Lançado em janeiro deste ano para ser um espaço de desabafos anônimos, o aplicativo Secret virou um "reduto" de difamação. Em vez de contar seus próprios segredos, alguns usuários começaram a compartilhar ofensas a outras pessoas. Em uma rápida navegada, é possível ver mensagens de cunho sexual e fotos acompanhadas de frases como "se você da foto estiver lendo isso, saiba que tenho imagens nuas suas que, se eu publicar, você não vai poder nem sair na rua."
Enquanto fazia pesquisas no aplicativo, a reportagem encontrou uma publicação sobre a DJ curitibana Marcinha Eggers, 32 anos. No post, há uma foto dela na frente de um ônibus biarticulado e uma frase que faz referência à homossexualidade. "Eu consultei meu advogado e vou tomar as devidas providências. Quem fez isso vai ser cobrado", diz ela.
O consultor de marketing Bruno Henrique de Freitas Machado, 25 anos, estava trabalhando quando recebeu mensagens de amigos avisando que havia sido mencionado no Secret. "Publicaram uma foto minha nu, disseram que eu fazia orgias e ainda tinha o vírus HIV", relata. Na hora, Machado diz ter ficado "chocado" e "espantado" com a situação e mandou um e-mail para o aplicativo.
"O pessoal do Secret disse que não poderia identificar a pessoa que fez a postagem, pois seria uma quebra de privacidade", conta. Por isso, Machado procurou ajuda jurídica. Advogada do caso e especialista em direito digital, Gisele Arantes entrou com ação na 35.ª Vara Cível de São Paulo pedindo a remoção do aplicativo no país.
"O funcionamento do app aqui no Brasil viola a nossa legislação, principalmente em relação ao anonimato", relata Gisele. De acordo com o inciso 4.º do Artigo 5.º da Constituição Federal, é "livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato."
Decisão
A decisão do caso, analisado pelo juiz Roberto Luiz Corcioli Filho, foi divulgada na última quarta-feira. Corcioli Filho concordou com o argumento de que o aplicativo fere a lei brasileira, mas não determinou a retirada dele do país. "Ele entendeu que o caso do meu cliente ainda é isolado, e a retirada do mesmo pode atingir o interesse da coletividade", explica Gisele.
Contra a lei
Segundo o advogado Alan Moreira Lopes, do escritório A. Augusto Grellert, o app também fere o Marco Civil da Internet, que determina que todos os serviços on-line devem se submeter à legislação brasileira. "Fere também o Código de Defesa do Consumidor, que diz que o manual de instruções de um serviço oferecido no país deve ser em português, e não em inglês, como no caso do Secret."
Cyberbullying pode ser pior que o bullying "real", diz psicóloga
Agência RBS
Mariana*, de 16 anos, de Porto Alegre, ficou sabendo por intermédio de amigos que o tamanho do seu nariz tinha virado assunto no aplicativo Secret. "Fiquei chocada. Me senti mal. Minha autoestima já é baixa. É uma covardia, uma agressão", relata a adolescente.
Psicóloga do Grupo de Estudos Sobre Adições Tecnológicas e do Centro de Estudos, Atendimento e Pesquisa da Infância e Adolescência, Aline Restano destaca que essa fase do desenvolvimento é marcada pela impulsividade. Ainda em formação, muitas vezes o jovem age sem pensar, o que na internet pode ter consequências imprevisíveis.
"O cyberbullying é considerado pior do que o bullying real porque as vítimas têm a sensação de que todo mundo sabe, não adianta mudar de escola ou cidade para ter uma nova chance. O impacto é muito maior. Algumas se isolam, têm depressão ou até se suicidam", alerta Aline.
Superexposição
Entusiasta das redes sociais por fortalecerem os laços entre famílias e escola, o professor de Filosofia Betover Santos costuma debater os riscos da superexposição. Recentemente, aproveitou conceitos previstos no plano de aula da disciplina, como ética e moral, para orientar turmas de ensino médio sobre o comportamento on-line.
"Quais as consequências daquilo que torno público? Tudo no mundo virtual, mesmo que anônimo, possui implicações morais e éticas. As redes exigem uma relação de zelo, cuidado, reciprocidade. Posso postar qualquer coisa, mas isso está passível de inúmeras interpretações. Qual o limite do que posso tornar público? O que ainda precisa permanecer no privado? Quanto mais idôneo, consciente, racional eu for, melhor será o uso da internet na minha vida", analisa o professor de Filosofia.
* Nome fictício.