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Pode parecer estranho pensar que os brasileiros, todos os anos, saiam às ruas para comemorar revoluções fracassadas, ou ainda, fiquem em casa descansando porque aquele dia se tornou feriado estadual em decorrência de uma batalha que aconteceu há muitos anos, mas que também acabou em derrota militar. Exemplos não faltam. No dia 20 de setembro passado, os gaúchos desfilaram pelas avenidas de Porto Alegre para comemorar a Revolução Farroupilha. Em São Paulo, no dia 9 de julho, é decretado feriado estadual em memória à luta pelo regime democrático no país, que deflagrou a Revolução Constitucionalista de 1932. No dia 21 de abril é feriado nacional – uma homenagem ao alferes (antiga patente do Exército português, abaixo de tenente) Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, único morto na Inconfidência Mineira, que acabou, mais tarde, sendo elevado ao título de herói nacional. Em Belo Horizonte, os mineiros têm rádio com o nome da revolução e, na data, o governador do estado costuma agraciar ministros com uma comenda chamada Medalha da Inconfidência.

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Consultados pela reportagem, historiadores – que são especialistas em cada uma das revoluções – explicaram o que leva as pessoas a recordar dessas batalhas. Antes de entender cada uma delas, a professora de História Contemporânea Maria Aparecida de Aquino, da Universidade de São Paulo (USP), explica que não se pode fazer uma generalização do assunto, isto porque, comemora-se algo quando alguma coisa tem sentido para as pessoas. "Não são apenas as revoluções chamadas vitoriosas que passam para a História, porque a História não precisa ser feita unicamente de vencedores", diz. Ela lembra que os três movimentos citados aconteceram em um período em que se estava formando a nação brasileira, onde todas as províncias tinham o desejo de afirmação e separativismo. "Poderia acontecer de tudo naquela época, até mesmo o Brasil ter uma configuração territorial diferente da de hoje", afirma. Maria Aparecida defende que estas recordações atuais, das antigas batalhas, são importantes porque fazem as pessoas lembrar que, em algum momento do passado, a população deixou de lado o individualismo e passou a pensar no coletivo. As revoluções a seguir não foram isoladas – elas contestavam um país que vivia pelo império.

Revolução Farroupilha

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A Guerra dos Farrapos ou Revolução Farroupilha durou dez anos – de 1835 a 1845 – e, como muitos defendem, não poderia passar em branco. É lembrada porque até hoje é uma referência à cultura do gaúcho. Os farroupilhas desejavam que o governo criasse uma sobretaxa para o charque e para os produtos agrícolas importados da região do Prata. O problema é que houve um esgotamento do movimento e uma paulatina derrota militar. O império já dava indícios de negociação e, assim, foi feito um acordo chamado de Ponte Verde, de modo que os farroupilhas não chegaram a conquistar o que pretendiam. O professor Luiz Alberto Grijó, do Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), explica que erroneamente se fala que a revolução desejava geograficamente separar a então província do Brasil, mas que na verdade o próprio movimento dividiu o Rio Grande do Sul. "A parte rebelada era identificada como a estância, dos fazendeiros criadores de gado", esclarece. "Mas havia os gaúchos mais urbanos que moravam em Porto Alegre e estavam ao lado do império. Em nome desta identidade cultural, também se esquece dos próprios imigrantes alemães e italianos que eram uma parte populacional importante."

Farroupilha é uma nomenclatura pejorativa usada nacionalmente para designar aqueles que se revoltavam contra o governo central do império. Para Grijó, não é a revolução em si que se tornou valorizada, até porque, como foi dito, não abrangia toda a província. A questão é que ela passou a ser referência dos movimentos futuros e, assim, nunca mais foi esquecida.

No final da década de 70, os movimentos republicanos começaram a se fortalecer. No Rio Grande do Sul, o grupo dominante era do Partido Liberal comandado por Gaspar Ferreira Martins. Esse grupo se colocava em algumas manifestações como a continuidade da legenda de 35, que, na verdade, era para marcar uma posição liberal exaltada, confundida com a farroupilha. "Em 1889, com o golpe republicano, o partido assume o poder efetivamente e, entre outras coisas, estabelece como bandeira do Rio Grande do Sul a que foi usada na Revolução Farroupilha", afirma Grijó. Também foi erguida uma estátua em homenagem ao suposto herói Bento Gonçalves. "Isto mostra que os símbolos vinculados aos farroupilhas voltam a todo instante a ser reclassificados na própria luta interna da política estadual", comenta.

