Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Educação

As turmas do quarto [e do quinto] turno escolar

O diretor Sérgio Gomes, do Colégio Estadual Arlindo Carvalho de Amorim: normalidade em 2012 | Antonio More / Gazeta do Povo
O diretor Sérgio Gomes, do Colégio Estadual Arlindo Carvalho de Amorim: normalidade em 2012 (Foto: Antonio More / Gazeta do Povo)

Escolas públicas do Paraná sem estrutura suficiente para atender a demanda de alunos são obrigadas a criar o quarto e até o quinto turno diário. A Secretaria de Estado da Educação não informa o número colégios que enfrentam esse problema, mas não é difícil encontrar casos em Curitiba, na região metropolitana e no interior do estado.

O principal reflexo da prática é a redução da jornada escolar, que deveria ser de no mínimo quatro horas, mas que nessas escolas chega a ser de pouco mais de três horas ao dia A complementação é feita em alguns sábados letivos e por meio de trabalhos extras.

A Lei de Diretrizes e Bases para a Educação fixa a oferta mínima de 800 horas/aula anuais pelas escolas, distribuídos em 200 dias letivos efetivos, sem contar os exames finais. Isso quer dizer que cada criança precisa permanecer ao menos quatro horas por dia em sala, para que tenha um nível de aprendizado aceitável.

Em maio passado, a Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado aprovou o projeto de lei 388/07, que altera a carga horária mínima de 800 para 960 horas/ aula. A proposta continua tramitando na casa.

Provisório, permanente

Segundo a Secretaria de Educação, a medida é adotada para atender questões emergenciais. Mas há situações em que o quadro é mantido por quase uma década. É o caso do Colégio Estadual Arlindo Carvalho de Amorim, na Vila Barigui, CIC. A inclusão do turno intermediário veio quando a escola precisou passar por reformas estruturais, há oito anos. Com isso, todos os 1,3 mil alunos da instituição tiveram de se adaptar aos novos horários: das 7 horas às 10h45; 11 horas às 14h45; 15 às 18 horas e das 19 horas às 22h30.

O diretor Sérgio Gomes conta que nos primeiros meses da mudança de horário, a dificuldade principal era com os professores que não podiam pegar aulas em outros colégios por trabalharem em turnos irregulares. Com o tempo, a comunidade escolar se acostumou.

A boa notícia, segundo o diretor, é que no próximo ano a escola deve voltar aos três turnos originais. As obras, por problemas nas licitações, atrasaram, mas devem ser concluídas antes do início do próximo ano letivo. De acordo com a secretaria, até o final da atual gestão de governo deve ocorrer a extinção dos turnos extras.

O Colégio Estadual Aníbal Khury, no Uberaba, não terá a mesma sorte, já que os quatro turnos vão continuar na instituição em 2012. A inclusão dos horários intermediários foi necessária para atender a demanda, impedindo salas cheias. O colégio atende 1,5 mil crianças e adolescentes. Ivone Vilela Hara, secretária da escola, conta que desde 2009 a instituição trabalha dessa forma e que adequar os horários de toda a equipe ainda é um ponto complicado. "As zeladoras precisam limpar as salas rapidamente para que a outra turma entre. Nós da equipe administrativa e pedagógica temos que estar atentos ao fluxo intenso de crianças durante o dia todo."

Proveitoso

Há quem veja vantagens nos turnos intermediários. Em Londrina, a Escola Estadual Professora Lúcia Barros Lisboa não trabalha com os quatro turnos, mas com cinco. A direção considera que dessa forma o trabalho tem sido mais proveitoso. "Uma nova medida da secretaria diz que nós vamos ter de oferecer só quatro turnos aqui. Tanto nós da direção quanto a comunidade ficamos descontentes. Pela demanda local, cinco turnos funcionam muito bem", conta Ednaldo Facio, diretor auxiliar da Escola Estadual Professora Lúcia Barros Lisboa, que atende aproximadamente 2 mil alunos.

Facio diz que com o rápido crescimento do bairro, há quatro anos, houve a necessidade de incluir os turnos intermediários. No início os pais foram contra, mas pela falta de alternativa na região, aceitaram e se acostumaram.

Horários espremidos são forma de exclusão no sistema de ensino

Para especialistas, os turnos intermediários representam um retrocesso na educação básica do país, que já é deficitária. O ideal seria o período integral, o que ainda é inviável por questões econômicas, como pondera o professor Fábio Scatolin, do Núcleo de Desenvolvimento e Políticas Públicas da Uni­versidade Federal do Paraná. "Em países mais desenvolvidos, a taxa demográfica é menor. Nossa realidade é oposta e a educação já é de baixa qualidade. Reduzindo a carga horária estamos voltando no caminho."

Para Scatolin, o projeto de lei 388/07, aprovado pelo Senado, é uma amostra clara de que a melhoria na educação do país passa pelo aumento da carga horária escolar. "Isso não quer dizer que as crianças tenham de passar o dia em função da grade curricular básica. No contraturno, podem ter aulas de xadrez, por exemplo, o que estimula o raciocínio."

A pedagoga Regina Cely Hagemeyer, do Setor de Educação da UFPR, lembra que a redução da carga horária escolar, por causa dos turnos extras, leva a um maior desgaste de professores e alunos, pois precisam seguir uma rotina pedagógica e social diferente dos outros. "Potencializar ou otimizar os espaços escolares, e o tempo de ensino, quando não há escolas ou salas suficientes para essas demandas, tem levado a equívocos no que se refere aos processos de aquisição de conhecimento e formação dos alunos na escola."

A pesquisadora alerta para o fato de que os alunos de escolas com mais de três turnos estão, de certa forma, em um processo de exclusão. Elas perdem no aprendizado, o que contraria o processo de democratização do ensino.

Insuficiente

A simples ampliação da jornada escolar, contudo, pode não ser o suficiente para garantir qualidade de ensino. Segundo Ângelo Ricardo de Souza, membro do Núcleo de Pesquisa em Políticas Educacionais da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o aumento só apresentará resultados positivos ser vier acompanhado de uma melhoria no projeto formativo desses alunos. "Já houve a experiência de simplesmente dobrar a jornada de Matemática e Português nas escolas. Não basta. É preciso inserir mais cultura, arte, ciência, vivência corporal. Construir o caráter do ser humano", afirma.

Para Souza, infelizmente a sociedade está acostumada a somente deixar os alunos em sala como medida de segurança e tanto faz se estão aprendendo ou não. "O que interessa é passar de ano, independente de como isso acontecerá", lamenta.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.