Apesar da distância entre os locais onde nasceram, o carioca Cristofer Silva, 20 anos, e o ponta-grossense Jean Hernandes Czmola, 21, têm muito em comum. Ambos foram pais ainda adolescentes e têm a esperança de um dia se tornarem lutadores profissionais. A mais dolorida das coincidências, porém, é que o sonho esportivo é alimentado em noites dormidas sobre bancos da Praça General Osório, no Centro de Curitiba. Foi ali que eles se conheceram, há quatro anos, durante o ápice do vício em álcool e outras drogas.
A dupla faz parte de um grupo de moradores de rua atendido pelo Consultório de Rua, serviço criado em junho de 2010 pela prefeitura de Curitiba. O projeto realiza em média 70 abordagens por semana. Foram aproximadamente 9 mil nesses quase três anos de existência e o número crescerá a partir de maio, quando o programa será remodelado e expandido para outros três bairros da cidade.
Apesar dos milhares de atendimentos, Adriane Wollmann, coordenadora do programa, admite que o objetivo do projeto não é fácil de ser alcançado. Do começo deste ano até o dia 10 de abril, 28 pessoas haviam deixado de dormir nas ruas após atendimentos realizados pela equipe que se reúne toda quarta-feira à noite ao lado da quadra de futsal da Praça Osório. "Tentamos sensibilizá-los para que eles tenham outra perspectiva de vida e reconstruam seus projetos. Mas o usuário dorme pensando em como vai conseguir a droga do dia seguinte", explica a psicóloga.
Mesmo que ainda não tenha deixado a condição de morador de rua, Cristofer Silva ressalta a importância da equipe no local. "Tratam a gente com respeito, o que nos deixa felizes", afirma o jovem, uma entre as 18 pessoas que no último dia 10 disseram à reportagem que estavam na Praça Osório por causa do atendimento social.
Naquela noite, foi possível observar quatro pessoas vestidas com coletes do projeto atendendo os moradores de rua, mas a equipe completa conta com médico psiquiatra, dois psicólogos, um assistente social, um profissional de educação física e uma redutora de danos.
Objetivo
O Consultório de Rua presta atendimentos nas áreas de saúde mental e dependência química aos usuários de drogas que vivem nas vias públicas da cidade. Por meio de abordagens, uma equipe multiprofissional busca sensibilizar os dependentes sobre a importância da saúde e da higiene, distribuindo preservativos, escovas, cremes dentais e garrafinhas para água. Além disso, os profissionais estimulam os usuários a buscar atendimento nos Caps-AD (Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas) do município.
Iniciativa mudará de nome e será ampliada
A partir de maio, o projeto Consultório de Rua mudará de nome: sairá a preposição "de" e entrará a "na". Além disso, a equipe será formada por médico, dentista, enfermeiros, assistente social e psicólogo. O atendimento também será ampliado, passando para 40 horas semanais hoje, ele é feito às quartas, das 20 às 22 horas.
Os novos consultórios serão montados nas ruas de quatro bairros: Cidade Industrial, Portão, Alto Boqueirão e Centro. Segundo Marcelo Kimati, diretor do Centro de Assistência à Saúde da Secretaria Municipal de Saúde, há a possibilidade de o atendimento na Praça Osório ser mantido. O novo serviço vai ser implantado de forma progressiva e ainda não está definido qual bairro será atendido primeiramente. Segundo Kimati, a montagem da equipe está sendo realizada por meio de processo seletivo interno e as unidades que fornecerão seus funcionários ainda estão recebendo substitutos.
Aceitação
Vizinhança participa de projeto, mas apoio não é unânime
Durante o tempo em que a reportagem acompanhou o atendimento, 18 moradores de rua, a maioria jovens recém-saídos da adolescência, estavam no local. Chamados pela equipe pelos nomes, eles se misturavam a moradores de apartamentos da vizinhança da Praça Osório, que jogavam futebol na quadra do local. Esse apoio ao projeto, porém, ainda não é unanimidade. "Algumas pessoas passaram a participar, mas não sem reclamação. Alguns não aceitam o morador de rua", afirma a psicóloga Adriane Wollmann.
O corretor de imóveis aposentado Chateaubriand Alfaro, por exemplo, nem sequer sabia da realização do projeto no local, mas afirma que esse tipo de ação atrai mais moradores de rua para a região. "Nunca ouvi falar desse projeto, mas isso é só para atrair mais tranqueira", afirmou o homem de 60 anos, os cinco últimos deles vividos no 17º andar do Edifício Governador Vasconcellos, em frente da praça.
Para Alfaro, o local deveria receber investimentos para a terceira idade. "Aqui, 95% dos moradores são velhinhos. Precisamos de uma daquelas academias ao ar livre e que o espaço esportivo fique fechado durante as noites", defendeu.
Na Praça
Escolha do local foi feita pelos próprios moradores de rua
A instituição da Praça Osório como local de encontro da equipe do Consultório de Rua com os seus pacientes foi um pedido dos próprios assistidos. Antes de definir o espaço como ponto fixo, a equipe caminhou por praças tradicionalmente ocupadas por esse público e ouviu muitas reivindicações, muitas delas por esporte.
"Os moradores de rua falaram que não praticavam esporte porque não tinham uma bola. Compramos o material e estabelecemos a praça como ponto fixo a pedido deles", diz a psicóloga Adriane Wollmann, coordenadora do projeto.
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9 mil...
...atendimentos foram realizados em Curitiba pelo projeto Consultório de Rua entre junho de 2010 e abril de 2013. Por noite, ocorreram cerca de 70 abordagens. Do total de atendidos, 60% tinham entre 18 e 30 anos sendo 70% deles do sexo masculino.
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