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Comportamento

Até “zé ninguém” dá carteiraço

O gerente acaba de abrir a bilheteria do cinema. Tarde chuvosa, pouco movimento à vista. De repente, alguém entra e observa o cartaz. Cria coragem e se aproxima. Mete a mão no bolso, saca uma carteirinha de piloto comercial e pergunta se pode entrar sem pagar. "Não? Espere um pouco que eu vou dar um telefonema", diz, em tom de ameaça, depois de ouvir a resposta negativa. Pega o celular e digita alguns números. Apesar da cara feia, vira as costas e vai embora.

A história do piloto que não queria pagar para entrar no cinema é apenas mais uma. No dia-a-dia são policiais, servidores públicos das mais diversas áreas, militares, jornalistas, estudantes, advogados, juízes, agentes penitenciários, promotores, parentes de desembargadores: o famoso "carteiraço" infesta Curitiba. Segundo empresários do ramo de diversões, todos estão sujeitos a levar uma "carteirada" a qualquer momento.

A reportagem ouviu proprietários e gerentes de seis bares e casas noturnas de Curitiba. Apenas um disse que nunca enfrentou o problema. E somente um aceitou ter o nome revelado, já que o medo de represálias fala mais alto quando o assunto vem à tona. "Isso é muito comum, mas aprendemos a lidar com a situação", afirma José Carlos Chicarelli, proprietário do bar e cachaçaria Maria Bonita. "Policiais e militares pagam meia entrada [é a regra da casa]. Mas tem muito estudante de Direito e muito parente de juiz que tenta entrar sem pagar."

Chapéu alheio

Para outro empresário, que pediu para não ter o nome revelado, a pior situação é a que define como "abuso de poder com o chapéu alheio". "Nunca vi um filho de prefeito, governador ou senador dar carteirada. O que mais irrita são as pessoas que não têm nenhum cargo, mas que são parentes de juízes ou desembargadores", afirma. "A gente vê que são parentes mesmo, têm o mesmo sobrenome de autoridades. E não é só para não pagar entrada: quando a pessoa não gosta de alguma coisa, já tenta intimidar."

Já um gerente de casa noturna enfrentou problemas porque, além de se recusarem a pagar a entrada, policiais que freqüentavam o estabelecimento faziam questão de entrar armados. "Eles até pagavam a bebida. Mas não queriam deixar as armas na portaria", revela. "Nunca vi parente de político tentar dar carteirada. Mas tem muito policial, funcionário do Judiciário e gente que diz que é parente de juiz."

Quando estão trabalhando, policiais e conselheiros tutelares têm acesso livre a bares e casas noturnas. "O problema é que não temos como saber quando estão a trabalho", comenta outro empresário, que diz já ter sido ameaçado por policiais. "Se não deixamos entrar, eles ameaçam e dizem que vão chamar reforço. No outro dia, tem um batalhão da PM na frente do estabelecimento para mostrar quem manda. Se deixamos entrar, aquilo se torna comum e outras pessoas na fila reclamam."

As longas filas, por sinal, também costumam motivar as carteiradas. "Tem umas meninas que nunca querem ficar na fila. Mostram carteirinhas de estudante, dizem que são parentes de alguém famoso ou algum juiz", revela outro proprietário de uma casa noturna. "Isso quando não dão em cima do segurança para furar a fila." Segundo empresários e gerentes de casas noturnas, as carteiradas também são comuns entre servidores de secretarias municipais (principalmente Meio Ambiente, Obras e Urbanismo, revela ele).

Segundo o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrabar), Fábio Aguayo, toda semana há reclamações. "Já teve segurança que saiu algemado, porque os policiais alegam desacato à autoridade", diz ele. "Muitos donos de bares acabam deixando o pessoal entrar, para evitar confusão. Tem muita gente que confunde autoridade com desrespeito."

Cinema

A reportagem entrou em contato com a assessoria dos quatro maiores shopping centers da cidade, Mueller, Barigüi, Curitiba e Crystal, para saber se a carteirada é uma prática comum nos cinemas. Somente um deles, o Shopping Curitiba, admitiu a existência do problema. "Toda semana acontece alguma coisa. É moda", diz o gerente dos cinemas do shopping, Maurici de Paula. "Teve até um que tentou entrar apresentando a carteirinha do Departamento de Aviação Civil."

Os cinemas que ainda resistem fora dos centros comerciais dizem que as cateiradas são comuns. "Tem de fiscal de todo tipo", revela o gerente de um estabelecimento, que também pede para ter o nome mantido em sigilo. "Teve até uma pessoa que apresentou o passaporte, pensando que não conhecíamos o documento." Na avaliação dele, o problema não é muito comum. "Não chega a dar prejuízo. Dá pra contar nos dedos quantas vezes acontece por semana."

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