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Apesar de ser alvo de protestos de professores, alunos e milícias digitais, o primeiro episódio do documentário "O Fim da Beleza", da empresa de mídia Brasil Paralelo, foi exibido nesta quinta-feira (3), no salão nobre da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR). O barulho de uma manifestação em frente à universidade atrasou um pouco o início do evento, mas sem prejudicar a apresentação e o debate sobre o conteúdo. Participaram cerca de 50 pessoas.
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A iniciativa partiu de um grupo de estudantes da UFPR, muitos deles do Grupo de Estudos Liberalismo e Democracia (GELD), que reúne alunos de diversos departamentos para estudar teóricos liberais-conservadores que, segundo eles, não são abordados com frequência no âmbito acadêmico. De acordo com os estudantes de Direito Guilherme Krul e Lucca Siqueira, do GELD, a exibição do documentário “foi uma iniciativa 100% dos alunos: nós é que procuramos a Brasil Paralelo e organizamos a apresentação”.
Professores e estudantes contrários ao conteúdo do filme tentaram cancelar o evento ou transferir o ato do salão nobre para uma sala marginal e menor do prédio, sem sucesso. A linha narrativa do vídeo, que apresenta estudos experimentais e declarações de estudiosos brasileiros e estrangeiros, defende o resgate de padrões estéticos tradicionais e tece críticas à arquitetura modernista, à cultura de massa e à arte contemporânea. O documentário apresenta entrevistas com personalidades como Theodore Dalrymple, Ann Sussman, Ian McGilchrist e Jonathan Pageau.
“O importante é quebrar a espiral do silêncio. Qualquer aluno deve ter o direito de pensar e se manifestar como julga adequado. Ninguém fez nada ilegal, só exibimos um documentário que aborda a arte a partir de um determinado marco teórico. Se isso ofende alguns, lamento”, disse Lucca Siqueira.
Protesto de rua, "Brasil Paralelo lata do lixo" e caveira de Olavo de Carvalho
Antes do horário previsto para o início da sessão, acontecia do lado de fora da universidade uma manifestação de pessoas que portavam bandeiras e camisas de partidos políticos e movimentos de esquerda, entre eles grupos de militância estudantil, feministas e LGBTs. O protesto, segundo os participantes, incluía várias pautas - como o aumento dos preços das passagens de ônibus em Curitiba -, mas também a exibição do vídeo "reacionário" da Brasil Paralelo.
Francisco Maciel, que integra o Centro Acadêmico do Curso de História e está no 4º período da graduação, afirmou que o ato contra o aumento da tarifa dos ônibus no município já estava marcado muito antes de os movimentos ficarem sabendo da exibição do documentário. Mesmo assim, o tema acabou entrando na pauta do protesto. Para Maciel, que não assistiu ao documentário da Brasil Paralelo, o desenvolvimento do roteiro seria incompatível com o propósito do espaço acadêmico.
“O que essa produtora faz é puro revisionismo histórico e negação dos fatos. Equivale a negar o Holocausto ou dizer que a escravidão foi uma coisa boa. Essa ideia de promover uma cultura clássica contra uma cultura contemporânea supostamente degenerada é uma coisa do fascismo. Os nazistas já faziam isso. Eles não fazem análise crítica, apenas apologia de concepções da direita. São negacionistas de fato”, disse.
O estudante Lucas Gracia, membro do Diretório Central dos Estudantes (DCE), também disse desconhecer o teor do documentário, mas declarou ser contra “porque a produtora Brasil Paralelo ataca a educação pública” e não contribuiria para a “promoção da ciência”.
Cartazes com os dizeres “Brasil Paralelo: a lata de lixo da História” e uma caveira com a inscrição “Olavo de Carvalho” - um dos filósofos que inspira a série de vídeos sobre a beleza - foram fixados na entrada do prédio por opositores. Os organizadores também relataram que foram intimidados por alunos do curso de Direito que não quiseram se identificar, mas interrogaram na entrada do evento se a direção e a reitoria da universidade tinham autorizado a apresentação do documentário.
“Nós estamos fazendo tudo dentro das normas, não esperávamos toda essa repercussão polêmica por causa de um debate aberto sobre um documentário de acesso livre no Youtube. Estamos inclusive pedindo inscrição prévia, uso de máscara, distanciamento, check-in e assinatura dos presentes na entrada”, afirmou o presidente do GELD Guilherme Krul.
Sobre as manifestações contrárias, Lucca Siqueira afirmou que a reação dos grupos de esquerda “decepciona um pouco, apesar de já ser esperada. O pior é ver uma série de comentários relacionando o documentário a ideais nazistas, o que além de não fazer o menor sentido; é uma mentira. Além disso, sofremos uma pressão tremenda para alterar o local de exibição, mas decidimos manter.”
Nas redes sociais, deputados da Assembleia Legislativa do Paraná se manifestaram a favor da exibição e avessos a quaisquer medidas de censura ideológica. Frederico Gonçalves, advogado especialista em liberdade de expressão que esteve presente na apresentação, disse que um grupo de ex-alunos enviou uma carta ao professor Sergio Staut, diretor da Faculdade de Direito da UFPR, pedindo para que o ato não fosse cancelado.
“Para nossa surpresa, chegou-nos ao conhecimento um pleito irrazoável e antidemocrático: o de que o salão nobre não possa ser utilizado, no dia de hoje, para sediar a exibição de documentário integrado por ideias diferentes das que constituem consenso ideológico de determinados setores acadêmicos-universitários. Reiteramos, nesse contexto, que confiamos plenamente na sabedoria e sensibilidade de Vossa Senhoria, na sua visão sobre a essência plural das universidades e no papel decididamente democrático que nossa querida UFPR sempre desempenhou dentro e fora de seus muros”, disse a carta.
Nesta sexta-feira, o Centro Acadêmico Hugo Simas, da Faculdade de Direito, divulgou uma nota explicando por que se posicionou contrário à exibição do documentário. Após dizer acreditar que a "construção de diálogos e o debate de ideias divergentes assume [sic] papel fundamental na formação intelectual e humanística dos e das discentes de nossa Faculdade", afirmou que tal "divergência deve se dar dentro de limites claros: da democracia e da ciência, esta última especialmente atacada pelo documentário 'O Fim da Beleza'". Os estudantes, porém, não explicaram que dados apresentados no roteiro da Brasil Paralelo teriam conteúdo anticientífico.