O que mais marcou a revolução, entretanto, foi quando começaram a surgir no estado os movimentos tradicionalistas gaúchos, criados por estudantes de um colégio importante da capital. Eles tinham características de tentar resgatar crendices ligadas ao mundo rural. Por isso vão buscar esses elementos nas guerras, no suposto heroísmo do gaúcho que, segundo Grijó, nada mais é do que uma figura idealizada. "O gaúcho do início do século 19 é marginal, é um sujeito repleto de limites e que não está integrado ao mundo da estância", afirma.

Trata-se da construção de uma identidade, hoje também marcada pelos centros de Tradições Gaúchas (CTGs). A revolução não foi vitoriosa, mas tem persuasão política, identitária e até mesmo cultural, porque hoje vende livros, música, roupas e tudo o que estiver atrelado a isso.

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Inconfidência Mineira

A Inconfidência Mineira, um dos primeiros movimentos organizados pela população brasileira para tentar buscar a independência do país, aconteceu em 1789. Segundo o professor de História João Pinto Furtado, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a comemoração de algo perdido é extremamente claro, visto que a Inconfidência foi uma revolução abortada porque não poderia chegar ao seu objetivo de independência. "Ela tinha divergências entre os próprios inconfidentes: eles pregavam a busca pela liberdade, mas provavelmente jamais teriam pensado em abolir a escravidão, por exemplo", explica. "Esta contradição, com o fato de a revolução ter sido abortada, nunca veio a público." O principal motivo que desencadeou a Inconfidência Mineira foi a imposição de taxas abusivas sobre a mineração do ouro. A população, descontente, decidiu se rebelar. "A questão é que hoje as pessoas não têm percepção deste deslocamento simbólico. Isto quase sempre faz parte do discurso científico", diz Furtado.

O professor explica que a busca da identidade cultural resume o motivo pelo qual a revolução é tão comemorada nos dias atuais. "A promessa de liberdade, embora não cumprida pelos inconfidencialistas, continua sendo um bom motivo para se recordar. As pessoas acreditam que ela simboliza os direitos civis e humanos."

O movimento também foi reapropriado no século 19, quando teve uma recuperação de sua memória – foram construídos monumentos a Tiradentes, foi criada a Praça 21 de abril. "Foi por causa do movimento republicano. Aconteceu uma forte disputa entre cariocas e paulistas sobre quem seria o grande mentor da república. Por uma espécie de acordo entre cavalheiros, voltaram ao passado e escolheram Tiradentes, o único que perdeu a vida na revolução mineira. Ele representa a luta pelas coisas que faltavam, o martírio."

Revolução Constitucionalista

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Trata-se de uma reação da elite de São Paulo por causa da perda de poder ocorrida em 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas. Dois anos depois, as pessoas que tinham sido afastadas se reorganizaram para tentar voltar ao poder: a alegação era de que se precisava fazer uma Constituição para o país. A idéia era centralizar o poder e manter a autonomia dos estados, principalmente na questão dos impostos. Os constituintes, entretanto, perdem a guerra nas trincheiras porque tinham poucas armas para a batalha.

O professor de História do Brasil pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Jaime Rodrigues lembra que a população da época aderiu ao movimento mesmo não tendo os mesmos objetivos. "Pessoas simples, que não eram ligadas a partidos políticos, se alistavam para a revolução em busca de seus próprios ideais. Há um divórcio de interesses. Dizem que todos lutavam pela mesma causa e não é verdade", diz Rodrigues. Houve um batalhão de negros que se alistou, não porque pensava na constituição, mas porque queria igualdade de direitos. As mulheres também estavam envolvidas, não era um pensamento explícito, porém já havia o ideário do direito ao voto.

"Na verdade, a revolução é perdida naquela data, mas, dois anos após, sai a constituição", comenta Rodrigues. A professora da USP Maria Aparecida de Aquino recorda ainda que a revolução é perdida do ponto de vista de quem levou, mas tem um sentido especial porque envolveu todas as casas e pessoas daquele estado. "Meu avô era policial e lutou pela revolução. Temos guardadas as cartas que ele escreveu para a nossa avó. Lembramos de uma batalha, mesmo que seja perdida, porque ela se reflete em nós."