Ovacionado pela esquerda brasileira ao divulgar, em 2019, conversas por mensagem de texto atribuídas ao ex-juiz Sergio Moro (União Brasil-PR), ao ex-promotor Deltan Dallagnol (Podemos-PR) e a outros integrantes da operação Lava Jato obtidas a partir de invasão hacker a aparelhos celulares, o jornalista norte-americano Glenn Greenwald não goza mais das honras de boa parte da esquerda.
Fundador do site de notícias The Intercept, simpatizante do presidente Lula (PT), defensor da tese de que o impeachment de Dilma Rousseff (PT) teria sido um “golpe” e crítico contundente de Jair Bolsonaro (PL), o jornalista, que é casado com o ex-deputado federal David Miranda (PSOL) e mora no Brasil há 17 anos, tem credenciais de sobra para agradar a esquerda brasileira. No entanto, Glenn é um defensor ferrenho do texto constitucional sobre a liberdade de expressão a ponto de elevar tal defesa para além de seus próprios posicionamentos políticos, o que levou ao racha com a militância do seu polo ideológico.
O americano tem usado sua influência internacional – que ganhou sobretudo por reportagens que apontaram a existência de programas secretos de vigilância global do governo dos Estados Unidos – para denunciar ao mundo medidas autoritárias e inconstitucionais do Judiciário brasileiro.
Em sua conta no Twitter, que soma quase dois milhões de seguidores, ele denuncia que há um regime de censura e cerceamento de direitos em vigência no Brasil sob o comando de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para ele, além das repetidas censuras, prisões e medidas cautelares impostas a críticos do Judiciário, o ministro vem tomando decisões abusivas que ferem o devido processo legal.
As declarações do jornalista na rede social chegaram inclusive ao dono do Twitter, Elon Musk, que classificou como "extremamente preocupantes" as medidas em curso por iniciativa do ministro. Pesa contra Moraes uma série de acusações de autoritarismo direcionado especialmente a apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas que já se voltaram contra figuras de esquerda que ousaram criticar o magistrado.
Gleen tem ecoado, especialmente, duas reportagens do News York Times, principal site de notícias norte-americano, publicadas no final do ano passado apontando arbitrariedades do magistrado. “Como notou o News York Times, um sinal de quão tirânico o poder de Moraes se tornou é que as pessoas têm medo de criticá-lo publicamente. Mesmo um executivo sênior do Big Tech só o fez no anonimato. Muitos juristas brasileiros não querem falar abertamente por medo”, tuitou Greenwald nesta segunda-feira (16).
Mas as críticas não se restringem ao ministro e também estão direcionadas a veículos de imprensa que têm silenciado frente aos abusos e, em algumas ocasiões, celebrado tais medidas. Por fim, o alvo do jornalista volta-se à militância chamada “progressista”. Para Glenn, o apoio massivo da esquerda brasileira à conduta de Moraes revela “a própria face autoritária de parte dessa ala ideológica”. “Quanto mais essa parte da esquerda mostra sua verdadeira face, melhor”, tuitou ele nesta terça-feira (17).
Como resultado, Glenn entrou na lista-negra da militância e tem sido rotulado, dentre outros termos, de “bolsonarista”, fascista e terrorista. Usuários da rede social alinhados à esquerda têm, também, defendido o uso de violência contra o jornalista e até mesmo sua deportação do país. Nesta terça-feira (17), ao comentar os ataques recebidos, o americano chegou a se referir aos autores dos ataques como “sociopatas”. “Como disse Marina Silva, não foi Bolsonaro quem inventou o ‘gabinete do ódio’. Foi o partido contra o qual concorreu em 2018. Tudo isso pelo crime de questionar o rei Alexandre de Moraes”, desabafou.
Defesa inflexível da liberdade de expressão
Os episódios recentes não se tratam da primeira vez em que Glenn Greenwald colocou o prestígio com a esquerda em risco para defender a liberdade de expressão e o respeito ao devido processo legal para todos, independentemente de viés político.
Em outubro de 2020, poucos dias antes das eleições para a presidência dos Estados Unidos, o jornalista decidiu deixar o próprio The Intercept ao alegar que o veículo tentou censurar uma coluna sua em que criticava o então candidato Joe Biden, rival de Donald Trump. Na época, ele acusou a direção do veículo de abdicar de sua função jornalística para manipular as eleições usando o jornalismo a fim de favorecer a eleição de Biden.
