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História

As jóias perdidas de Thereza Christina

Os moradores de Cândido de Abreu, na região Central do Paraná, costumam se referir a Thereza Christina, um dos distritos do município, como um "fim de mundo". Para chegar até lá, saindo da cidade, segue-se 25 quilômetros pela BR 487 – toda restaurada – tendo ao fundo a Serra da Mesa. É um doce prelúdio. A partir de Três Bicos, enfrenta-se mais 25 quilômetros de estrada de chão, rumo à ribanceira do Rio Ivaí, com tudo a que uma aventura sertaneja merece: crateras lunares, curvas infernais, descidas sem fim, nós nas tripas, preces a Deus e a sensação de que 50 quilômetros podem significar um passo para a eternidade.

Se é assim em 2006, que dirá em 1847, quando tudo começou. Foi nesse ano que, subindo pelos Campos Gerais e o Rio Ivaí, chegaram a Thereza Christina o médico francês Jean-Maurice Faivre e uma comitiva de 74 conterrâneos visionários, dispostos a fundar aquela que seria uma colônia agrícola libertária (leia abaixo). Ficou na saudade. A febre amarela dizimou o próprio Faivre, alguns pioneiros abandonaram o barco e, reza a lenda, o lugarejo ficou com fama de amaldiçoado por umas boas décadas. O corpo de Faivre jaz em algum lugar por ali, em muita paz, já que, pelo visto, pouco se fala dele no território. Os que se atrevem soltam invariavelmente a mesma frase que se ouve a torto e direito em Cândido de Abreu: "O que será que aquela gente veio fazer nesse fim de mundo!"

O endereço perdido em que os sonhos de Faivre ficaram enterrados tem hoje 2.200 moradores e 1.200 eleitores. Diz-se que são 300 famílias. Mas é difícil acreditar que ali morem mais de 30 pessoas. Dá para apostar que um técnico do IBGE gastaria pouco mais de meia hora por ali. O povo do local corrige: "São 900 no vilarejo, o resto nas roças". Tão impressionante quanto a sensação de vazio numérico é a quantidade de igrejas para tão poucas almas – são seis templos no total, rivalizando com a meia-dúzia de estabelecimentos comerciais, a rigor um misto de mercearia, sinuca e lanchonete. De modo que, contrariando mais uma vez a primeira impressão, há mais o que se fazer em Thereza do que rezar.

A beira do Ivaí é o caso. Tem prainha e um miniporto, onde opera a balsa que leva até o município de Prudentópolis, na outra margem. Para quem atravessa, são mais 80 quilômetros de estrada de chão, o que faz do caminho entre Três Bicos e Thereza Christina um passeio de tapete mágico. O lugar já foi bom de pesca, não é mais. Mas as águas esverdeadas ainda fazem a alegria da piazada, gente como João Paulo e Daniel, de 6 e 7 anos, cabeça raspada por causa dos piolhos e um deles abrigando uma verdadeira cooperativa de bichos-de-pé, visíveis até por quem tem oito graus de miopia. Dizem que vieram de Reserva. Que ambos são presença constante no posto de saúde local. E legítimos representantes de uma população que mudou o perfil de Thereza Christina na última década – os miseráveis.

Levante

"Temos 700 pobres", diz o agente de saúde Jorge Carlos Derbli, cuja família, a dos "turcos", é a mais conhecida do local. Pobres que fazem parte de um levante não-violento, nômade e em maus-lençóis – a dos pequenos agricultores dos 18 municípios da região Central do Paraná que perderam ou abandonaram seus sítios. Estima-se que cinco mil deles não tenham documento de posse de terra. A esses se somam os derrotados pelo baixos ganhos da agricultura de subsistência, que aos poucos formam a periferia das pequenas cidades do Centrão, cuja média de ocupação urbana é de quatro mil moradores. São metrópoles perto da minúscula Thereza Christina. Mas a cidadela de Faivre já tem seu subúrbio.

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