Ouça este conteúdo
O registro de profissionais de saúde de 14 categorias no cadastro geral criado pelo Ministério da Saúde é obrigatório. Essa é a interpretação feita por advogados da portaria 639, de 31 de março de 2020. Segundo eles, apesar de o ministro Luiz Henrique Mandetta ter declarado que a ação seria voluntária, o texto do documento não deixa dúvidas do contrário.
O artigo 4º da portaria diz que “os conselhos profissionais nas áreas da saúde” deverão “enviar ao Ministério da Saúde os dados dos profissionais das áreas de saúde” e “comunicar aos seus profissionais registrados que realizem o preenchimento dos formulários eletrônicos de cadastramento disponibilizados pelo Ministério da Saúde”. O Ministério informou ainda que vai identificar quem não se cadastrar e informar aos conselhos. Como a portaria é direcionada a essas entidades, caso os profissionais não se cadastrem, os conselhos é que devem ser cobrados.
"Pelo que está na portaria, eu entendo que todos têm o dever de se cadastrar em prol da coletividade”, diz a presidente da Comissão de Direito à Saúde da OAB/PR, Renata Farah. " É uma ação preventiva e estruturante do governo nesse momento especial. A medida não é arbitrária, o Estado tem essa prerrogativa", comenta.
Segundo o coordenador-geral da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Luis Henrique Madalena, o ministro pode ter começado com um discurso mais "manso", pois quem dará o cumprimento à medida e analisar a questão é o próprio Ministério da Saúde. "Contudo, caso a situação se agrave muito e seja necessário [chamar profissionais], ele poderá dizer que é obrigatório, pois normativamente está municiado para isso. Ele poderia ter dito: façam logo de uma vez, se quisesse", explica.
De acordo com o advogado, a Constituição permite que a União legisle sobre as requisições administrativas em ocasiões específicas (como agora no caso da Covid-19). "A portaria regulamentou a questão sobre os serviços e os conselhos têm que fornecer o cadastro dos profissionais e eles devem preencher o formulário. O rito está correto", afirma.
"Alguns médicos e profissionais de Educação Física vieram me perguntar se era pra fazer o cadastro. Respondi: pelo que consta, tem que fazer, se vai te convocar ou não é outro papo", diz Madalena
Segundo a portaria, devem se cadastrar os profissionais formados em serviço social; biologia; biomedicina; educação física; enfermagem; farmácia; fisioterapia e terapia ocupacional; fonoaudiologia; medicina; medicina veterinária; nutrição; odontologia; psicologia e técnicos em radiologia.
A expectativa é cadastrar cerca de cinco milhões de profissionais que, eventualmente, poderão auxiliar o SUS em todo o país, dentro da iniciativa batizada de "O Brasil Conta Comigo - Profissionais da Saúde".
"Estamos começando a construir agora esse cadastro e focando primeiro nos profissionais de saúde que têm disponibilidade e que querem contribuir e enfrentar de peito aberto, indo para os estados onde houver maior necessidade para reforçar equipes médicas em todo o Brasil", explicou o ministro na semana passada. Naquele momento, ele afirmou que, por enquanto, o governo está cadastrando apenas "para saber quem pode, quem quer e quem tem disponibilidade para ajudar os estados".
Segundo o ministro, a medida foi tomada seguindo exemplos de como a doença exigiu dos profissionais da saúde em outros países. Na Itália, por exemplo, 45% da força de trabalho acabou se contaminando logo no começo da pandemia e, mesmo nos casos mais leves, os profissionais demoraram até 14 dias para retornar aos seus postos.
"Se você é profissional de saúde, se você entende que pode sair da sua cidade para ir atender em outra cidade a qualquer momento. Se você está bem de saúde, se entende que está apto a fazer, faça o seu cadastro. O Ministério vai saber que você pode fazer parte de uma força-tarefa", afirmou Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde.
Profissionais serão capacitados
Antes de voluntários e possíveis convocados serem enviados a um determinado local, o Ministério da Saúde irá capacitar os profissionais de saúde nos protocolos oficiais de enfrentamento à Covid-19 por meio de curso a distância.
Os profissionais terão acesso ao curso após o preenchimento do formulário de cadastro e, ao fim, vão receber um certificado de conclusão. O Ministério avisou que irá informar os conselhos sobre os profissionais que não realizarem o cadastro e o curso.
"O profissional poderá sinalizar ao final do curso de capacitação se deseja fazer parte das ações de enfrentamento ao coronavírus, assim poderá ser chamado para trabalhar em locais onde há necessidade, conforme a dinâmica da circulação do vírus no território nacional. O recrutamento desses profissionais ficará a cargo dos gestores locais do SUS", informou o Ministério da Saúde.
Conselho contesta portaria
O Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj) reagiu a portaria e ainda na quinta-feira (2) e disse que entrou na justiça por entender que o estado de emergência em saúde "não é um cheque em branco na mão do Ministério".
"Não faltam médicos no país e nos dando equipamentos de proteção obrigatórios, boas condições de trabalho e segurança trabalhista não nos furtaremos a atuar juntos com o Ministério da Saúde para debelar a pandemia", diz trecho de nota publicada.