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Atraso na biometria prolonga mazelas no sistema de táxi

Segundo levantamento do Ministério Público do Trabalho, 8 entre 10 autorizatários não dirigem o táxi | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
Segundo levantamento do Ministério Público do Trabalho, 8 entre 10 autorizatários não dirigem o táxi (Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo)

Anunciada em outubro do ano passado, a fiscalização do serviço de táxi de Curitiba por meio de biometria ainda não saiu do papel. Ficou para o ano que vem. O decreto n.º 700/2014, editado no fim de julho pelo prefeito Gustavo Fruet (PDT), prorrogou para julho de 2015 o prazo para que os taxistas implantem o sistema nos veículos. A fiscalização biométrica havia sido alardeada como a principal medida para acabar com uma dinâmica perversa, em que os táxis viram moeda especulativa na mão dos autorizatários – os "donos" das placas.

Muitos nunca estiveram ao volante de um táxi; apenas arrendam os carros ou cobram diárias de taxistas que não detêm autorizações. As fraudes persistem há anos, apesar das tentativas de controle por parte da Urbanização de Curitiba S/A, que administra o serviço. A irregularidade, que viola uma lei municipal, envolve funcionários públicos ativos ou aposentados, como uma funcionária dos Correios em Brasília, um policial e um delegado identificados pela Gazeta do Povo.

Hoje, a lei que regulamenta o serviço permite que, além do autorizatário, dois colaboradores também trabalhem em cada um dos 2.894 táxis da capital. Entretanto, a norma determina que o "dono da placa" dirija o carro diariamente pelo menos 30% do período em que o veículo rodar. Com a fiscalização biométrica, cada taxista se identificaria no sistema por meio das digitais quando fosse iniciar sua jornada de trabalho. Seria uma forma de garantir que o autorizatário, de fato, exercesse a atividade.

Sem direção

Sem a fiscalização, perpetuam-se os desvios. E não é pouca coisa. Um levantamento feito em 2010 pelo Ministério Público do Trabalho junto a taxistas apontava que mais de 80% dos autorizatários não dirigiam os táxis. Ainda hoje é possível encontrar casos como o de Katie Maria Kroll. Ela detém a autorização AT-651, mas não trabalha como taxista. Vive em Brasília, onde é funcionária da gerência corporativa de auditorias dos Correios. Além de não pilotar o carro, Katie não poderia ser autorizatária, já que a lei veda a concessão das placas a funcionários públicos ativos ou inativos.

Questionada por telefone, a servidora dos Correios preferiu não se manifestar. "Isso, sobre a placa de táxi, você converse com meu advogado", disse Katie, que cumpria expediente na capital federal. Ninguém atendeu ao telefone repassado por ela, como sendo de seu defensor. Na Urbs, o processo de recadastramento de Katie está sob análise, para parecer.

Desde 2007, a autorização AT-9 está nas mãos do delegado aposentado Hieron Trinkel. Segundo denúncias de taxistas, ele manteria ainda outra placa, em nome da mãe. Trinkel não pode alegar necessidade. De acordo com o Portal da Transparência, o servidor inativo recebe R$ 21,5 mil por mês, como aposentadoria. A Gazeta do Povo não conseguiu localizá-lo.

A reportagem solicitou à Urbs os dados cadastrais do delegado aposentado, para tentar contato. A empresa, no entanto, não respondeu à solicitação. A administradora do serviço de táxis acrescentou que a documentação cadastral do autorizatário está regularizada, embora não conste a informação de que ele é servidor público.

Outro policial aposentado, Cândido Silva Neto, detém desde 1985 a placa AT-1412. De acordo com o perfil dele no Facebook, o servidor mora em Guarapuava. A reportagem tentou entrar em contato com ele pela mídia social, mas o autorizatário não respondeu.

Cadastramentos não contiveram novas distorções

Nos últimos dois anos, a Urbs promoveu dois recadastramentos da frota de táxi de Curitiba. Por meio de nota, a empresa informou que o objetivo foi "dar uniformidade e isonomia" ao sistema de táxis. A julgar pelo número de autorizatários que não dirigem os veículos, os pentes-finos não parecem ter sido capazes de acabar com as distorções.

Os dois recadastramentos foram realizados após séries de reportagens publicadas pela Gazeta do Povo. O primeiro deles foi feito em 2008, quando o jornal mostrou inúmeros exemplos de pessoas que haviam comprado placas. Entre eles, o de um vereador que assumiu ter pagado pela concessão. A mulher dele e os dois filhos também mantinham placas.

Em 2013, a Gazeta do Povo mostrou que o mercado clandestino de placas continuava. Entre os casos, estava o de uma delegada da Polícia Civil de Santa Catarina, que, após a publicação, perdeu a autorização. Também mencionada na reportagem, uma médica veterinária continua com a concessão. De acordo com a Urbs, o processo dela já tem parecer jurídico e está em fase de análise para decisão final.

"É espantoso aceitar um sistema em que alguém que tenha dinheiro possa virar taxista de uma semana para a outra, comprando uma placa", disse o procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho, Gláucio Araújo de Oliveira."Tendo em vista todos esses fatos, essa desordem total do sistema, vamos pedir providências à Urbs. Se não se tomar providências, vamos à esfera judicial."

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