Tecnologia inacessível
Chips permitem rastreamento
O diretor institucional da Associação Nacional da Indústria de Armas e Munições (Aniam), Salésio Nuhs, disse durante a audiência na Câmara dos Deputados que os fabricantes nacionais já produzem armas com chips e cartuchos identificáveis que permitem o rastreamento. "O problema é que o governo não consegue montar um cadastro para todas as armas, nem possui equipamento para a leitura dos chips", declarou. Anteontem, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou que o Poder Executivo estuda elaborar um projeto de lei sobre o tema.
O rastreamento também é uma das principais propostas em discussão na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado. Nos próximos 60 dias, o órgão pretende consolidar sugestões que ajudem a prevenir tragédias como massacre de 12 adolescentes em uma escola municipal do Rio de Janeiro, ocorrido há três semanas. Um dos revólveres usados no episódio pelo assassino Wellington Menezes foi inicialmente vendido no comércio legal e depois revendido.
A defesa do rastreamento é também um contraponto à proposta do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), de que seja feito um novo referendo popular sobre a proibição do comércio de armas no Brasil. Em 2005, 64% dos eleitores votaram a favor da manutenção da venda legal de armas para civis. "Foi uma decisão democrática. Se fizermos um novo referendo vamos imitar Hugo Chávez na Venezuela, que insiste nos referendos até que a ideia que ele defende seja vencedora", comparou o presidente do Movimento Viva Brasil, Bené Barbosa.
Já o coordenador do programa de controle de armas do Viva Rio, Antônio Rangel Bandeira, condenou a "ganância" da indústria armamentista. "Eles querem vender e não se preocupam com o impacto social provocado pelas armas", disse. O setor é responsável por um dos lobbies mais fortes da política nacional. Em 2010, só a Aniam doou R$ 1,7 milhão para campanhas eleitorais, distribuídos entre 77 candidatos.
Facilidade
Fronteira desprotegida
Com um efetivo de 310 agentes para patrulhar toda a região de Foz do Iguaçu e Guaíra, a Polícia Federal (PF) não consegue barrar a entrada de armas que passa pelos 170 quilômetros do Lago de Itaipu e pela Ponte da Amizade, que liga Foz a Ciudad del Este. Na ponte o desafio é tão grande quanto no lago: fiscalizar cerca de 15 mil veículos e 35 mil pessoas que circulam todos os dias nos dois sentido.
Relatório da inteligência das forças de segurança pública que ocuparam a Vila Cruzeiro e o Complexo do Alemão no Rio de Janeiro, há seis meses, revela que 222 (77%) das 289 armas apreendidas nas operações foram fabricadas no exterior. Além disso, três a cada cinco são de uso restrito ou seja, não estão disponíveis no comércio legal a civis. Os números reforçam a tese de que o arsenal do crime organizado brasileiro é alimentado pelo desvio de armamento que deveria ficar apenas nas mãos de policiais e militares e pelo contrabando internacional.
Os proprietários originais só foram identificados em 34 armas. Vinte delas contêm marcas das Forças Armadas de quatro países que fazem fronteira com o Brasil Argentina, Bolívia, Paraguai e Venezuela. Dentre os equipamentos militares bolivianos, há nove metralhadoras automáticas produzidas na República Tcheca, quatro fuzis (dois belgas, um suíço e outro norte-americano) e uma submetralhadora tcheca.
Há ainda oito armas desviadas das Forças Armadas do Brasil quatro fuzis, duas submetralhadoras, uma metralhadora e uma pistola. Três armas saíram das polícias militares do Rio de Janeiro e Distrito Federal e uma da polícia civil fluminense. Apenas uma está registrada no nome de um civil (possivelmente foi roubada).
O documento foi divulgado ontem, em Brasília, pelo deputado federal Fernando Francischini (PSDB-PR), durante audiência pública na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara. O evento marcou o início de um ciclo de discussões sobre o controle de armas no Brasil. O parlamentar, que é delegado afastado da Polícia Federal (PF) e vice-presidente da comissão, não revelou como conseguiu o relatório.
O detalhamento das informações, contudo, confere com o que já vinha sendo divulgado pelo comando das operações realizadas no Rio. A ocupação das duas comunidades, que tinha a intenção de expulsar traficantes e pacificar a região, foi realizada em conjunto pelas Polícias Civil, Militar e Federal, Exército e Marinha. "Uso minha imunidade parlamentar para proteger minha fonte porque essa é uma informação que desmente a tese de que as armas usadas pelos grandes criminosos brasileiros não são trazidas ilegalmente do exterior", disse Francischini.
Contraponto
A divulgação dos dados foi uma resposta ao coordenador do programa de controle de armas do Movimento Viva Rio, Antônio Rangel Bandeira, um dos seis especialistas que participaram da audiência. "Entre 7% e 10% das armas apreendidas no Brasil são estrangeiras. Vamos acabar com esse mito de que o que nos atinge são armas estrangeiras", afirmou Bandeira, baseado em dados coletados pelo Viva Rio nos últimos dez anos.
O relatório exposto por Francischini, no entanto, não comprova que todas as 222 armas de fabricação estrangeira apreendidas entraram no país ilegalmente. Entre as armas originárias do Exército brasileiro, por exemplo, há dois fuzis de fabricação tcheca, um belga e uma metralhadora francesa. Parte dos equipamentos não identificados produzidos fora do Brasil e que são de uso permitido a civis também podem ter sido importados e comercializados legalmente.
Excepcionalidade
A diretora do Instituto Sou da Paz, Melina Risso, disse que a situação no Rio precisa ser encarada como uma "excepcionalidade", já que se refere a localidades que eram dominadas por círculos poderosos do tráfico de drogas. "Era de se esperar que houvesse mais contrabando no Complexo do Alemão, onde os criminosos tinham mais recurso para conseguir armas", disse. Para ela, contudo, é preciso levar em consideração outro universo de mortes por armas de fogo.
Melina citou uma pesquisa do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa do Estado de São Paulo que aponta que 49% dos assassinatos com armas de fogo na capital paulista ao longo de 2010 foram cometidas por pessoas que não tinham antecedentes criminais. O diretor institucional da Associação Nacional da Indústria de Armas e Munições, Salésio Nuhs, não se convenceu com as informações. "Não somos uma empresa de estatística, mas sabemos muito bem para quem vendemos. Essa porcentagem de 77% de armas estrangeiras no relatório de armas no Complexo do Alemão é um fato e ajuda a esclarecer a situação", opinou.
No próximo dia 6 começa a nova Campanha do Desarmamento. Armas poderão ser entregues em igrejas, ONGs, delegacias de polícia, batalhões da Polícia Militar e dos Bombeiros e unidades das Forças Armadas.
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