamar de igualdade, expondo o que acham, não impondo. Eu sempre pergunto aos avós: "Por acaso, quando estávamos criando os nosso filhos, nós não falhamos? Cada geração tem seus erros e acertos". E os filhos devem ser criados pelos pais. Você não pode sabotar a autoridade dos pais.

O livro traz a pergunta a respeito de se na casa dos avós é sempre domingo. Se na casa dos avós as regras são mais flexíveis, e na casa dos pais, elas são mais duras, isso não pode gerar confusão para a criança?

Não. O que gera insegurança é se numa mesma casa se tomam duas medidas a respeito da mesma coisa. Isso de haver diferença de normas é algo parecido com o que ocorre na escola e em casa. A escola não educa exatamente como os pais. O importante é respeitar as regras de cada território. E pai e mãe devem concordar sobre as decisões que estão tomando.

Muitos dos que hoje são avós não tiveram contato com os próprios avós durante a infância. Como isso impacta na relação que têm hoje com os netos?

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Vou responder baseano na minha experiência: Eu sou um felizardo, pois, ao contrário de muitos, tive a oportunidade de ter contato com meus quatro avós quase até ir para a faculdade. Tive muito tempo de avós, mas quem me ensinou a ser avô foi a minha neta, não foram eles. Foi ela quem me pegou pela mão e me mostrou o caminho. Eu devo muito a ela.

Quando foi que o senhor se deu conta de que era um avô?

Foi quando olhei nos olhos dela pela primeira vez. Enquanto eu falava, ela abria e fechava os olhos de jabuticaba como se entendesse o que eu estava dizendo. Naquele momento, eu entendi que era avô. Ali eu descobri que meu papel havia mudado. E isso é interessante, pois o papel muda não por algo que você faz, mas pelo que fizeram teus filhos. Você decide ser pai ou mãe, mas ser avô é uma decisão que teus filhos tomam por você. Mas é um papel que você aprende quando se coloca frente a frente com teu neto.

Há avós que, quando seus netos ficam órfãos ou são abandonados por um dos pais, passam a desempenhar o papel de mãe ou pai. Isso é recomendável?

Nesse caso, é preciso que algo fique claro: o que é a biologia, e o que é o desempenho de uma função. A função não tem idade, nem sexo. Ele pode desempenhar, em determinados momentos, essa função, mas tem de ser apenas avô ou avó, ou isso pode gerar um nó na cabeça da criança. Até porque, caso o pai ou mãe dessa criança arranje um companheiro, como pode ficar essa criança? A função pode ser desempenhada, mas não o papel. E o avô ou avó não pode auto-determinar-se pai ou mãe.

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Esta convivência pode proporcionar à criança um maior aprendizado sobre o envelhecimento e a morte, algo que ainda não é discutido muito na escola e na família?

Sim, até porque a criança tem a capacidade de entender isso, caso esse processo seja narrado de forma inteligente. A minha neta me deu de presente um livro de três páginas feito por ela em que ela mostra isso com uma clareza e uma inteligência que só as crianças têm. Na primeira folha, ela fala de nosso carinho. Na segunda folha, eu morro e ela chora. Na terceira, ela fala que encontrou uma forma de me ter sempre por perto: os sonhos. O fato de ela ter um avô a ajudou a elaborar o conceito de morte. E as crianças não precisam de muita teoria. Basta que os adultos a ouçam, mais do que falem com ela.

Qual a lembrança mais feliz que o senhor tem de seus avós?

Eu me lembro de que quando tinha nove anos, meu avô paterno me convidou a ir trabalhar com ele. Isso, para mim, já foi espetacular, porque ele me fez esse convite. Aí, quando voltávamos para casa, ele me levou a um antigo bar de Buenos Aires onde os homens tomavam o seu vermute. Ele me levou a um local de adultos, e eu fiquei emocionado. Mas o melhor foi quando voltávamos para casa e ele me pediu que não contasse isso à minha avó. Ele me fez depositário de seu segredo, e isso me marcou.