Diante dos episódios recorrentes de superlotação de hospitais e Centros Municipais de Urgências Médicas (CMUMs), a nova gestão da prefeitura de Curitiba pretende investir na ampliação do Programa Saúde da Família (PSF), lançado em 1994 pelo governo federal, para tentar diminuir os problemas na rede municipal de saúde. O PSF engloba equipes multiprofissionais que atendem a comunidade nas unidades de saúde ou nos domicílios. O programa promove ações de prevenção, recuperação e reabilitação de doenças e agravos mais frequentes.
Atualmente, a cidade conta com 185 equipes do programa, que atendem cerca de 677 mil curitibanos, cerca de 38,7% da população. A meta é ousada: até a metade de março, a expectativa é que mais 20 equipes sejam criadas e mais 100 mil pessoas beneficiadas, representando cerca de 43% da população curitibana. Se a experiência der certo, o número de equipes deve dobrar em 2014.
"Realmente a nova gestão vê o Saúde da Família como ponto estratégico para ampliar a atenção primária na cidade e queremos investir para qualificá-la e tornar nosso sistema de saúde mais eficiente", explica o assessor de atenção primária à saúde da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), César Titton.
Segundo Titton, hoje muitas pessoas procuram os CMUMs para atendimentos que não são de urgência ou emergência, o que sobrecarrega o sistema. "Às vezes uma pequena queixa ou acompanhamento de rotina vai parar lá e o local não é ideal para isso. Temos de organizar o sistema para responder a essa demanda por primeira atenção e desafogar os CMUMs", explica.
Benefícios
Internacionalmente, o investimento em programas de atenção primária está ligado a uma diminuição progressiva nas mortes por doenças crônicas e redução de custos com internações e procedimentos de alta complexidade, já que os problemas são antecipados e somente em casos extremos os tratamentos chegam à internação em UTI ou exigem procedimentos de alta complexidade.
"Esse tipo de organização do sistema gera melhores resultados com menor custo. Países que são referência nessa área, como Canadá, Austrália e quase toda a Europa, trabalham com atenção primária fortalecida", afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), Nulvio Lermen Junior.
Para o secretário-geral da SBMFC e diretor de atenção primária à saúde da SMS, Paulo Poli Neto, além da possibilidade de melhor direcionamento dos investimentos em saúde, a valorização da atenção primária é uma forma de qualificar os atendimentos. "De uma dor de ouvido até a indicação de um contraceptivo, a pessoa se sente confortável para procurar o médico de família sem precisar esperar por um especialista, cujo tratamento é bem menos abrangente."
No interior do estado, plano é eliminar disparidades
Se em Curitiba o Saúde da Família atinge apenas 38,7% da população, no Paraná a cobertura é considerada boa, com 57,6% dos paranaenses beneficiados pelo programa. Ao todo, são 1.878 equipes implantadas no estado. Em 293 municípios (de um total de 399), pelo menos 70% da população é coberta pelo Saúde da Família. Desses, 195 conseguem oferecer atendimento do programa a todos os moradores.
"O número é significativo, mas ainda temos de acertar as disparidades entre municípios. Como o programa depende muito da gestão municipal, há excelentes exemplos de 100% de cobertura, enquanto ainda existem 12 municípios que não contam com qualquer equipe do programa", explica a superintendente de atenção à saúde da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), Márcia Huçulak. Entre os municípios desatendidos estão Balsa Nova, na Região Metropolitana de Curitiba, Cruz Machado, no Sudeste do estado, e Jaguariaíva, nos Campos Gerais.
Recursos
Márcia afirma que, em 2011, o governo do estado lançou um plano para melhorar a atenção primária, o Programa de Qualificação da Atenção Primária à Saúde (APSUS), que visa principalmente a aportar recursos para a construção de unidades básicas e qualificar os atendimentos.
"Em 2013, os recursos estão na ordem de R$ 50 milhões para construção ou reformas de 150 unidades. Em 2011, construímos 72 novas unidades e em 2012 foram 70 unidades. Também repassamos mensalmente entre R$ 2 mil e R$ 15 mil para 391 municípios para apoiar a execução do programa.".
Atendimento para toda a família
Morando há dois meses em uma rua próxima à Unidade de Saúde Monteiro Lobato, no bairro Tatuquara, a comerciante Elma Martins garante que a qualidade do atendimento por lá é de fazer inveja. Em sua segunda consulta, na semana passada ela levou a filha, Bianca, de 3 anos, para sua primeira visita à unidade. "É comum irmos a outras unidades e, por falta de médico, ficarmos sem atendimento. Aqui a realidade é outra. Os exames são feitos bem rápido e o médico faz uma investigação completa, conversa, se interessa pelo que estou dizendo, então me sinto valorizada", diz.
A mãe de Elma, a dona de casa Juvina Martins, que também acompanhou a consulta, concorda. "Em outras unidades, a sala de espera fica cheia e o médico nem tem tempo de olhar para nós. Todas [as unidades] deveriam ser como esta aqui."
FuturoPrograma ainda precisa aumentar cobertura
Depois de 18 anos de atuação, o Saúde da Família tem uma avaliação bastante positiva entre os especialistas. "Ele começou lento, mas em 1998 começou uma expansão que gerou benefícios importantes. Estudos internacionais mostram que a estratégia colaborou para a diminuição da mortalidade infantil, aumentou o cuidado da saúde da mulher e melhorou a situação socioeconômica de quem recebeu o serviço", comenta o presidente da SBMFC, Nulvio Lermen Junior.
Para ele, agora o esforço do programa deve ser no sentido de aumentar a cobertura, que ainda é considerada baixa para os padrões de referência internacionais. "No Brasil, pouco mais da metade da população, cerca de 53%, tem realmente acesso ao Saúde da Família, enquanto na Europa é comum países com quase 100% de abrangência de atenção primária. Precisamos corrigir essas divergências", diz. Por e-mail, a assessoria de imprensa do Ministério da Saúde afirmou que atualmente o PSF beneficia 191,6 milhões de pessoas em 5.297 municípios, o que equivaleria a uma cobertura de 96,7% da população.
Para o diretor de atenção primária à saúde da SMS, Paulo Poli Neto, a melhora do sistema depende do esforço conjunto dos municípios e de uma mudança de atitude da própria população. "Por que lá na França, o rico usa o sistema público de saúde e faz questão de contar com um médico de família? Hoje, nosso desafio é convencer a classe média a participar do processo de melhora da saúde pública. Nenhum sistema público nos país consegue ser bom se a maioria não usa e não exige qualidade."