De junho de 2011 até o dia 7 de abril, as duas Varas de Execuções Penais de Curitiba expediram 9,2 mil alvarás de solturas na região da capital nos mutirões carcerários nas penitenciárias. Foram benefícios concedidos para presos com direito a progressão de regime. Mesmo assim, a medida foi incapaz de resolver, sozinha, a superlotação nas celas das delegacias do estado, que abrigam hoje 9,7 mil detidos. Para se ter uma ideia do volume de prisões, só em Curitiba são detidas em flagrante uma média 30 pessoas por dia. Essa realidade se repete na maior parte das capitais brasileiras.

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Por isso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) quer que os tribunais estaduais em todo país assumam uma prática nova até o fim do ano: a audiência de custódia. Todo preso em flagrante deverá passar em uma audiência com no mínimo a presença um juiz, promotor e um defensor em 24 horas após o flagrante. O Código de Processo Penal (CPP) já determina isso, mas devido à burocracia diária do sistema, a prática não ocorre na velocidade necessária. Curitiba pode ser a segunda capital do país a implantar o sistema. São Paulo é o projeto-piloto e funciona desde fevereiro deste ano. A expectativa é de que até o final deste semestre 14 tribunais tenham lançado o trabalho em suas capitais. A audiência de custódia tem sido considerada um instrumento fundamental para contribuir no processo de desencarceramento, ao lado dos mutirões carcerários e da aplicação das tornozeleiras eletrônicas.

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8 a 10 MINUTOS

é quanto uma audiência de custódia deve durar . Nesse tempo, o juiz avaliará se a pessoa precisa ser mantida presa, a legalidade da medida e se houve excesso por parte dos policiais. Não há intenção de julgar o caso, mas os motivos de manter o acusado detido.

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Conheça alguns dos principais números do problema crônico que é o sistema penitenciário:

  • 41% dos presos no sistema carcerário brasileiro são provisórios (sem condenação)
  • 37% dos réus que ficam presos durante o processo são condenados a penas que não os privam de liberdade ou seja quatro em cada dez deles não recebem a reclusão como pena definitiva.
  • De acordo com o Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (Infopen), faltam mais de 255 mil vagas no Sistema Penitenciário Brasileiro.
  • Existem 434 mil mandados de prisão aguardando cumprimento no país (25 mil só no Paraná).
  • Desde junho de 2011 até o começo deste mês, 9,2 mil presos receberam alvará de soltura em mutirões carcerários no estado.
  • Há 28 mil presos no sistema penitenciário do Paraná, sendo que 9.758 estão nas delegacias.
  • Por ano, uma vaga no sistema penitenciário do país custa R$ 30 mil por preso aos cofres públicos.
  • Os estados gastam aproximadamente R$ 1,1 bilhão por mês com a gestão de 550 mil presos no país.
    Fontes: CNJ, Ministério da Justiça, Ipea, Depen-PR

O objetivo é que o juiz avalie exclusivamente a necessidade da manutenção da prisão (transformando-a em preventiva), se houve excessos da autoridade policial e a legalidade da medida entre 8 e 10 minutos. Não há intenção de julgar o caso, mas os motivos de manter o acusado detido. É possível que médicos do Instituto Médico Legal e peritos do Instituto de Identificação também participem para exames de corpo de delito – avaliação feita por um médico legista para atestar a integridade física do detido – e para a identificação do preso.

O juiz da 1.ª Vara de Execuções Penais de Curitiba, Eduardo Fagundes, representante da comissão estadual formada para analisar a implantação das audiências no estado, defende o instrumento para engrossar o coro de mudança da cultura do encarceramento no estado. “A ideia é que a audiência de custódia não seja um rito de passagem apenas”, diz. Segundo ele, a audiência pretende diminuir a entrada de pessoas que são presas em flagrante, mas que não precisariam permanecer detidas, pois são primárias, com emprego, residência fixa e não representam perigo à sociedade.

Não é impunidade

O coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Luís Geraldo Sant’Ana Lanfredi, ressalta que o projeto Audiência de Custódia não tem a intenção de incentivar a impunidade. “Os presos que representam perigo à sociedade vão ficar presos”. Lanfredi lembrou ainda que o processo segue o trâmite e o suspeito poderá ser condenado ou não à privação de liberdade. Mas o que o projeto espera é não manter alguém preso desnecessariamente causando gastos excessivos ao estado e piorando o comportamento dele.

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R$ 7,6 bi é quanto custaria resolver o problema penitenciário sem mudar o modelo

Seriam necessários R$ 7,6 bilhões para construir vagas e conseguir espaço para todos presos para terminar com a superlotação carcerária e prender todos os 400 mil pessoas com mandados de prisão em aberto no país. Por isso também, audiência de custódia é considerada muito mais barata e eficaz para acabar com o problema crônico de falta de vagas no B

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37% dos presos provisórios não têm reclusão como pena definitiva

Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) lançado em novembro do ano passado apontou que 37,7 % dos réus que respondem a processos presos não são condenados, no fim do processo, a penas privativas de liberdade. A pesquisa mostra que quase quatro a cada dez presos provisórios não ficarão reclusos quando tiverem uma condenação definitiva. Segundo o magistrado do CNJ, Luís Geraldo Sant’Ana Lanfredi, as prisões estão sendo usadas demasiadamente antes das condenações e de forma desnecessária. “A prisão deveria ser uma exceção”, diz. O estudo foi feito com base em processos distribuídos entre varas criminais e juizados especiais com baixa definitiva em 2011 em Alagoas, Distrito Federal, Espírito Santo, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo.

Para o representante da Secretaria de Estado da Justiça , Cidadania e Direitos Humanos (Seju) na comissão que estuda a implantação da audiência no Paraná, Maurício Kuhene, as audiências, aliadas aos mutirões, podem resolver o problema da superlotação das delegacias do estado definitivamente. “Mas é preciso uma conscientização de juízes e promotores. A política do encarceramento está enraizada, mas todos sabemos que não resolve o problema.”