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No SUS

Ativismo judicial: MPF e DPU tentam anular Portaria do governo sobre aborto em caso de estupro

(Foto: Unsplash)

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A Defensoria Pública da União (DPU) e o Ministério Público Federal (MPF) fazem ativismo jurídico a fim de sustar os efeitos da Portaria recente do Ministério da Saúde (MS) que alinha à lei vigente os critérios para realização de aborto em caso de estupro no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

"A apuração e processamento do crime de estupro pode ser para a vítima mais grave que a própria impunidade do agressor", considera o MPF. Para o órgão, a portaria do Ministério da Saúde contrariou leis: "É ilegal a notificação à autoridade policial com identificação da vítima ou informações pessoais prestadas por ela durante o atendimento nos serviços de saúde, salvo quando por ela expressamente consentido".

"Deve-se garantir a autonomia das mulheres em situação de violência, não podendo suas decisões serem substituídas por agentes públicos ou profissionais de saúde", afirma.

Publicado no último dia 28, o documento do MS define novos critérios para a interrupção voluntária da gravidez e, diferentemente das normativas anteriores, o texto é mais claro quanto à proteção da gestante, aumentando o cerco ao autor do crime de estupro e, além disso, para não permitir falsa denúncia.

As mudanças ocorrem justamente para alinhar as ações ao que prevê o Código Penal, com ajustes feitos em 2018, quando o crime de estupro passou a ser considerado de ação penal pública incondicionada (quando é irrelevante a manifestação do ofendido). Antes da atualização, crimes dessa natureza poderiam ser apurados apenas após representação da própria vítima.

Ministério Público: "portaria contrariou leis"

Em uma recomendação expedida às Secretarias de Saúde de 14 estados, o MPF atua em desconformidade, ao dar "orientações sobre a interrupção legal da gravidez", com o que estabelece o artigo 128 do Código Penal. Como os movimentos pró-aborto, o órgão se utiliza da normativa na tentativa de defender o conceito de "aborto legal", afirmando ser este um direito previsto em lei.

Pelo dispositivo, contudo, a prática não se torna "legal", mas apenas é despenalizada nos casos de risco de vida da mãe e quando a gravidez é resultado de estupro. Por decisão do Supremo Tribunal Federal, a interrupção voluntária da gravidez também não é penalizada em situações em que o feto é anencéfalo.

No documento, ao considerar os direitos fundamentais assegurados pelo ordenamento jurídico brasileiro, em especial a "primazia dos direito à vida (artigo 5º, caput, da Constituição Federal)", o MPF desconsidera o próprio Código Civil brasileiro, que põe a salvo o direito intrínseco à vida do nascituro, desde a concepção.

A Portaria do MS estabelece que unidades de saúde que tenham acolhido gestantes que aleguem terem sido vítimas de estupro devam obrigatoriamente notificar às autoridades. Para o órgão, contudo, "a notificação compulsória prevista em lei não tem finalidade de dar início à apuração do crime, mas fins estatísticos para formulação de políticas públicas de segurança e para policiamento".

"Por essa razão, a lei prevê que essa notificação terá caráter sigiloso e sem identificação da vítima, o que apenas ocorrerá, fora do âmbito dos serviços de saúde, em caráter excepcional, em caso de risco à comunidade ou à vítima, a juízo da autoridade sanitária e com conhecimento prévio da vítima ou do seu responsável", afirma.

O MPF vai ainda mais longe ao intimidar profissionais de saúde e afirmar que estes estarão sob pena de crime de violação de sigilo profissional caso compartilharem com órgãos de segurança pública informações sobre o tratamento de saúde de vítima de violência sexual sem seu consentimento. "Embora o sigilo médico não seja absoluto, ele pode ser relativizado com finalidades de investigação criminal no interesse do paciente, jamais contra", afirma.

Ainda, contra o que determina a Portaria do Ministério da Saúde quando estabelece como obrigatória a preservação de possíveis evidências materiais do crime, tais como fragmentos de embrião ou feto, o MPF afirma que "em razão do direito à intimidade das vítimas e do dever de sigilo profissional dos profissionais de saúde, essas informações apenas podem ser transmitidas a órgãos de segurança com consentimento expresso da vítima".

Quanto à possibilidade completamente discricionária por parte da vítima de visualização do feto, o órgão diz que isso configura "violência psicológica" à gestante. "Não se mostra razoável nem clinicamente necessária a oferta para visualização do embrião para a vítima de violência sexual que procura o serviço de saúde para interrupção da gravidez resultante do estupro, tendo o efeito apenas de constranger e gerar culpa na vítima pelo exercício de um direito", afirma.

