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São raras as vezes que uma breve entrevista diz tanto sobre o mundo contemporâneo. Esse é o caso das seis questões respondidas pelo pichador curitibano DG, 28 anos, ao repórter André Simões, em matéria da Gazeta do Povo do último domingo (leia a íntegra em http://tinyurl.com/9aqvpks). As entrelinhas das respostas de DG retratam de forma pungente a ânsia pela celebridade, a descrença na política, a irresponsabilidade, o individualismo e a incapacidade de enxergar o outro – realidades tão marcantes nos dias de hoje.

O motor das pichações, no relato de DG, é o anseio de se tornar conhecido. "Para quem não tem como se expressar, é uma forma de sair do anonimato", justifica. É um sintoma de uma sociedade que cultua a fama e o sucesso como valores superiores à ética. Nos negócios. Nos esportes. No mundo do entretenimento. E na política.

O mau exemplo que vem de cima é combustível para os pichadores, bem como para outros tipos de infratores. "Os políticos são hipócritas", diz DG. "Fazem propaganda eleitoral ilegal (...), jogam santinhos no chão", prossegue ele.

Há claramente, nessas declarações, uma desesperança na política. Mas também uma projeção de culpa para fora de si. A hipocrisia das autoridades eleitas, neste raciocínio canhestro, "autoriza" o erro dos cidadãos. Argumento semelhante é evocado corriqueiramente em diferentes situações: o culpado é o sistema, a sociedade, as injustiças sociais.

Obviamente o meio exerce uma influência enorme sobre todos. Mas a escolha entre o bem e o mal sempre será de cada um. DG, em determinado momento da entrevista, admite isso: "A única coisa que faço de errado é pichar". E, embora fuja de sua responsabilidade individual, paradoxalmente demonstra um forte individualismo e incapacidade de se colocar na posição dos proprietários dos imóveis que danifica: "Quem picha não tem esse sentimento".

O relato do pichador indica ainda que a repressão policial tem efeito inibidor sobre esse tipo de delito, mas limitado. "Sei do risco (...). Fui preso uma vez e me cobriram de pancada", diz DG, que ainda assim continua a rabiscar paredes e monumentos. É necessário, portanto, usar abordagens complementares: educar, dar voz e espaços de expressão para todos os segmentos sociais, incluí-los nas discussões públicas.

Quem sabe a resposta aos dilemas contemporâneos esteja em outra afirmação de DG, que mostra o valor que põe acima de tudo. Ele não quer que seus três filhos "sigam esse rumo". O pichador, enfim, encontra na família algo que merece ser cuidado. Talvez nela esteja a solução para as aflições da modernidade. Ou então, como prevê DG: "A pichação nunca vai acabar". A pichação e os outros problemas.

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