Polêmica e autêntica, a jornalista, escritora e poetisa libanesa Joumana Haddad é autora de 15 livros, entre eles Superman is an arab ("O super homem é árabe", em tradução livre) e Eu Matei Sherazade Confissões de uma Árabe Enfurecida, este último um desafio às ideias preconcebidas sobre as mulheres no Oriente Médio e que fala da importância da leitura e do desenvolvimento intelectual como impacto libertador. Joumana é editora do jornal An-Nahar, criou a revista Jasad ("corpo", em árabe) e é professora da Universidade Americana de Beirute. Recentemente, ela esteve em Foz do Iguaçu, no Oeste do Paraná, para fazer uma palestra. Durante conversa com os jornalistas, falou sobre diversas temáticas ligadas ao mundo árabe. Veja alguns trechos da entrevista: Como surgiu a ideia do livro Eu Matei Sherazade?
Quando comecei a escrever este livro não tinha como objetivo libertar as mulheres e não tenho até agora, me considero um elemento e um exemplo. O que fiz foi ser mais sincera quanto possível nesta auto exploração do que vivi na minha sociedade. Fiz isso para poder dizer às mulheres que, sim, elas têm o direito e merecem ser livres. Têm o direito de falar. Muitas mulheres acreditam que não merecem isto, este é um grande problema. Minha escrita é íntima, por isso, universal. As mulheres se encontram nela e esse grito de libertação foi um efeito colateral positivo. Quando recebo um e-mail de uma mulher me relatando que depois de ler o meu livro se conheceu melhor, é uma grande vitória. As mudanças não se fazem quando queremos mudar todos ao mesmo tempo, mas com pequenas ações individuais e sendo o mais sincera possível. Eu tive a sorte de nascer em uma família católica, conservadora e tradicional. Estudei em um colégio de freira e sou o resultado disso [risos]. Tive uma mãe forte e lutadora e um pai intelectual. Havia muitos livros na minha casa e eles me salvaram a vida. Sem a leitura eu seria medíocre. Tudo isso me fez ser melhor, lutar e ter a ambição de buscar coisas melhores.
Como se trata o direito das mulheres no Líbano?
É uma mentira que no Líbano as mulheres têm mais liberdade. Isso se diz no mundo todo e não somente no Líbano. As mulheres libanesas estão convencidas disso. Porém, se vestir de forma mais liberal não significa ter emancipação. Isso é um direito individual de fazer do corpo o que se quer, mas em nível do Estado e das leis, se é insultada diariamente na legislação e somos tratadas como mulheres de segundo nível. Se no nível pessoal não temos a independência econômica, se dependemos do pai ou do marido e só buscamos o lado positivo da igualdade, isso não é emancipação. A emancipação exige um preço, o trabalho. Ser independente exige muito trabalho. Não tenho o direito de dizer que sou livre se não vivo sem um homem materialmente.
E a violência contra as mulheres no mundo árabe?
Esse problema existe em todo o mundo e por diversos motivos. Recebo cartas de mulheres europeias que me relatam a violência por lá. Existem muitas maneiras de praticar a violência contra a mulher. A violência física é a que mais chama a atenção, porém a violência social e psicológica, como a negação à mulher do direito de ter voz, identidade e um papel no mundo, ou tratá-la como acessório e como uma criatura de segundo nível, é uma grande violência. No mundo árabe não existem leis que protegem a mulher, como em muitas outras partes do mundo. As leis são a favor do homem e contra a mulher. Se um marido trata mal sua esposa é responsabilidade dela. Mesmo nos casos de estupro se diz "ela não se vestia bem" ou "bebeu demais". Infelizmente, a vítima paga o preço da opressão que está vivendo.
Como a sexualidade é tratada pelos árabes?
Infelizmente eu tive que parar a publicação da revista Jasad porque não existia apoio financeiro. É uma revista polêmica que falava da importância da sexualidade e todos os tabus impostos ao corpo humano no mundo árabe. Na minha visão, quando não podemos ter este corpo e o domínio dele é uma forma de escravidão. O mínimo que precisamos é pensar em tomar posse deste corpo e decidir sozinhas o que fazer com ele. Por outro lado, a sexualidade é uma necessidade humana e quando frustramos esta necessidade existe muita violência.
Como a religião entra nesse contexto?
Eu falo sempre de três níveis importantes para a emancipação das mulheres. O nível econômico, o legislativo e o problema da religião. Claro que o mais popular é falar do Islã, mas não é só ele. Eu hoje sou ateia, mas nasci em uma família católica e sei muito bem que a mulher na igreja não é tratada muito melhor. Existem outras formas de discriminação e talvez mais hipócritas, mas existem e o problema maior é esse. Podemos falar de tudo, de leis, dinheiro, direito de proteção, mas quando falamos de religião no mundo árabe, te bloqueiam. Outra questão ligada à violência contra a mulher é a conexão forte entre o Estado e a religião. É a religião o verdadeiro poder político em todos os países árabes e falo, em especial, das monoteístas. Religiões que tratam a mulher como menos importante. É normal que ela não esteja protegida e que sua dignidade não seja respeitada. A própria mulher, muitas vezes, se considera inferior e permite que seja vista como menor do que o homem. Este é o grande problema. Se você não está convencida dos seus direitos e da sua dignidade, não pode convencer os outros.
Você vê algum avanço no mundo árabe em relação a esses temas todos?
Não vejo progresso agora. É claro que no nível individual muitas mulheres trabalham e estudam, mas é uma minoria e não a massa das mulheres. Depois da chamada Primavera Árabe eu vejo uma regressão neste sentido. Todas as mulheres que participaram das revoluções, diretamente nas manifestações tão importantes, não resistiram aos novos governos e as decisões políticas. Diariamente recebo doses de ameaças e insultos, mas também de apoio. Eu aprendi que para poder continuar a fazer o que faço, tenho que me concentrar no apoio e não nos insultos. As ameaças são uma forma de intimidação covarde que não posso suportar. Eu suporto muito mais e respeito pessoas que debatem comigo de frente e não respeito quem me envia ameaças anônimas para me fazer mudar de ideia ou calar minha boca. Confesso que sendo humana e não uma mulher maravilha, em alguns dias me sinto cansada e digo a mim mesma que estou cansada e que posso viver uma vida mais fácil que esta. Então chega uma mensagem de uma menina de 14 anos da Jordânia me dizendo que meu livro mudou sua vida e que um dia será a mulher que ela sonha ser e não a que querem que ela seja. Eu obtive muita força nos autores que li e é um privilégio poder dar esta luz aos outros. Não vou permitir que alguns covardes me impeçam de fazer isso.
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