Isabel Tchicoco Yambi e Maurício Tchopi Dumbo vieram ao Brasil ainda pequenos, em 2001. Aos onze anos, os cegos fugiam das consequências de uma guerra civil e da falta de oportunidades aos portadores de deficiência visual. Neles, suas famílias depositaram vários sonhos - um deles, ver os filhos formados no ensino superior.
“Somos de famílias muito humildes e quando saímos de Angola, nos falaram que seríamos os primeiros membros da família com diplomas. Não é um sonho só nosso, é um sonho coletivo, de várias famílias”, explicou Maurício.
Na sexta-feira (26), parte de uma lista grande de sonhos dos jovens e de suas famílias foram realizados. Isabel e Maurício receberam o diploma de Bacharéis em Direito pela Uninter, depois de passar por inúmeras dificuldades e quase perder a chance de conquistar a diplomação. Entre elas, a falta de dinheiro, de um teto, trabalho e de vistos que permitissem que os jovens ficassem no Brasil por tempo indeterminado. Mas, pior do que isso - conviviam com o medo e a pressão do Consulado Angolano para que voltassem ao país.
Depois de treze anos vivendo em Curitiba, os jovens, que vieram ao Brasil por intermédio de uma ONG, foram avisados que teriam que voltar à Angola e que a bolsa que ganhavam para custear a faculdade e despesas com aluguel seria cancelada.
“Dissemos que não voltaríamos, e isso foi visto como um ato de rebeldia. O Consulado deixou de pagar nosso aluguel e a faculdade”, contou Maurício. Por quase um ano, os jovens viram o sonho cada vez mais longe e chegaram a pensar que teriam que voltar - sem futuro e sem diplomas. “Em Angola não temos autonomia. As calçadas não são adaptadas, não há ensino especial. Pensamos várias vezes que o teríamos que abandonar tudo o que construímos aqui”, disse o formando.
Sem estudo, jovens teriam que voltar para Angola
Sem empregos formais, ameaçados de perder a casa e quase quatro anos de estudo, Maurício, Isabel e outros sete jovens precisaram de toda a ajuda que pudessem encontrar. Os amigos cederam suas casas, conseguiram doações de roupas e alimentos. Além disso, encontraram na figura da professora Leomar Marchesini, coordernadora do Serviço de Inclusão e Atendimento aos Alunos com Necessidades Especiais (Sianee) da Uninter, mais um membro para a família meio angolana, meio brasileira.
Para manter os jovens estudando, Leomar correu muito - falou com todos os amigos que conhecia e pediu ajuda para que Maurício, Isabel e os outros alunos não precisassem deixar seus sonhos pela metade.
“Conseguimos representação pela Defensoria Pública Federal para que eles conseguissem o visto. Nesse meio tempo, eles tinham muito medo e sentiam que não conseguiriam ficar. Cheguei a ficar com os passaportes, com medo que eles se sentissem pressionados a ir embora”, contou a professora.
Para conseguir o visto, os jovens precisavam estar regularmente matriculados no centro universitário, mas o consulado deixou por diversas vezes mensalidades atrasadas. A Uninter, então, concedeu bolsas integrais para que eles pudessem ficar e concluir os estudos, além de disponibilizar professores para acompanhá-los em sala de aula. Mas, tão sonhado quanto o dia da formatura, foi o dia em que receberiam a notícia de que ficariam no país. A permanência de Isabel e Maurício foi publicada no Diário Oficial da União no dia 14 de abril de 2015.
“Depois de passar por tanta coisa, poder ficar no Brasil foi uma conquista. Somos angolanos, mas o Brasil nos acolheu como seus filhos. É como dizem, mãe é quem cria”, brincou Isabel, orgulhosa em ser praticamente brasileira.
O mesmo apoio veio dos colegas de classe e da empresa que realizou a formatura, que deu a festa de presente para os dois. Isabel e Maurício não conseguiam segurar o sorriso em imaginar a Ópera de Arame, cartão-postal de Curitiba, cheia de gente para compartilhar com eles aquele momento especial. Um amigo, explicava a arquitetura do lugar e a quantidade de pessoas que estavam ali. “Nossa, tanta gente assim?”, disseram espantados.
Sonhos cada vez maiores
O sonho de ter o diploma universitário se tornou realidade. E os dois não cansam de agradecer, a todo momento que podem, aos amigos que fizeram, ao centro universitário que os acolheu e a cada brasileiro que fez parte da trajetória. “Perdi a conta de quantos meninos de rua nos ajudaram a atravessar a rua. Eles nem sabem, mas nos ajudaram a chegar até aqui hoje”, conta Maurício, emocionado.
Depois de tantas dificuldades, os dois continuam sonhando, cada vez mais alto. Maurício, que joga futebol, conseguiu a naturalização brasileira e espera jogar pelo país nas paraolimpíadas. “Estou correndo atrás disso, só estou esperando a convocação”, disse, esperançoso. Quem os acompanha de perto, diz que chances não faltam.
Além da carreira de jogador, o jovem, que já fez estágio no Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), diz querer ser juiz. “Quero fazer um concurso público e continuar trilhando o meu caminho por aqui”, conta Maurício.
Isabel também quer ser juíza, mas para lutar pelos direitos dos deficientes visuais. “Quero ter poder para mudar as leis. Muitas vezes, os empregadores acabam não contratando o deficiente visual por achar que ele é incapaz, ou que terá que fazer muitas adaptações na empresa e isso não é verdade. Falta apoio para que pessoas como nós tenham oportunidades como as que tivemos”, opinou.
Por toda a dedicação que demonstrou durante a graduação, Isabel, com o incentivo da professora Leomar, se inscreveu em um prêmio internacional, dedicado à mulheres que querem continuar estudando. O prêmio de capacitação e educação - que não à toa se chama Viva o seu Sonho - disputado entre 30 mulheres, foi para a angolana, que recebeu aporte financeiro para continuar a sua formação.
“Vim de uma família pobre, minha mãe foi abandonada e criou seus filhos sozinha. Se as pessoas soubessem o quanto a educação pode mudar a vida de uma mulher...”, observa a a nova bacharel em Direito. “Quero estudar muito e ajudar outras mulheres que precisam desse apoio. Quem sabe, até criar um programa de educação para mulheres em Angola. Espero ter poder para isso”, disse Isabel, sabendo desde agora que sonhar não custa nada - mas pode mudar uma vida inteira.
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