A demolição da casa Joaquim Franco teve um efeito anestésico sobre a leva de arquitetos e técnicos curitibanos que há uma década lutam pela preservação do legado modernista na capital. São verdadeiros Quixotes. Em 2000, depois de muitas investidas em direção ao poder público municipal, o grupo capitaneado pelo arquiteto Salvador Gnoato conseguiu formar um núcleo de notáveis para inventariar o legado modernista em Curitiba. A tarefa obteve êxito: chegou-se a 600 imóveis, sendo que 150 entre casas, edifícios, teatros e afins entraram para o inventário.
Dos 150, 29 viraram unidades de interesse de preservação, precisamente as casas, por estarem mais a perigo do que condomínios verticais ou espaços consolidados, como o Guairão. "A gente pensava que estava na vanguarda do processo e viu que não existia processo nenhum. Havia um interesse genérico do poder público no assunto, mas não uma política", lamenta o arquiteto Irã Taborda Dudeque, autor do catatau Espirais de Madeira livro de referência sobre a arquitetura da cidade ao falar do acontecido com a casa Joaquim Franco, para ele, a mais notável influência de Le Corbusier na capital.
Tanto para Irã, quanto para Salvador, o desgaste da discussão que empolgou o Ippuc e os arquitetos no início da década é culpa de todos. "Foi cruel. O debate não passou de uma carta de intenções. Não conseguimos transmitir para o público nossas preocupações com o modernismo curitibano", diz Dudeque. "É um problema do mundo inteiro. O olhar está muito mais voltado para o século 19 e início do 20. Não é fácil criar uma mentalidade", comenta Salvador que é representante local do Documomo, organização internacional voltada para a proteção da arquitetura moderna. "Faltou um pós cadastramento, um trabalho de sensibilização da população", observa a arquiteta Rosina Parchen, diretora do Patrimônio do Estado.
Não é a primeira vez que a cruzada do modernista risca uma casa importante do caderninho. Os adeptos viram exemplares de Luiz Fortte, Brakte e dos irmãos Gandolfi beijarem a lona. Mas foi em 1999 que virou poeira a residência que iria se tornar símbolo do movimento uma casa do arquiteto Lolô Cornelsen, erguida no ano de 1946, então em vias de ser tombada pelo estado. Deu em nada. Agora, soma-se ao obituário a casa Joaquim Franco, pelo sim pelo não, motivo de retomada de uma conversa que a Curitiba deixou para depois.
Tudo indica que as estratégias de convencimento dos proprietários vão continuar dando suadouro no poder público. O triste fim da Joaquim Franco está aí para confirmar. Segundo familiar que não quer ser identificado, diante da concorrência de imóveis na região do São Francisco, a moradia ficou desalugada por mais de um ano, transformando-se em mocó e motivo de reclamações da vizinhança, com visitas esporádicas de policiais. As décadas de inquilinato e as recentes invasões descaracterizaram o imóvel. "Jamais deveria ter virado unidade de preservação. Isso foi uma fantasia dos arquitetos", exalta-se a parente.
Do ponto de vista da prefeitura, os donos de imóveis cadastrados vão muito bem, obrigado. Se a UIP estiver bem conservada, o proprietário consegue receber até 100% de desconto de IPTU. Ele também pode transferir potencial construtivo a metragem que o zoneamento permite para outro imóvel. E ainda desfrutar da orientação especializada na conservação da casa.
Em se tratando de um bem modernista, o conforto é ainda maior: o estilo construtivo que vingou dos anos 30 aos 60 tende à simplicidade a mão-de-obra é a que está na praça e a matéria-prima pode ser encontrada na loja de construção mais próxima. Mesmo assim... "É um processo muito recente. Ainda não pegou", defende Ricardo Bindo, do Ippuc. (JCF)
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