Segundo levantamento do Ministério Público do Trabalho, 8 entre 10 autorizatários não dirigem o táxi| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Vistorias

Vinte agentes para fiscalizar 2.894 táxis

A Urbs dispõe de 20 agentes para fiscalizar os 2.894 táxis de Curitiba. Eles vão a campo para averiguar se o taxista tem a carteirinha profissional e se o veículo está com as taxas em dia. Além disso, deveriam vistoriar se os autorizatários estão cumprindo a lei que os obriga a assumir o volante em parte do período. Para o Ministério Público do Trabalho (MPT), o aparato de fiscalização é insuficiente diante do número de táxis em circulação. Por causa disso, o procurador-chefe Gláucio Araújo de Oliveira chegou a se reunir diversas vezes com representantes da Urbs e apresentou recomendações, defendendo a implantação da biometria e de outros mecanismos que impeçam a exploração dos colaboradores. "O número de fiscais é muito pequeno . Nós temos de evitar que especuladores se aproveitem dessa falta de organização que existe no sistema de táxi", disse Oliveira.

Nos pontos, taxistas afirmam que os agentes da Urbs raramente aparecem. Para eles, a fiscalização é praticamente inexistente. "Em cinco anos, me abordaram três ou quatro vezes. Pedem a carteirinha e, às vezes, olham os pneus. Nunca perguntaram pelos autorizatários", disse um taxista colaborador que pediu para não ser identificado. "Sinto que nosso sistema é podre e que estão se lixando se estamos sustentando uma máfia de exploradores."

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Novo modelo

Ministério Público pede reformulação do setor

O procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT), Gláucio Araújo de Oliveira, defende uma reformulação completa do sistema de táxis de Curitiba. Para ele, o modelo atual desfavorece quem realmente exerce a profissão e abre brechas para a especulação e para a exploração dos trabalhadores. "A partir do momento que o autorizatário não está dirigindo e está delegando a atividade a um terceiro, está se desvirtuado o instituto da autorização." Oliveira defende a extinção da função de motorista colaborador. Com isso, apenas os autorizatários poderiam dirigir os carros. Para equilibrar a demanda, seriam lançadas mais placas, de forma a recompor o sistema. Chegaram ao MPT casos de taxistas colaboradores que cumprem jornada de 24 horas, contrariando leis trabalhistas. "Os abusos são tantos que o ideal seria acabar com a figura do colaborador", diz. O MPT também propõe a revisão da participação de empresas na prestação de serviço de táxi. Na avaliação do procurador, elas precarizam as relações de trabalho e submetem os taxistas a uma condição de exploração.

Anunciada em outubro do ano passado, a fiscalização do serviço de táxi de Curitiba por meio de biometria ainda não saiu do papel. Ficou para o ano que vem. O decreto n.º 700/2014, editado no fim de julho pelo prefeito Gustavo Fruet (PDT), prorrogou para julho de 2015 o prazo para que os taxistas implantem o sistema nos veículos. A fiscalização biométrica havia sido alardeada como a principal medida para acabar com uma dinâmica perversa, em que os táxis viram moeda especulativa na mão dos autorizatários – os "donos" das placas.

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Muitos nunca estiveram ao volante de um táxi; apenas arrendam os carros ou cobram diárias de taxistas que não detêm autorizações. As fraudes persistem há anos, apesar das tentativas de controle por parte da Urbanização de Curitiba S/A, que administra o serviço. A irregularidade, que viola uma lei municipal, envolve funcionários públicos ativos ou aposentados, como uma funcionária dos Correios em Brasília, um policial e um delegado identificados pela Gazeta do Povo.

Hoje, a lei que regulamenta o serviço permite que, além do autorizatário, dois colaboradores também trabalhem em cada um dos 2.894 táxis da capital. Entretanto, a norma determina que o "dono da placa" dirija o carro diariamente pelo menos 30% do período em que o veículo rodar. Com a fiscalização biométrica, cada taxista se identificaria no sistema por meio das digitais quando fosse iniciar sua jornada de trabalho. Seria uma forma de garantir que o autorizatário, de fato, exercesse a atividade.

Sem direção

Sem a fiscalização, perpetuam-se os desvios. E não é pouca coisa. Um levantamento feito em 2010 pelo Ministério Público do Trabalho junto a taxistas apontava que mais de 80% dos autorizatários não dirigiam os táxis. Ainda hoje é possível encontrar casos como o de Katie Maria Kroll. Ela detém a autorização AT-651, mas não trabalha como taxista. Vive em Brasília, onde é funcionária da gerência corporativa de auditorias dos Correios. Além de não pilotar o carro, Katie não poderia ser autorizatária, já que a lei veda a concessão das placas a funcionários públicos ativos ou inativos.

Questionada por telefone, a servidora dos Correios preferiu não se manifestar. "Isso, sobre a placa de táxi, você converse com meu advogado", disse Katie, que cumpria expediente na capital federal. Ninguém atendeu ao telefone repassado por ela, como sendo de seu defensor. Na Urbs, o processo de recadastramento de Katie está sob análise, para parecer.

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Desde 2007, a autorização AT-9 está nas mãos do delegado aposentado Hieron Trinkel. Segundo denúncias de taxistas, ele manteria ainda outra placa, em nome da mãe. Trinkel não pode alegar necessidade. De acordo com o Portal da Transparência, o servidor inativo recebe R$ 21,5 mil por mês, como aposentadoria. A Gazeta do Povo não conseguiu localizá-lo.

A reportagem solicitou à Urbs os dados cadastrais do delegado aposentado, para tentar contato. A empresa, no entanto, não respondeu à solicitação. A administradora do serviço de táxis acrescentou que a documentação cadastral do autorizatário está regularizada, embora não conste a informação de que ele é servidor público.

Outro policial aposentado, Cândido Silva Neto, detém desde 1985 a placa AT-1412. De acordo com o perfil dele no Facebook, o servidor mora em Guarapuava. A reportagem tentou entrar em contato com ele pela mídia social, mas o autorizatário não respondeu.

Cadastramentos não contiveram novas distorções

Nos últimos dois anos, a Urbs promoveu dois recadastramentos da frota de táxi de Curitiba. Por meio de nota, a empresa informou que o objetivo foi "dar uniformidade e isonomia" ao sistema de táxis. A julgar pelo número de autorizatários que não dirigem os veículos, os pentes-finos não parecem ter sido capazes de acabar com as distorções.

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Os dois recadastramentos foram realizados após séries de reportagens publicadas pela Gazeta do Povo. O primeiro deles foi feito em 2008, quando o jornal mostrou inúmeros exemplos de pessoas que haviam comprado placas. Entre eles, o de um vereador que assumiu ter pagado pela concessão. A mulher dele e os dois filhos também mantinham placas.

Em 2013, a Gazeta do Povo mostrou que o mercado clandestino de placas continuava. Entre os casos, estava o de uma delegada da Polícia Civil de Santa Catarina, que, após a publicação, perdeu a autorização. Também mencionada na reportagem, uma médica veterinária continua com a concessão. De acordo com a Urbs, o processo dela já tem parecer jurídico e está em fase de análise para decisão final.

"É espantoso aceitar um sistema em que alguém que tenha dinheiro possa virar taxista de uma semana para a outra, comprando uma placa", disse o procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho, Gláucio Araújo de Oliveira."Tendo em vista todos esses fatos, essa desordem total do sistema, vamos pedir providências à Urbs. Se não se tomar providências, vamos à esfera judicial."