A Polícia Civil recolheu quatro pistolas e dois fuzis usados por policiais militares de uma Unidade de Polícia Pacificadora do Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro, durante o suposto confronto com traficantes que resultou na morte da aposentada Arlinda Bezerra das Chagas, de 72 anos, na noite de domingo (27). As armas serão encaminhadas para exame de confronto balístico com o projétil encontrado no corpo da idosa. O objetivo é descobrir se o tiro que matou Dona Dalva (como Arlinda era conhecida) partiu da polícia ou dos criminosos.
O delegado Rivaldo Barbosa, titular da Divisão de Homicídios, disse segunda-feira (28) que não descarta a realização de uma reconstituição do crime. Antes disso, ele pretende terminar de ouvir os depoimentos de testemunhas e de todos os PMs envolvidos no episódio.
Dona Dalva foi enterrada na tarde desta terça-feira (29), no Cemitério de Inhaúma (zona norte) sob aplausos de cerca de 70 pessoas, entre parentes e vizinhos. Durante o velório, parentes da vítima reclamaram que nenhuma autoridade os procurou para pedir desculpes pelo episódio. Dona Dalva morreu após ter sido baleada na barriga, no Beco Vila Vítor, na parte alta da Favela Nova Brasília, a poucos metros de casa. A idosa levava um sobrinho-neto de 10 anos para a casa da mãe dele, quando foram surpreendidos pelos disparos.
"Ela salvou a vida do meu filho, porque, mesmo baleada, gritou: `Me acertaram. Meu filho, foge'. Estamos revoltados porque ninguém nos procurou para dar os pêsames. Minha tia trabalhou durante mais de 30 anos em uma fábrica de costura, pagou todos os seus impostos e se aposentou para curtir os netos. Mas essa tragédia terminou com os planos dela", afirmou Marinalva Bezerra Clemente, de 39 anos, sobrinha de Dona Dalva e mãe do menino de 10 anos.
Marinalva disse ainda que a família não tem como afirmar de onde partiram os tiros que mataram a idosa. "Meu filho não viu nada. Na hora do susto só teve tempo de sair correndo e entrar na casa dela de novo. A gente só quer paz para continuar a nossa vida".
UPA invadida
Dezenas de pessoas invadiram e depredaram a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Alemão na noite de segunda-feira (28). O episódio ocorreu por volta das 20h30. Há versões diferentes para as razões do ataque. Uma delas, a de que moradores chegaram ao posto com um rapaz baleado no tiroteio que, naquele momento, confrontava policiais militares e criminosos. A vítima foi identificada como Carlos Alberto de Souza Marcolino, de 20 anos, e participava de um protesto na Estrada do Itararé supostamente contra a morte de Dona Dalva.
Ele continua internado em estado grave. Sem médicos para o atendimento na UPA, as pessoas, revoltadas, teriam decidido depredar o posto. A versão policial é outra: o ataque à UPA teria sido ordenado por traficantes do Comando Vermelho que resistem à política de pacificação. Quatro ônibus também foram incendiados na região durante a manifestação.
O prefeito Eduardo Paes atribuiu o ataque à UPA a criminosos ligados ao tráfico. "Temos certezas de que não foram pessoas protestando por melhores condições de vida, mas sim marginais, delinquentes ligados ao crime organizado".
Nesta terça (29) de manhã, o cenário na unidade ainda era de destruição. Quase todos os vidros externos das três unidades foram quebrados. Computadores, tevês, mesas, cadeiras e prontuários continuavam espalhados pelo chão. "Eram cerca de 50 pessoas, armadas com pedaços de pau, pedras, barras de ferro e até batatas com pregos. Os aparelhos que os invasores não conseguiram carregar foram jogados no chão. Foram momentos de pânico", contou um segurança.
No momento do ataque, havia cinco internados na UPA e pelo menos quatro pessoas com problemas mentais no CAPS. Os pacientes da UPA foram transferidos para três hospitais. Já os do CAPS foram levados para casas de seguranças da unidade, no Alemão, onde passaram a noite.
O secretário municipal de Saúde, Hans Dohmann, disse que dois médicos pediram demissão e dois enfermeiros que tentaram impedir a entrada dos invasores na UPA ficaram feridos. No fim da tarde, Dohmann afirmou que profissionais ainda podem reconsiderar o pedido de demissão e voltar a trabalhar. A unidade voltou a funcionar às 13 horas.
O governador Luiz Fernando Pezão repetiu que não vai recuar na política de pacificação e retomada de territórios e comemorou decisão judicial que autoriza a transferência do traficante Bruno Eduardo Procópio da Silva, o Piná. "Em fevereiro de 2007, estive no Alemão e o que se via era fuzil em todo lugar. Agora a situação é bem diferente, os bandidos tentam retomar territórios e não vamos recuar", afirmou.