Thaïnouche Noel tem olhos curiosos de quem está prestes a descobrir o mundo e já firma o corpo para arriscar os primeiros passos. Filha da haitiana Marie Carline Noel, a menina é o primeiro bebê nascido no Paraná em 2016: veio ao mundo à 00h01 de 1.º de janeiro, na Maternidade Mater Dei, em Curitiba. Apesar do desenvolvimento saudável da criança, as perspectivas para mãe e filha são de incertezas. Em uma vida de privações, Marie Carline espera apenas o básico: ter satisfeitas suas necessidades mais urgentes.
“Está muito pesado para mim. Só eu que estou trabalhando. O pai dela não está aqui. Sou só eu. Eu queria que não faltasse nada a ela, mas está pesado”, disse Marie Carline, em português que ainda luta para aprender.
Marie Carline chegou ao Brasil em janeiro de 2014, deixando para trás Porto Príncipe, capital do Haiti, onde morava. Em Curitiba, se reencontrou com seu noivo Charles Noel, com quem se casou. Mesmo depois do nascimento da primeira filha, o haitiano se viu forçado a migrar novamente, por causa do desemprego. Acreditou nos rumores que apontavam que havia empregos no México e, em abril deste ano, acabou se mudando para lá, mas não conseguiu trabalho. Viu-se longe da mulher, da filha e sem dinheiro.
Veja as fotos de Marie Carline Noel e suas filhas
“A gente se fala por WhatsApp. Está bem difícil pra ele. Não tem emprego. Eu não sei quando vou ver ele de novo”, lamenta a haitiana. “Então, apesar de a Thaïnouche estar bem, [2016] foi um ano difícil”, completa.
Há quatro meses, Marie Carline trabalha na limpeza e como auxiliar de cozinha de um restaurante, no Alto da Glória. Sai de casa às 15 horas e só volta perto das 2 da madrugada. O salário garante o pagamento do aluguel da casa de fundos e de três cômodos, no Bairro Alto, que divide com a prima haitiana, Joane Noel, e com a filha desta, Dani Letícia, de apenas quatro meses. O dinheiro também tem que dar para alimentar as quatro.
“Ela [Joane] não está trabalhando. Então eu tenho que aguentar”, aponta Marie Carline.
Quando vai trabalhar, Marie Carline deixa a filha sob os cuidados da prima. Por isso – por ter que cuidar das crianças –, Joane não consegue procurar emprego. As primas sonham conseguir vagas para as filhas em creches em 2017, para que ambas possam trabalhar. Elas já foram cadastradas e receberam a promessa de que terão prioridade na fila de espera.
“Eu espero muito essas vagas na creche. Se tiver com quem elas [as crianças] ficarem, a minha prima pode tentar arrumar um emprego. Ia melhorar bastante”, sonha.
Marie Carline folga às segundas-feiras. É o dia que ela tem para ficar o tempo todo com Thaïnouche. “Eu gosto de brincar muito e de fazer bagunça com ela”, diz a haitiana. A menina, que se recupera de uma gripe, está na fase de acenar “tchau”, de piscar os olhos para chamar a atenção e de mandar beijos. Além disso, a pequena paranaense sorri quando se vê em fotos, em telas de celular ou de câmeras.
Principal ajuda vem da igreja evangélica
Apesar das dificuldades, Marie Carline encontrou uma mão amiga na Igreja Evangélica Livre, no bairro Boa Vista, em Curitiba. Assim que chegou ao Brasil, sem sequer falar português, a haitiana procurou o templo. “Era inverno e ela chegou com roupas de verão”, lembra Márcia Regina Ribeiro. Sempre que há alguma urgência, é à igreja que Marie Carline recorre. “Quando precisa, eles ficam com a minha filha. Levam ela no hospital, quando ela fica doente. São muito bons pra mim”, conta a haitiana. Segundo o pastor Marcelo Alves Ribeiro, Marie Carline foi a primeira haitiana a procurar pela comunidade. A partir de então, a igreja começou a desenvolver pequenos projetos para prestar apoio aos migrantes. Além de ajudá-los nas necessidades mais básicas – com roupa ou comida, por exemplo –, a Evangélica Livre começou a ministrar aulas de português aos haitianos. “Eram oito alunos. Hoje são 32”, conta o pastor. Por causa da rotina no trabalho, Marie Carline não tem conseguido frequentar os cultos. Apesar disso, mantém fé firme de que 2017 será um ano melhor. “Eu espero conseguir a vaga na creche para Thaïnouche e continuar trabalhando, para, pelo menos, não faltar comida.”
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