"Embora a portaria faça parecer que os riscos de complicações e óbito na interrupção da gravidez realizada com acompanhamento médico sejam relevantes, esses riscos são menores que o próprio parto", diz. "Os requisitos impostos pela Portaria n° 2.282, de 27 de agosto de 2020 para a realização de qualquer procedimento médico pode colocar a vítima em situação ainda maior vulnerabilidade".

Por fim, o órgão pressiona estados para, em um prazo de 15 dias, se manifestarem acerca do acatamento dos termos da recomendação, sob pena de providências administrativas e judiciais em caso de violação das normas. Leia a íntegra do documento no fim desta matéria.

O MPF não respondeu ao contato da reportagem.

DPU entra com Ação Civil Pública contra a União

A Portaria do Ministério da Saúde também incomodou a Defensoria Pública da União (DPU), órgão reconhecidamente ativista na defesa do aborto e omisso no amparo intrínseco do direito à vida do nascituro, embora esse seja um de seus deveres legais previsto na própria CF.

Em um memorando publicado no último dia 2 de setembro, 31 defensores manifestaram repúdio à atuação do defensor Danilo de Almeida, responsável por solicitar ao Ministério da Saúde a adequação à lei vigente para casos de aborto em decorrência de estupro no âmbito do SUS.

Almeida tomou a medida após ser provocado pela Associação Virgem de Guadalupe, em favor de quem atua na condição de amicus curiae na ADPF 442, que trata da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Ele foi escolhido pelo defensor público federal-geral, Gabriel de Oliveira, para a atuação, como prevê o regimento interno da DPU. A solicitação do defendor ao MS, portanto, foi tomada no âmbito de sua incumbência de prestar assistência jurídica integral à Associação Guadalupe.

"Ser perseguido pelos colegas em uma instituição que é instrumento do Regime Democrático é realmente muito preocupante", afirma Danilo de Almeida à Gazeta do Povo. "A questão é que os defensores do aborto creem que a solução para qualquer problema é matar alguém. Se por algum motivo aquela gravidez é indesejada, elimina-se a criança. No campo das ideias não é diferente. Se alguém os incomoda, pensa diferente deles, a solução para eles não é o diálogo, é eliminá-lo. É triste isso".

Para os 31 defensores, Almeida teria extrapolado "sua atribuição, atuando em questões sobre tema diverso, qual seja, sobre as normas e políticas públicas que versam sobre o direito ao aborto legal, à margem de atribuição institucional para tanto".

"Neste caso da minha nomeação para representar a Associação Guadalupe, a portaria do Dr. Gabriel é clara ao me conceder a prerrogativa de analisar a viabilidade de prestação jurídica integral e gratuita à Associação Guadalupe, além da eventual atuação extraordinária na ADPF 442, no STF. Se eu não cumprisse este mandado de forma 'integral', aí sim eu poderia ser responsabilizado", explica ele.

Muito embora a Associação Guadalupe seja uma organização sem fins lucrativos, esses defensores alegam "não haver informações ou documentos que comprovem a hipossuficiência da associação, segundo os rigorosos critérios para deferimento da assistência jurídica gratuita da Defensoria Pública da União".

"Certo é que [a nomeação de Danilo para atuar em favor da Associação na ADPF] não concedeu ao referido defensor um mandato ilimitado para prestar assistência jurídica em todas as esferas judiciais e administrativas e em todas as demandas apresentadas pela Associação", afirmam.

Dessa forma, pedem ao defensor geral que a solicitação de Almeida ao MS seja anulada e, portanto, derrubada a Portaria sobre o procedimento de aborto no âmbito do SUS.

Ainda, em movimento semelhante ao do MPF e utilizando os mesmos argumentos, muitas vezes contraditórios, como "aborto legal", a Defensoria Pública da União em 10 estados e no Distrito Federal ajuizou uma Ação Civil Pública contra a União Federal pela publicação da Portaria 2.282.

"A portaria traz inovações em relação [...] que são manifestamente ilegais e que não se mostram adequadas e proporcionais às finalidades previstas nos artigos 128 e 154 do Código Penal; art. 207 do Código de Processo Penal; artigos 2º, 5º e 7º da Lei Orgânica da Saúde (8080/90); e artigos 1º e 3º da Lei nº 12.845/2013, que dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual", afirma.

"Ademais, as referidas inovações dessa portaria desrespeitam os direitos fundamentais à saúde, dignidade, intimidade, privacidade, confidencialidade, sigilo médico, autonomia e autodeterminação das meninas, adolescentes e mulheres, estando em desacordo também com as próprias normativas do Ministério da Saúde", defende o órgão.

Procurada, a DPU não respondeu à reportagem até a publicação desta matéria.

*Íntegra da recomendação do MPF aos estados (a recomendação a seguir é a do MPF Sergipe, semelhante a dos outros estados):

*Ação Civil Pública da DPU:

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