A nova edição do levantamento sobre mortalidade policial no Brasil em 2021 - feita pelo Instituto Monte Castelo e obtida com exclusividade pela Gazeta do Povo - releva que houve redução de 22,7% nos assassinatos de policiais em relação ao ano anterior. De acordo com o estudo, 136 agentes de segurança foram assassinados no ano passado. Os óbitos registrados foram de 111 policiais militares, 21 policiais civis, três policiais rodoviários federais e um policial federal. Na edição anterior do estudo, com dados de 2020, ocorreram 176 assassinatos de policiais.
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O levantamento baseia-se em dados oficiais dos estados – responsáveis pela gestão das corporações de polícia militar e civil – e dos comandos da Polícia Federal (PF) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Foram computadas apenas mortes de profissionais da ativa ocorridas em serviço ou fora de serviço, desde que a violência tenha acontecido em decorrência da atividade profissional. Ficaram de fora, portanto, os assassinatos por crimes passionais, como disputas familiares ou brigas de bar, e mortes de policiais aposentados.
“Por causa desses dois filtros, o levantamento traz um número menor do que outros estudos semelhantes, que não distinguem entre policiais da ativa ou da reserva, ou ainda entre crimes passionais e aqueles que de fato têm a ver com o exercício das atividades policiais”, cita o relatório do Instituto Monte Castelo, um centro independente de pesquisa em políticas e legislação pautado pela defesa da vida, da liberdade e da responsabilidade.
“É bom ressaltar, por outro lado, que os dados deste relatório incluem mortes em serviço ou fora de serviço. Muitos policiais são mortos durante assaltos mesmo estando de folga – seja porque foram reconhecidos pelos criminosos, seja porque tomaram a iniciativa de enfrentá-los”, prossegue o texto.
Rio de Janeiro lidera em números absolutos e proporcionais
O Rio de Janeiro foi o estado que apresentou o maior número de policiais assassinados em 2021, com 41 mortes, seguido de São Paulo (16), Bahia (14), Ceará (9) e Pernambuco (8). A taxa de mortalidade também é mais alta no estado carioca: foram 0,81 mortes por 1.000 policiais da ativa no período. Em seguida, aparecem Rio Grande do Norte (0,75), Amazonas (0,49), Maranhão (0,48) e Bahia (0,40).
Em comparação com 2020, 14 estados registraram queda nas mortes e sete mantiveram o número do ano anterior. O estado de São Paulo, que em 2020 ocupava a liderança em assassinatos de policiais, com 49 ocorrências, obteve queda expressiva e registrou 16 mortes violentas em 2021. Em contrapartida, seis estados – Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Maranhão, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul – apresentaram aumento nos números.
A maioria das mortes se concentrou em um pequeno grupo de unidades da federação: os três estados com mais mortes têm 52% do total de policiais assassinados. Por outro lado, nove unidades da federação não registraram assassinatos de policiais.
Para especialistas, apesar da queda, número de assassinatos ainda é excessivamente alto
Na avaliação de Fabrício Rebelo, pesquisador em segurança pública e diretor do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (Cepedes), apesar da queda nas mortes violentas de agentes de segurança registradas em 2021, os números ainda são bastante elevados. Segundo o pesquisador, o cenário a mortalidade policial no Brasil é comparável à mortalidade de soldados em países que estão em guerra.
“A redução das mortes é uma notícia positiva, mas não nos tira de um quadro gravíssimo que ainda não foi debelado. Podemos estar ainda em um início de melhora, mas, para que se possa afirmar que há, de fato, um movimento de melhora efetiva, é necessário acompanhamento por um recorte de tempo maior”, explica.
Para Luiz Fernando Ramos Aguiar, major da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) e especialista em segurança pública, os números de policiais assassinados no Brasil superam qualquer outro país. “Na Inglaterra, nos últimos 100 anos o número de policiais mortos em ação não chegou a 200. Em 2020, quase alcançamos esse número em apenas um ano. O comparativo coloca em uma perspectiva real o genocídio de policiais que está em curso no país”, diz.
Para ele, a principal consequência da perda de um policial morto em serviço é a tragédia pessoal e familiar. Porém, seguido dela vem o impacto institucional à corporação, que perde um membro; o impacto à sociedade, que perde um agente de segurança pública; e o grave prejuízo econômico ao Estado.
