O ex-candidato à presidência da República Guilherme Boulos (Psol) fez, na quarta-feira (9), uma publicação polêmica em suas redes sociais (que, posteriormente, foi apagada) ao abordar o gesto do comentarista Adrilles Jorge, da Jovem Pan, apontado como uma suposta alusão ao nazismo, que motivou seu desligamento da emissora. Boulos disse que quem faz saudação nazista “merece o que os comunistas fizeram com os nazistas em Berlim de 1945”, referindo-se às dezenas de milhares de mortes de alemães, muitos deles civis inocentes, na tomada da capital alemã.
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Boulos e grande parte das figuras públicas de esquerda acertam ao denunciar as barbáries do nazismo, mas erram ao ignorar as atrocidades do comunismo – regime totalitário semelhante, que dizimou um número de vidas cinco vezes maior do que o nazismo.
Além de fechar os olhos para a existência de incontáveis campos de concentração e de trabalho forçado (os chamados gulags), os assassinatos em massa de opositores do regime, o cerceamento das liberdades e as mortes por inanição na casa dos milhões – sendo o genocídio Holomodor, que vitimou mais de 5 milhões de ucranianos entre os anos de 1931 e 1933, equivalente ao holocausto –, setores à esquerda frequentemente manifestam-se favoravelmente ao regime comunista. No Brasil, dos 32 partidos políticos existentes, pelo menos três sustentam abertamente o projeto de instauração de um regime comunista no país.
Por meio da lei federal antirracismo (Lei 7.716, de 1989), no Brasil é crime veicular, comercializar ou distribuir símbolos que façam referência ao nazismo para fins de divulgação do regime, e a pena para a conduta é de até cinco anos de prisão mais multa. Entretanto, não é crime fazer apologia ao comunismo. Apesar de haver projetos de lei que propõem criminalizar toda forma de enaltecimento ao regime tramitando na Câmara dos Deputados, esses PLs obtêm pouco apoio, o que é insuficiente para se tornarem leis.
Projetos na Câmara sobre criminalização da apologia ao comunismo
Em maio de 2016, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) apresentou o projeto de lei (PL) 5358/16, que criminaliza a apologia ao comunismo. O projeto altera a Lei Antirracismo, no trecho que aborda propagandas nazistas, para incluir a mesma penalização a quem veicular, comercializar ou distribuir símbolos ou propaganda que remeta ao comunismo, bem como reproduzir o símbolo da foice e do martelo. Atualmente partidos políticos de esquerda - como o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e o Partido Comunista Brasileiro (PCB) - ostentam o símbolo do regime.
A proposição, que altera ainda a Lei Antiterrorismo (13.260/16) para incluir o “fomento ao embate de classes sociais” como ato terrorista quando cometido com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, encontra-se parado aguardando definição de relatoria.
Em setembro de 2020, o parlamentar apresentou outro projeto sobre o tema (PL 4425/20), que criminaliza a apologia tanto ao nazismo quanto ao comunismo, e proíbe qualquer referência a pessoas, organizações, eventos ou datas que simbolizem ambos os regimes totalitários em nomes de ruas, rodovias, praças, pontes, edifícios ou instalações de espaços públicos.
A proposta também aumenta para 15 anos a pena máxima para veiculação para apologia aos regimes e determina que as escolas ficam obrigadas a adotar medidas destinadas a conscientizar os estudantes sobre os crimes cometidos por representantes do comunismo e nazismo.
“Ambas as ideologias se explicam em poucas palavras: miséria e mortes. Sendo certo que o nazismo usa a luta de raças e o comunismo a de classes para chegar ao poder. Massacrando qualquer tipo de direito individual, as duas correntes de serviram como instrumento para o domínio de genocidas, em diferentes níveis, ao redor de todo o mundo”, disse o parlamentar ao apresentar o projeto. Desde sua apresentação, entretanto, a proposta não teve nenhum andamento.
Em 2019, o deputado federal Julian Lemos (PSL-PB) propôs o PL 4826/19, que estabelece o crime de apologia ao comunismo e estipula pena máxima de seis anos mais multa. “O comunismo é tão nefasto quanto o nazismo e, se já reconhecemos em nosso ordenamento jurídico a objeção ao segundo, devemos também fazê-lo em relação ao primeiro”, diz o parlamentar.
“A proposta tem por finalidade dar um basta na manipulação mentirosa perpetrada há anos que iludem pessoas bem intencionadas e distorcem fatos históricos, ocultando o que verdadeiramente está por trás das falácias comunistas, cujos regimes mataram milhões de inocentes e promoveram incontáveis atentados”, prossegue. O projeto aguarda apreciação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.
Por fim, em 2017 o ex-deputado Professor Victório Galli (PSC-MT) apresentou o PL 8229/17 que, igualmente, torna crime toda forma de enaltecimento ou apologia ao comunismo. O projeto também não teve avanços em sua tramitação.
