Um puxão de orelhas depois que vários de seus alunos apresentaram nota abaixo da média e a pressão para que elas fossem recuperadas de qualquer forma foi um dos primeiros choques de uma professora com a profissão. Há poucos anos na rede estadual de ensino, ela relatou que o "empurrãozinho" para que alunos não reprovem é comum, motivo para desapontamento com a atividade e para que alunos não tenham compromisso com a escola.
A professora deu o depoimento um dia depois que a RPCTV mostrou a revolta de um pai de dois alunos de Londrina que apresentaram nota baixa durante todo o ano letivo, mas foram aprovados pelo conselho de classe. Inúmeros e-mails de professores, pais e até alunos relataram histórias semelhantes.
A professora conversou com a reportagem por telefone e narrou estratégias que ocorrem nos bastidores das escolas para evitar que alunos reprovem. Segundo ela, é comum que professores anotem notas e o controle de presença a lápis para futuras modificações. "Muitos mudam a nota de acordo com a pressão ou para dar uma ajudinha no final de ano. Eu mesma mudei as minhas notas no segundo bimestre, depois que me chamaram a atenção no primeiro bimestre", disse. Esse comportamento dos professores, segundo ela, também reflete nos alunos. "Eles não têm mais nenhum comprometimento com as aulas. Não fazem provas, não entregam trabalhos e na quarta-feira, quando a aula é de noite, ninguém aparece por causa do futebol na televisão. Na sexta-feira nem tem aula, porque todo mundo vai pra balada", afirmou. Para a professora, o motivo é o simples fato da certeza de aprovação no final de ano. "Tem de se esforçar muito para reprovar hoje em dia."
O desânimo já influiu no futuro dela como profissional. "Estou desanimada com o meu trabalho. O amor pela missão de educar vai acabando aos poucos e a gente acaba só indo mesmo porque tem contas para pagar no final do mês. Hoje não existe nenhuma recompensa em ser professor".
Pressão
Os e-mails recebidos pela reportagem refletem a mesma situação. Uma professora lembrou que a aprovação está ligada também ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que avalia a educação no país e define as verbas que a União repassa para cada estado. "As aprovações ocorrem sim, mas têm um sentido, a verba para a escola. Quanto mais são aprovados, mais verba. Ninguém é obrigado a aprovar alunos, mas se no ano seguinte faltar papel higiênico no banheiro dos professores você poderá ser culpado", escreveu outra professora.
Outra relatou que ouviu a pressão diretamente do diretor. "Um diretor me chamou e disse que na escola dele não se reprovava aluno", revelou. Uma professora disse que precisou arrumar "notas independentemente das médias, mexer no livro, podendo alterar todos os bimestres".
Há quem tente fazer diferente, mas acaba cedendo à pressão. "Sofro com meu trabalho jogado no lixo, quando percebo meus colegas passando alunos que brincaram o ano todo e com receio de pais que ameaçam irem ao núcleo abrir um processo administrativo".
Ajudinha
Estudante de uma escola pública de Curitiba, Felipe (nome fictício), 17 anos, conta que desde a 5.ª série necessitou de uma "ajudinha" dos professores para passar de ano. Mas, em 2009 ele reprovou o 2.º ano do Ensino Médio e em 2010 terá de rever todo o conteúdo. Não foi a primeira vez que reprovou: na 6.ª série a soma de notas devidas era muito alta.
A irmã dele, Giovana (nome fictício), 20 anos, reprovou quando estava no 2.ª ano ela já havia sido aprovada pelo conselho de classe no ano anterior. "Na hora foi um choque porque eu precisava de pouco e achava que conseguiria. Mas no fundo foi bom porque depois tive base para fazer um bom cursinho e passar no vestibular".