Lacuna na legislação sobre fetos decorrentes de “abortos legais” gera preocupação sobre o destino dos corpos dos bebês. Imagem ilustrativa.| Foto: Daniel Gregoire/Unsplash
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A destinação do corpo do bebê Vinícius Eduardo, morto há um mês por assistolia fetal com quase 30 semanas de gestação após um parecer médico enganoso, ainda é uma incógnita. O 1º Juizado da Infância e da Juventude de Goiânia, no Estado de Goiás, negou ao avô no início de agosto o direito de sepultar a criança porque a gestante, uma menina de 13 anos, que passou por 60 horas de indução do parto do bebê morto, teria declarado ao hospital que não desejava enterrá-lo.

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A Defensoria Pública do Estado de Goiás solicitou, então, a proibição do sepultamento do natimorto, e o Juizado da Infância determinou que o corpo tivesse o mesmo destino dos cadáveres decorrentes de interrupções de gravidez nos casos previstos por lei — estupro, risco à vida da gestante e anencefalia do feto —, sem dar detalhes dos procedimentos adotados para descarte.

Após essa decisão, a Rede Permanente Pela Paz, associação liderada por um padre católico, decidiu protocolar um Habeas Corpus (HC) coletivo para evitar “a barbárie de abandonar pessoas humanas inteiras em lixos hospitalares” ou ainda “que se incinere bebês plenamente formados sem direito a enterro digno e humanizado”, apontou o documento apresentado pela entidade.

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Em nota enviada à Gazeta do Povo, o governo do Estado de Goiás informou que o corpo do bebê Vinícius Eduardo será preservado no Instituto Médico Leal (IML), por ordem judicial, até o encerramento do processo.

Lacuna na lei sobre descarte de bebês decorrentes de "aborto legal" preocupa

De acordo com o advogado Pedro Sérgio dos Santos, Doutor em Direito que atua no caso, há uma lacuna preocupante na legislação brasileira a respeito do destino dado aos fetos decorrentes de “abortos legais”.

“O que impede, por exemplo, que exista venda de órgãos do bebê depois de ser retirado da mãe ou de não realizarem efetivamente o aborto, mas expulsarem a criança viva e a venderem?”, questionou o professor de Processo Penal na Universidade Federal de Goiás (UFG).

“Afinal, a mãe sai de lá e não sabe nada que foi feito”, continua, citando que bebês como Vinícius têm direito ao devido sepultamento, conforme o princípio da dignidade humana estabelecido pela Constituição Federal e pelas Convenções de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA) assinadas pelo Brasil.

O jurista explica também que o ato de sepultar os mortos existe na sociedade desde a antiguidade. “O autor grego Sófocles, por exemplo, criou há 2.500 anos uma peça de teatro na qual a personagem Antígona viola a ordem do rei quando ele a proibiu de enterrar o irmão”, relatou, citando que essa personagem dizia que o direito de sepultar os mortos já estava escrito no coração da humanidade pelos deuses antes de qualquer norma humana.

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“E temos a própria história de Jesus Cristo, há 2 mil anos”, continua Santos, apontando que, “Jesus foi considerado pela época como inimigo do Estado e, mesmo assim, teve seu sepultamento concedido por Pilatos”.

Segundo Santos, cogitar a possibilidade de descartar como lixo ou incinerar corpos de bebês é ignorar princípios humanitários concretos e repetir ações como as de Adolf Hitler. “A História está aí para nos mostrar o que se faz quando se quer apagar os registros de alguém”, alertou.

Habeas Corpus coletivo foi recusado

De acordo com os advogados da Rede Permanente Pela Paz, o Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) recusou o HC coletivo apresentado pela associação por entender que não teria competência para analisar esse pedido, já que a ação não tem teor criminal e deveria ser protocolada na Vara Cível.

A decisão foi publicada no último dia 21 de agosto, e a associação deve ingressar com recurso até a próxima segunda-feira (2) para garantir que o corpo do bebê continue preservado no IML.

Ao mesmo tempo, um dos advogados que atua no processo informou à Gazeta do Povo que entrará com pedido na esfera cível solicitando que o Poder Judiciário autorize o sepultamento de Vinícius Eduardo. "Infelizmente, achamos improvável que seja concedido, pois um bebê covardemente assassinado com 30 semanas coloca medo em todo o tribunal", finalizou.

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