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Covid-19

Ataques ao CFM: como o conselho virou alvo do consenso politicamente correto da pandemia

O presidente do Conselho Federal de Medicina, Mauro Ribeiro
O presidente do Conselho Federal de Medicina, Mauro Ribeiro. (Foto: Roque de Sá/Agência Senado)

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O Conselho Federal de Medicina (CFM) sofreu, nos últimos dias, uma série de ataques de autoridades públicas e formadores de opinião por não aderir ao consenso politicamente correto sobre o enfrentamento à pandemia da Covid-19. O principal tema de controvérsia é o tratamento precoce.

Em menos de duas semanas, o conselho e seu presidente, Mauro Ribeiro, viraram alvos de inquéritos da CPI da Covid e do Ministério Público Federal (MPF) de São Paulo, além de uma ação civil pública da Defensoria Pública da União (DPU).

Na semana passada, foram foco de um editorial do jornal impresso de maior circulação do Brasil, a Folha de S.Paulo, intitulado “Medicina à deriva”, em que se diz que o CFM “renunciou à sua obrigação de promover a medicina baseada em evidências” e é “um dos órgãos a sair mais apequenado dessa crise”.

Opositores do governo Bolsonaro engrossaram o coro contra o CFM. Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo, comemorou a instauração de inquérito pelo MPF. “Ministério Público finalmente vai investigar a conduta do Conselho Federal de Medicina. Não precisávamos ter chegado a 600 mil mortes. Tudo isso é muito indigno e revoltante. A dor pelos amigos que se foram só aumenta”, disse via Twitter.

Os ataques não foram motivados por um posicionamento manifestamente favorável do CFM ao tratamento precoce, mas à sua decisão de permanecer isento no debate, confiando na autonomia médica para a administração de medicamentos cuja eficácia para a Covid-19 ainda é tema de debate na medicina.

Como já afirmou o próprio presidente do CFM em artigo publicado pela Folha de S.Paulo, existem “dezenas de trabalhos científicos mostrando benefício com o tratamento precoce” e “outros tantos apontam que elas não possuem qualquer efeito benéfico contra a Covid-19”.

"Essa ideia de que a ciência já concluiu que essas drogas não têm efeito não é 100% verdadeira. Na literatura, tem de tudo. Ambos os lados têm trabalhos com metodologias questionáveis. Já que não há consenso na literatura, é uma doença devastadora, e que, do aspecto observacional, há algumas drogas que podem ter efeito, delegamos ao médico, junto com o paciente, decidir o tratamento. Ele tem de sentar com o paciente e explicar que é um tratamento que não tem comprovação que faça diferença e que se o paciente quiser ser tratado e o médico se disponibilizar, que seja feito. A classe médica está dividida", afirmou o presidente do CFM, Mauro Ribeiro, em matéria publicada na Gazeta do Povo, em março deste ano.

Tratamento precoce foi politizado, diz presidente do CFM

Em vídeo publicado no YouTube em 7 de outubro, após o anúncio de que seria investigado na CPI, o presidente do CFM animou médicos a ficarem “tranquilos e serenos” e não cederem a pressões, já que eles têm “respaldo ético e legal de tomar qualquer tipo de conduta que julgar mais adequada para o tratamento da Covid”.

Ribeiro apontou contradição na CPI, que investiga fatos relacionados à pandemia no Brasil, mas não convida o órgão que representa os médicos brasileiros a dar seu parecer sobre esses assuntos. Em nota de esclarecimento, ele já havia dito que a comissão se transformou “num palco midiático para embates políticos e ideológicos”.

O presidente do CFM ressaltou ainda que o Conselho Federal de Medicina “nunca, jamais, em tempo algum preconizou o tratamento precoce, tampouco proíbe o tratamento precoce”. “Essa questão, infelizmente, foi extremamente politizada no Brasil”, disse Ribeiro.

Ele também lembrou que “a autonomia não é uma soberania”. “Nós, profissionais médicos, temos autonomia de fazer sempre o melhor para os nossos pacientes. Qual é o limite da nossa autonomia profissional? É a ética e a lei. E, obrigatoriamente, nós temos que visar a beneficência e jamais a maleficência.”

Caça às bruxas contra o tratamento precoce é anticientífica, afirma biólogo

Em depoimento recente à Gazeta do Povo, o biólogo Eli Vieira afirmou que a caça às bruxas contra o tratamento precoce que ocorre no debate público brasileiro – como no caso dos ataques ao CFM – é anticientífica. "São autoridades, políticos e influencers querendo interferir num debate que tem que acontecer dentro da ciência”, diz.

Em junho, Vieira publicou um artigo na Gazeta do Povo abordando o estado da questão sobre o tratamento precoce. No texto, o pesquisador enumera diversas pesquisas com evidências sobre a eficácia de certos medicamentos na redução dos sintomas da Covid-19.

