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Solicitar um barbijo rojo - máscara vermelha - nas farmácias argentinas nunca foi um ato tão significativo. Mas quando o país latino-americano (e o resto do mundo) teve de adotar o isolamento social em decorrência da pandemia, essa passou a ser uma das formas de denunciar uma situação de violência.
Notavelmente, alguns países têm adotado medidas simples e inteligentes nesse combate. É o caso da Espanha, que influenciou medidas na Argentina, por exemplo. Em campanha elaborada pelo governo argentino junto à Confederação Farmacêutica do país, foi estabelecido o protocolo de que qualquer pessoa que solicitar uma máscara vermelha nas farmácias está sendo vítima de violência e seu caso deve ser encaminhado ao Dique 144 (espécie de Disque 180 no Brasil) e amparado pelas autoridades competentes.
Embora a campanha tenha as mulheres como foco principal, qualquer pessoa pode solicitar ajuda. Além disso, as farmácias foram estabelecidas como ponto estratégico por terem sido considerados serviços essenciais pelo governo e, portanto, devem funcionar durante a quarentena.
Na prática, o profissional farmacêutico que se deparar com a situação deve dizer ao solicitante que, no momento, o estabelecimento não conta com máscaras vermelhas. Em seguida, deverá anotar os dados da pessoa e dizer que entrará em contato quando o produto estiver disponível. As informações, dessa forma, serão repassadas ao órgão competente. O governo também emitiu uma orientação para que todas as farmácias disponibilizem panfletos da campanha.
Na França, embora de forma muito semelhante, o alarme soa de outra maneira: solicitar uma "máscara 19" significa um pedido de socorro de uma vítima de violência doméstica. Esse protocolo foi estabelecido em março no país.
Christophe Castaner, ministro do interior da França, afirmou que, desde que o país estabeleceu a quarentena como medida de enfrentamento ao novo coronavírus, houve um crescimento de 36% nos atendimentos realizados pela polícia para casos de violência doméstica.
Medidas iguais a essa surgem como alternativa para um conflito de difícil resolução: com a quarentena, vítimas e agressores tendem a estar confinados em um mesmo ambiente - o que dificulta, por exemplo, a realização de uma denúncia por telefone.
Hotéis e apps
O salto dos números de violência influencia ainda outras ações. O governo francês anunciou que iria bancar a estadia de vítimas de violência em um quarto de hotel por pelo menos 20 dias. Propôs, além disso, criar centros de acolhimentos nos estabelecimentos comerciais abertos durante a pandemia, para que as vítimas possam buscar ajuda.
No Brasil, a ministra Damares Alves também afirmou que a pasta busca parceria com hotéis para abrigar as vítimas. O governo brasileiro ainda criou um aplicativo de denúncias, no qual é possível, por exemplo, anexar provas (como fotos) da violência.
"A Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SNPM) está realizando, periodicamente, reuniões com Cocevid (Colégio de Coordenadores da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário Brasileiro) e MJSP (Ministério da Justiça e Segurança Pública) com objetivo de promover ações de forma coordenada", informou a pasta capitaneada por Damares, por e-mail.
"No último encontro, representantes do Cocevid destacaram a elaboração do projeto "Marca Vermelha”. A ação capitaneada pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) e o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), está sendo desenvolvida pelo GT do CNJ e contará com o apoio da Anvisa e outros órgãos", explica. "De acordo com o Cocevid, o referido projeto consiste na utilização de uma marca vermelha na palma da mão (em formato de um x) pela mulher para pedir auxílio, uma denúncia silenciosa. A ação envolverá inicialmente as farmácias".
Itália e Espanha também estão acolhendo vítimas de violência doméstica em quartos de hotéis. A Austrália, por sua vez, anunciou um pacote de AU$ 150 milhões para ajudar vítimas de violência doméstica e sexual durante a a pandemia, mas não especificou as ações do combate.
Aumento preocupante
Mesmo com a dificuldade das vítimas de falar ao telefone, muitos países registraram aumento das queixas por canais de denúncia. De acordo com o Ministério das Mulheres, Gênero e Diversidade da Argentina, as queixas pelo canal argentino aumentaram em 39% desde que o país adotou ao isolamento social.
Indicadores do mundo todo acompanham esse crescimento. Nos primeiros quatros meses no Brasil, o mapeamento da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH) revelou aumento de 14,1% no número de queixas de violência doméstica registradas no Disque 180 em relação ao último ano.
"Nas últimas semanas, com o aumento das pressões econômicas e sociais e do medo, observamos um chocante aumento global da violência doméstica. Peço a todos os governos que a prevenção e a reparação nos casos de violência contra as mulheres sejam parte vital de seus planos nacionais de resposta contra a Covid-19", pediu o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres. "Devemos garantir que as mulheres possam pedir ajuda de maneira segura, sem que aqueles que as maltratam percebam", insistiu.
Entre outras coisas, pesquisas e especialistas indicam que a crise econômica e o stress causado pelo confinamento são potenciais fatores que influenciam a violência.