No ano passado, Glenn Greenwald foi uma das primeiras figuras públicas da esquerda a reconhecer que as falas do apresentador Monark que levaram ao seu cancelamento não tinham cunho racista. Em fevereiro de 2022, Monark sofreu um cancelamento massivo na internet capitaneado em grande parte por influenciadores e usuários de redes sociais ligados à esquerda por ter defendido um conceito amplo de liberdade de expressão, no qual a apologia a regimes totalitários como o nazismo e o comunismo não seria considerada crime, assim como ocorre hoje nos Estados Unidos.
Glenn, aliás, foi responsável por intermediar a migração do canal de Monark para a plataforma de vídeos Rumble após o apresentador ter seu canal no YouTube, com mais de 3 milhões de seguidores, desmonetizado pela plataforma devido à repercussão do caso.
Em junho do ano passado, o americano também foi contra a primeira censura imposta à esquerda por Moraes. Após ser alvo de diversas críticas pelas redes sociais do Partido da Causa Operária (PCO), de viés comunista, o ministro ordenou a suspensão de todos os perfis da sigla nas redes sociais. Além disso, incluiu o partido no chamado “Inquérito das Fake News” e intimou Rui Costa Pimenta, presidente da legenda, a depor sobre as postagens.
Na ocasião, Glenn também tentou levar o caso para o público internacional. “No Brasil, um pequeno Partido Comunista tornou-se um dos mais firmes e íntegros na defesa da liberdade de expressão e contra o consenso dominante da censura”, tuitou.
Glenn Greenwald é acusado de ter posicionamento “bolsonarista”
Na noite desta quarta-feira (18), Glenn participou de um debate na Folha de S. Paulo com o sociólogo Celso Rocha de Barros. O convite de Barros se deu pelo Twitter em resposta às publicações do jornalista sobre a conduta de Moraes. Na mensagem com o convite, o sociólogo disse que Glenn estaria “expressando o ponto de vista bolsonarista sobre as recentes decisões do STF”.
No debate, antes de expor seus pontos, o americano rebateu críticas que tem recebido de que não entende como funciona a legislação brasileira e estaria tentando importar ideias americanas para o Brasil. “A liberdade de expressão e o direito ao processo legal não são valores americanos, nem são valores bolsonaristas. Os dois direitos são garantidos explicitamente pela Constituição brasileira”, disse.
Ele também destacou a decisão do STF que manteve por tempo indeterminado a resolução que ampliou o poder de polícia de Alexandre de Moraes para “combater fake news” de ofício. A determinação era válida apenas durante as eleições 2022, mas ainda está vigente, o que tem permitido que o ministro siga censurando desde usuários comuns até políticos eleitos. As redes sociais devem cumprir a ordem de bloqueio em até 2 horas sob pena de multa que chega a R$ 150 mil.
“Nenhuma das pessoas que foram alvo dessa ordem foi notificada sobre o que ele fez, nem foi dada oportunidade de contestar as acusações. Não tem o menor processo devido”.
Para rebater as acusações do sociólogo de que a conduta de Moraes está ligada ao combate a um golpe de Estado cuja tentativa teria sido materializada na invasão dos prédios dos Três Poderes, Glenn destacou que as medidas abusivas não iniciaram por ocasião das eleições, mas há mais de dois anos.
Principais declarações na rede social
Veja a seguir alguns dos tuítes publicados nos últimos dias por Glenn Greenwald sobre a conduta de Moraes:
10/01: Existe agora, ou já existiu, uma democracia moderna onde um único juiz exerce o poder que Alexandre de Moraes possui no Brasil? Não consigo pensar em nenhum exemplo sequer próximo.
13/01: Que direito um juiz brasileiro tem de ordenar que plataformas estrangeiras banam políticos e jornalistas de suas plataformas e ameaçá-los com multas massivas se não censurarem sob comando?
13/01: Que direito um juiz brasileiro tem de ordenar que plataformas estrangeiras banam políticos e jornalistas de suas plataformas e ameaçá-los com multas massivas se não censurarem sob comando?
15/01: Acho perigoso que um juiz tenha tanto poder: iniciar suas próprias acusações e depois declarar os acusados culpadas sem julgamento ou aviso prévio.
15/01: O poder específico de Moraes – de ordenar unilateralmente que quem ele quiser seja silenciado, sem processo e em segredo – foi justificado para proteger a eleição. Mas a eleição acabou e – como todos os poderes extremos supostamente temporários (Patriot Act) – ainda está em uso.
17/01: Por uma grande coincidência, a esquerda acredita que a censura de todos os da direita é justa, enquanto a censura de todos os da esquerda é injusta e um abuso de poder.
17/01: Além da questão da censura está a falta do devido processo legal. Essas ordens são secretas. Os alvos não têm conhecimento deles, muito menos uma oportunidade de aprender as alegações e contestá-las.
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