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Os atos de vandalismo do dia 8 de janeiro de 2023 contra os edifícios dos Três Poderes completam um ano nesta segunda-feira (8/1). Ao longo desse período, um dos principais efeitos do evento foi o de municiar narrativas para justificar perseguição a opositores e medidas autoritárias no Judiciário, no Executivo e no Congresso.
No Supremo Tribunal Federal (STF), a tese de que os atos foram planejados com o objetivo manifesto de levar a cabo um golpe de estado no Brasil, e de que todos os presentes nas manifestações podem ser considerados golpistas, serviu como pretexto para algumas das condenações mais desproporcionais da história da Justiça brasileira.
Há exemplos como o da professora aposentada Ângela Nunes, de 54 anos, que apenas cozinhava na frente do Quartel-General do Exército em Brasília para manifestantes e não participou do vandalismo, mas, mesmo assim, ficou dois meses detida e submetida a dificuldades para tratar uma doença grave. Também é emblemático o caso de Jupira Rodrigues, de 57 anos, condenada a 14 anos sem provas concretas de que tenha praticado qualquer tipo de vandalismo; ela recebeu a sentença padronizada do Supremo que tem sido aplicada para enquadrar todo tipo de participação nas manifestações do 8/1 em tipos penais como "associação criminosa armada", "abolição violenta do Estado Democrático de Direito" e "golpe de Estado".
No Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os atos de vandalismo foram usados no processo que tornou inelegível por oito anos o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ). Durante o julgamento, Walber Agra, advogado do PDT – partido que entrou com a ação no TSE para impedir o ex-presidente de ser candidato –, costurou uma relação entre falas de Bolsonaro sobre o sistema eleitoral e os atos do 8 de janeiro para sustentar que discursos do ex-presidente teriam desencadeado os ataques.
A tese foi acatada pelo Ministério Público Eleitoral, que afirmou que "depois das eleições, percebeu-se uma inédita mobilização de parcelas da população que rejeitavam aberta e publicamente o resultado do pleito".
Em discursos politizados proferidos em diferentes ocasiões, ministros do Supremo se escudaram no 8 de janeiro para criticar a ascensão da direita no Brasil sem parecer antidemocráticos. Luís Roberto Barroso, por exemplo, justificou sua famosa frase "derrotamos o bolsonarismo" dizendo que se referia ao "ao extremismo golpista e violento que se manifestou no 8 de janeiro e que corresponde a uma minoria".
O 8 de janeiro também serviu para que o Judiciário e seus membros fizessem gestos e campanhas para se posicionar como guardiães da democracia. Em janeiro, por exemplo, o STF iniciou a campanha "Democracia Inabalada", que passou a vender o Supremo como órgão defensor da democracia brasileira contra os extremistas.
No Congresso, deputados governistas tentaram explorar os atos do 8 de janeiro para viabilizar uma versão do PL das Fake News facilitando a censura de opositores nas redes sociais. Em diversas ocasiões, parlamentares de esquerda usaram o 8/1 como pretexto para sustentar a necessidade de apressar as discussões e aumentar a responsabilidade das redes sociais em censurar conteúdos. Até agora, o PL não foi votado.
Executivo transformou 8/1 em carta na manga para justificar perseguição a opositores
O Executivo, principalmente através do presidente Lula e do então ministro da Justiça, Flávio Dino, transformou o 8 de janeiro em uma carta na manga para justificar todo tipo de instrumento que possa servir para perseguir opositores.
Em janeiro, menos de três semanas depois dos atentados, o governo Lula anunciou o "Pacote da Democracia", um conjunto de projetos de lei para endurecer as penas contra quem atentar contra o Estado Democrático de Direito ou contra autoridades do alto escalão. O plano também pretende asfixiar financeiramente pessoas que o PT chama de apoiadores de "movimentos antidemocráticos", e sugere até criar uma Guarda Nacional para evitar novos ataques contra a democracia. O Congresso ainda não votou as propostas.
O presidente Lula explorou em diversas entrevistas e eventos os ataques do 8/1. A última foi em sua mensagem de Natal ao povo brasileiro.
"O ódio de alguns contra a democracia deixou cicatrizes profundas e dividiu o país. Desuniu famílias. Colocou em risco a democracia. Quebraram vidraças, invadiram e depredaram prédios públicos, destruíram obras de arte e objetos históricos. Felizmente, a tentativa de golpe causou efeito contrário. Uniu todas as instituições, mobilizou partidos políticos acima das ideologias, provocou a pronta reação da sociedade", afirmou, em mensagem que foi ao ar em meios audiovisuais no dia 24/12.
Em 1º de maio, Dia do Trabalhador, quando o governo tentava emplacar a votação do PL das Fake News, Lula explorou o 8 de janeiro para chamar seus apoiadores a virarem "soldados contra a fake news".
"Eu queria convidar todo mundo a virar soldado contra a fake news. A gente não pode permitir que a mentira continue prevalecendo nesse país. Cada companheiro que tem um celular precisa ficar atento, precisa ficar esperto. Não pode mandar mensagens mentirosas, não pode passar pra frente aquilo que você sabe que pode prejudicar a pessoa. A mentira nunca levou ninguém a lugar nenhum. E foi a verdade que derrotou o ex-presidente da República. Vocês se lembram que eles tentaram dar um golpe dia 8. Eu quero terminar dizendo para vocês: todas as pessoas que tentaram dar golpe serão presas, porque esse país quer democracia de verdade. E a democracia quer respeito", discursou.
Em abril, o então ministro da Justiça Flávio Dino, agora eleito para compor o STF, atribuiu os ataques em escolas ocorridos naquele mês à "influência da ideia de violência extremista a qualquer preço, a qualquer custo" e disse enxergar "uma ligação entre uma coisa e outra", em referência ao 8 de janeiro. "O ethos, o paradigma de organização do mundo que golpistas políticos e agressores de crianças, assassinos de crianças têm é o mesmo. É a mesma matriz de pensamento, a matriz da violência", acrescentou.