“O Estado terá custos com pensão por morte para esposa e filhos ou, em caso de ferimentos graves, o policial inválido receberá seus proventos. Esse é o menor dos males, mas como o número de baixas é muito grande, isso se traduz em um problema real também em termos de recursos públicos. É uma tragédia em todos os sentidos”, pontua o major da PMDF.
Decisão do STF e migração de facções contribuíram para números se manterem elevados
De acordo com os especialistas, a proibição à realização de operações policiais na capital do Rio de Janeiro, determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em junho de 2020, fez com que as facções criminosas e as milícias se fortalecessem sem enfrentar oposição dos agentes de segurança. Sem ter havido políticas de fortalecimentos das corporações policiais nesse período, esse é apontado como o motivo central para que o estado fluminense tenha ocupado a liderança tanto em números absolutos quanto na taxa proporcional de mortalidade policial.
“Como tivemos essa interferência judicial vigente no ano de 2021, o crime organizado se fortaleceu muito e não foi combatido. Isso acabou gerando um cenário de maior possibilidade de impacto nesses números. Houve um refreamento das operações policiais, e isso pode ter gerado um saldo positivo para a polícia, ainda que à custa de um imenso fortalecimento das organizações criminosas”, explica Rebelo.
“Durante esses dois anos [de vigência das determinações do STF], tanto as facções criminosas quanto as milícias fortificaram posições, ampliaram seu armamento, fizeram mais comércio de drogas e se tornaram mais poderosos. Esse fortalecimento faz com que quando haja enfrentamentos, a polícia enfrente forças mais poderosas, e nisso a probabilidade de aumento no número de baixas das forças policiais é evidente”, complementa Aguiar.
Para o pesquisador do Cepedes, o fato de estados do Norte e Nordeste terem apresentado grande representatividade entre as unidades federativas que apresentaram números mais elevados de mortalidade policial pode estar relacionado à migração das atividades de facções criminosas para essas regiões. Segundo ele, a estrutura das corporações policiais em alguns estados das regiões Norte e Nordeste é mais precária do que nas unidades da federação do Sul e Sudeste do país, o que impede um enfrentamento mais efetivo e favorece o aumento das mortes de agentes de segurança nesses locais.
“As organizações criminosas estão se expandindo de um modo muito significativo já há algum tempo no Nordeste, e agora mais recentemente se instalando de modo mais forte no Norte. Do outro lado, não há preparação adequada das estruturações policiais para fazer frente a essa expansão”, diz Rebelo. “Isso é um indicativo de que estejamos visualizando um elemento que aumenta substancialmente o risco da atividade policial e faz com que resulte nesses números mais elevados de ocorrências”, ressalta.
Cultura de impunidade impede queda efetiva de assassinatos de policiais
Em seu relatório, pesquisadores do Instituto Monte Castelo citam que a aprovação, na Câmara dos Deputados, do projeto de lei 5391/2020 – que endurece a pena para quem matar agentes de segurança – é um passo em direção à redução da mortalidade policial. A proposta ainda aguarda votação no Senado.
Apesar da importância de haver leis mais rígidas para coibir a ação criminosas, para as fontes ouvidas pela Gazeta do Povo o principal meio para frear a violência contra policiais é a redução da cultura de impunidade, ligada principalmente ao Judiciário.
Na visão de Fabrício Rebelo, a criação de novas legislações revela-se sem efeito para reduzir assassinatos de policiais se não houver efetivo cumprimento das leis. “A realidade que temos hoje é que o Brasil é um país onde a punição é exceção. Aqui foi instalada uma cultura de impunidade muito forte, que é derivada de uma série de garantias estabelecidas para os criminosos. Isso acaba incutindo na sociedade e especialmente nessas organizações criminosas a ideia de que ficarão impunes”, afirma.
O major da PMDF endossa a importância de uma atuação mais firme por parte do Judiciário com vistas à redução da violência voltada a policiais, mas também à sociedade como um todo. “Hoje quando um criminoso mata um policial, ele fica pouco tempo na cadeia. Ele não tem medo da punição, que é baixa, e matar um policial dá status e poder no mundo do crime. Isso acaba fazendo com que para ele valha a pena”, afirma Aguiar.
“E como temos essas políticas de desencarceramento e consolidação da criminologia crítica – com criminosos vistos como vítimas de um sistema – ganhando cada vez mais força no Judiciário, isso acaba potencializando a ação do criminoso contra o policial, porque ele não sente que haverá consequências mais graves”, complementa.
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