Um dos problemas no atual debate, segundo ele, é a noção de que precisaria haver um consenso geral entre cientistas para que o tratamento precoce fosse considerado uma alternativa plausível. “Consensos não são os reis da decisão do que é científico ou não. Quem manda são as evidências. E, por definição, evidências novas não são consensuais, porque a comunidade que pesquisas o assunto não está sabendo totalmente delas. São evidências novas”, diz. “É danoso esse papo de que 'não há consenso'. E, com isso, não estou querendo dizer que consenso não importa”, acrescenta.

Para o cientista, sustentar que nada pode funcionar como tratamento precoce para a Covid-19 é uma postura dogmática, e não científica. “Seria o primeiro caso na história de um vírus para o qual não existe nada no nosso arsenal de drogas que possa fazer efeito. Então, essa posição de que todo tratamento precoce está descomprovado, está refutado, é totalmente absurda.”

A visão de que seria necessária comprovação definitiva sobre a eficácia de uma droga, aliás, também carrega um equívoco, destaca ele: “Em ciências empíricas, a gente trabalha com evidências, com acúmulo de evidências. Prova é coisa da matemática e da lógica. Esse papo de comprovação dá uma impressão de certeza, o que não existe. O que a gente faz sempre é comparar: 'tem mais evidência para isso do que evidência para aquilo’”.

Só politização explica instaurar inquérito contra CFM, dizem juristas

Juristas consultados pela Gazeta do Povo afirmam que as acusações contra o CFM são frágeis, e que a abertura de um inquérito contra Mauro Ribeiro só pode ser explicada por preferências políticas.

A deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP), doutora em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP), diz que não há sentido em “em tentarem criminalizar um gestor” cujas decisões são tomadas em uma pandemia cercada de dúvidas sobre como a medicina deve agir.

“Entendo que o presidente do CFM, sobretudo no início da pandemia, não poderia ter uma conduta fechada. A bem da verdade, um presidente de um conselho de medicina não deve ter uma conduta fechada nunca, porque cada médico tem a sua formação, tem a sua orientação, vai dialogar com o paciente, vai escolher o tratamento em conjunto com seu paciente – e, dependendo da situação, em conjunto com a família”, diz. “A medicina não é uma matemática”, complementa.

Para Janaina, “a postura do presidente do CFM foi uma postura democrática, de respeitar as pontas, inclusive o paciente e suas famílias, do ponto de vista dos princípios da bioética”. “Penso que se não houvesse uma defesa do presidente (da República) dessas pautas todas, estas pessoas que estão do lado contrário não estariam defendendo isso. É tão absurdo o que está acontecendo que eu acho que só uma politização muito forte explica – e talvez algum interesse que a gente não tenha conseguido alcançar”, observa.

Renato Rodrigues Gomes, mestre em Direito Público pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), também considera que se trata de um ataque “nitidamente político, porque quem defende o tratamento precoce, além do Conselho Federal de Medicina [- que se posicionou pela autonomia dos médicos -] e dos médicos que atuam na ponta, é o presidente da República”.

“O código de ética médica é claro: cabe ao médico defender a vida do seu paciente. O diagnóstico e a prescrição de medicamentos é exclusividade do médico, de quem estudou para isso. O que um membro do Ministério Público, da Defensoria Pública ou de qualquer órgão da Justiça tem a ver com medicina? O que eles sabem? Absolutamente nada”, diz ele.

O jurista afirma que o MPF se apoia nos pareceres de médicos escolhidos a dedo para avalizarem um posicionamento que eles já haviam adotado previamente. “Eles adotam isso e saem atacando todos que contrariam esta posição dos pseudocientistas. Na realidade, é um ataque político, nitidamente político, porque quem defende o tratamento precoce, além do Conselho Federal de Medicina e dos médicos que atuam na ponta, é o presidente da República”, comenta.

Grupo de advogados publica abaixo-assinado em defesa do CFM

Na terça-feira (12), um grupo de aproximadamente 800 advogados publicou um abaixo-assinado em defesa do CFM e de seu presidente, Mauro Ribeiro. Intitulado “Manifesto em Defesa da Autonomia Médica”, o documento diz que a proposta de ação civil pública proposta pela Defensoria Pública da União tem o intuito de “intimidar e prejudicar o Conselho Federal de Medicina, colocando em risco a existência do próprio Conselho” ao pleitear uma indenização no valor de R$ 60 milhões.

Os signatários dizem que “além de ultrapassar a sua competência institucional”, a DPU “realiza uma tentativa política de impedir que médicos realizem o exercício de suas atividades de forma ética e técnica”. “É o que nós, advogados, chamamos de lide temerária”, afirma o manifesto.

Os advogados elogiam “a postura do competente e dedicado presidente do Conselho Federal de Medicina, dr. Mauro Luiz de Britto Ribeiro, pela incansável defesa de seus associados, de seu Código de Ética, e de suas convicções profissionais”.

“A medicina está a serviço da coletividade e sua atuação não pode ficar à mercê de disputas políticas e interesses pessoais. Ao médico é resguardada sua autonomia para que possa ter possibilidade de trabalhar com independência visando o bem maior que é: salvar vidas”, diz o documento.

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