Faltando um mês para o término do prazo para o recadastramento de armas de fogo, em 2 de julho, só 3,7% dos proprietários de todo o país regularizaram a situação. Segundo o setor de Comunicação Social do Departamento de Polícia Federal (PF), em Brasília, até a última quinta-feira cerca de 171 mil armas haviam sido recadastradas, em um universo estimado de 4,5 milhões. A PF não possui dados regionalizados. A superintendência da corporação no Paraná informou que não possui o número de armas já recadastradas no estado e que só vai divulgar um balanço oficial depois de 2 de julho.
Para especialistas, dois fatores são responsáveis pela baixa procura: a burocracia e o custo. A pessoa interessada em recadastrar uma arma deve apresentar à PF uma série de documentos, entre eles certidões de antecedentes criminais e laudos psicológicos e de aptidão técnica (veja a lista ao lado). Os laudos só podem ser emitidos por psicólogos e instrutores de tiro credenciados pela PF. No Paraná foram habilitados 55 psicólogos e apenas cinco instrutores. A lista está disponível no site da PF, no endereço www.dpf.gov.br.
O custo também estaria atrasando o recadastramento. Só a taxa que deve ser paga à PF é de R$ 300 por arma. O valor do exame psicológico varia de R$ 250 a R$ 350, e o laudo técnico pode ser obtido por um preço que varia de R$ 130 a R$ 300. No final de todo o processo, quando o proprietário puser os números na ponta do lápis, poderá chegar à conclusão de que pagou mais pelo recadastramento do que pela arma. Um revólver calibre 38, por exemplo, custa entre R$ 800 e R$ 1.000.
E a burocracia não termina com o recadastramento. A cada três anos o proprietário deverá refazer todo o processo, que dá a ele somente o direito de manter a arma em casa, já que o Estatuto do Desarmamento (Lei Federal 10.826, de 2003) limitou o porte a integrantes das Forças Armadas, policiais, guardas municipais e demais integrantes de órgãos de segurança, além de esportistas. O armamento que não for recadastrado será considerado ilegal e a pena para quem for pego com uma arma irregular varia de um a três anos de prisão e multa. Uma opção é entregar a arma. Desde 2005, cerca de 455 mil armas foram entregues à PF em todo o país.
No alvo
Se a papelada exigida e o alto custo da renovação irritam os proprietários, a avaliação prática é vista com bons olhos. "É a única parte boa. Não dá para admitir que alguém tenha uma arma e não saiba usá-la", comenta uma advogada que pretende recadastrar uma pistola e pede para não ter o nome revelado. No teste prático, o candidato deve dar 20 tiros e acertar pelo menos 60% deles. A distância é de sete metros para armas curtas (revólveres e pistolas) e de 15 metros para armas longas (espingardas e carabinas). A emissão do laudo técnico inclui ainda uma prova teórica, em que o candidato responde dez questões sobre legislação e as peças componentes da arma.
Instrutores de tiro acham que o movimento vai crescer a partir de agora. "O pessoal deixou para a última hora", afirma Enéas Torres, um dos credenciados pela PF em Curitiba. A opinião de outro instrutor, Romeu Canedo, é parecida. Apesar da procura relativamente baixa, ele tem aplicado o teste diariamente. "Foi uma boa medida (a exigência do laudo). O nível dos atiradores está muito bom. O pessoal tem procurado fazer o curso antes."
Referendo
Para um dos maiores críticos das políticas de desarmamento, Benê Barbosa, presidente da organização não-governamental Viva Brasil, de São Paulo, ao determinar o recadastramento o governo federal ignorou o resultado do referendo realizado em 2005, quando a população optou pela não proibição da venda de armas de fogo. "Ainda não entenderam que, depois do referendo, ter uma arma é um direito do cidadão. Este direito está sendo retirado, porque muitas pessoas não têm dinheiro para recadastrar a arma."
Barbosa teme que o recadastramento abra um precedente para o poder público taxar outras propriedades. "Em alguns casos, a pessoa tem de pagar mais do que o valor da arma. O IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores), por exemplo, não é 100%. É um precedente perigoso, nada impede que um dia o governo federal resolva fazer isso com automóveis, casas e propriedades rurais."