Bárbaros e brutais, nazismo e comunismo dizimaram incontável quantidade de vidas
Nazismo e comunismo foram duas das experiências políticas mais relevantes no mundo durante o século XX. O nazismo, liderado por Adolf Hitler e implantado majoritariamente nas décadas de 1930 e 1940, como política de Estado, na Alemanha e nos países invadidos pelo ditador, prega a destruição de povos e indivíduos que poderiam “contaminar” a alegada “pureza” da raça ariana. O regime foi responsável por vitimar seis milhões de judeus em campos de extermínio. Além dos judeus, inúmeras vítimas como negros, pessoas com deficiências, ciganos e homossexuais foram perseguidos e mortos.
O nazismo é universalmente tido como a mais vil ideologia já implantada e estima-se que tenha sido responsável por cerca de 20 milhões de mortes. No entanto, normalmente não é dado o mesmo tratamento ao regime comunista, responsável por massacres históricos e extermínios em massa que chegam à casa dos cem milhões de assassinatos. Os números (publicados na obra “O Livro Negro do Comunismo”, escrita por seis estudiosos franceses e publicado, nos Estados Unidos, pela Harvard University Press) referem-se apenas às mortes de civis pelos regimes comunistas e não a pessoas mortas em combate.
Apenas na União Soviética, 20 milhões de civis foram mortos. Já na China, as mortes durante a liderança de Mao Tse-Tung, conhecido como o grande líder da Revolução Cultural, que fez a China se tornar um país comunista, ao menos 65 milhões de pessoas foram mortas. Outras dezenas de milhões também morreram pela mão de ferro de líderes comunistas em países como Ucrânia, Cuba, Romênia, Camboja e vários outros.
Para historiador e cientista político, os regimes são equiparáveis
Para o historiador e professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Jean Marcel Carvalho França, a forma como o Ocidente relativizou as barbáries do comunismo tem relação com a influência de um pensamento com tendência mais à esquerda predominante desde a Segunda Guerra Mundial. Segundo o historiador, é possível perceber esse fenômeno de tolerância com as arbitrariedades de certos regimes de esquerda a partir da relação dos intelectuais franceses com o stalinismo.
“Eles demoraram muito tempo para negar o stalinismo. Veja a atitude do Jean-Paul Sartre, que é um libertário, que prega que o Ocidente deve fazer uma revolução antiburguesa. Ele foi um dos que acobertou por muito tempo o stalinismo. Então, há uma tendência dentro da inteligência ocidental à esquerda, e isso não é um fenômeno apenas brasileiro. Eles, de fato, atenuam os regimes totalitários de esquerda”, diz o docente.
Para Carvalho França, a partir da Segunda Grande Guerra foi formado um consenso em torno dos regimes totalitários ocidentais resumindo-os ao nazismo e ao fascismo. Há, segundo ele, uma ampla literatura que ampara a perspectiva bastante crítica ao nazismo, porém existe uma literatura muito mais reduzida e com menor impacto na cultura do Ocidente sobre as barbáries do comunismo.
“Tem toda uma geração – a geração do [Michel] Foucault por exemplo, a geração da Escola de Frankfurt. Todos eles vão pensar contra os regimes totalitários, e regimes totalitários para eles tem um nome: nazismo”. Segundo o historiador, no entanto, todo regime que pretende implantar uma engenharia social a todo custo, ainda que com o extermínio de inúmeras vidas humanas, pode ser enquadrado como regime totalitário.
De acordo com Leonardo Barreto, doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB), há setores dentro da política que entendem que o processo de coletivização e planificação social é desejável e deve ser buscado, o que dificulta o avanço de projetos de lei que criminalizam apologia ao comunismo. Para ele, há pessoas que, ainda que sejam social-democratas e tenham uma visão contrária ao totalitarismo e favorável às liberdades civis, já foram influenciadas, no passado, por visões comunistas e têm dificuldades para condená-las.
“Condenar o comunismo é também condenar uma ideia de planificação social que está por trás de todos esses massacres. Acredito que propostas dessa natureza não avancem por esse motivo. É isso o que leva muitas pessoas a criminalizar contundentemente o nazismo como tem que ser, mas relativizar regimes que promoveram tragédias muito semelhantes”, afirma o cientista político.
“O ‘ovo da serpente’ é a ideia de planificação social e desse absolutismo do coletivo contra o indivíduo. Essa é a ideia-mãe de todos os regimes que resolvem escolher uma população para deixar de viver”, ressalta.
Como complemento, Carvalho França aponta que a promessa de uma sociedade perfeita é o que, na teoria, “justificaria” as mortes, e isso ambos os regimes têm igualmente. “Os dois prometem uma sociedade melhor, um produto final maravilhoso. Então, se o resultado é bom, não importa o preço que se pague, ainda que se tenha que eliminar pessoas – sejam as raças consideradas inferiores para os nazistas, ou sejam os ‘burgueses’ que não querem aceitar o comunismo”, explica.
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