Obra do Colégio Jardim Paulista, da Valor Construtora, em Campina Grande do Sul. Após dois anos, status da obra é de apenas 10%. mas empresa já recebeu maior parte do pagamento. Suspeita é de que discrepância entre pagamento e execução esteja irregular em mais obras da Seed.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Com a suspeita de que um esquema de pagamento para além da execução efetiva de obras de escolas no Paraná pode ter funcionado com a participação de pessoas ligadas à Superintendência de Desenvolvimento Educacional (Sude), a auditoria da Secretaria de Estado da Educação (Seed), aberta em abril para apurar irregularidades em sete obras, promete, agora, avançar em todos os contratos de médio e grande portes em andamento na pasta.

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De um total de cerca de 400 obras hoje ligadas à Seed, mais de 200 se enquadram nessa classificação. Pelo volume, o procurador do Estado Kunibert Kolb Neto, à frente da comissão de auditoria, admite que a varredura total pode se estender para até um ano. A intenção do grupo, contudo, é de concluir a primeira etapa da auditoria até sexta-feira (24), quando deve ser divulgado o resultado da revisão de 55 contratos de obras. “Começamos pelas obras da Valor Construtora. Mas depois o critério foi por obras maiores e que têm recursos federais envolvidos”, explicou Kolb Neto.

Empresário já teve cargo de confiança na gestão Lerner

O empresário Eduardo Lopes de Souza, um dos representantes legais da Valor Construtora, já ocupou cargos comissionados no governo do Paraná entre 1999 e 2000, na gestão Jaime Lerner. Em janeiro de 1999, ele foi nomeado como chefe de uma área de recursos humanos da Secretaria da Administração. No mês seguinte, ganhou um cargo comissionado no Departamento Estadual de Transporte Oficial (Deto), também ligado à pasta da Administração. Em setembro de 2000, ele foi para a Secretaria de governo. A reportagem não conseguiu apurar em que época ele saiu do Executivo.

Embora Lopes de Souza não apareça como sócio ou ex-sócio da Valor Construtora, o histórico da empresa na Junta Comercial do Paraná revela que Rogério Lopes de Souza, irmão de Eduardo, foi quem abriu o negócio em 2010, em Curitiba, junto com outras duas pessoas. Além disso, a engenheira civil Viviane Lopes de Souza, irmã de Eduardo, é a responsável técnica da empresa.

Em 2010, o capital registrado no contrato social da Valor Construtora era de R$ 40 mil, valor que saltou para R$ 4,6 milhões neste ano.

Em consulta à Junta Comercial, Eduardo ainda aparece como sócio da Euromix Comércio, Locação e Construtora desde 2002 e da empresa EGC Construtora e Obras, cuja falência foi decretada em dezembro do ano passado. Ele também já foi sócio da EJ Construtora e Obras.

Desde fevereiro deste ano, a Valor Construtora está nas mãos de uma única pessoa, Vanessa Domingues de Oliveira. A reportagem não conseguiu contato com ela. Na empresa, a informação é de que somente o advogado Claudio Dalledone Junior concede entrevistas à imprensa.

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No mês passado, quando a Seed divulgou a existência da auditoria, a pasta informou que sete contratos com a Valor Construtora tinham irregularidades. Entre os sete casos, dois são mais emblemáticos e são alvo também do Tribunal de Contas do Estado: os colégios estaduais Ribeirão Grande e Jardim Paulista, em construção em Campina Grande do Sul. As obras “mal saíram do papel”, embora a empresa já tenha recebido cerca de R$ 9 milhões por elas.

Todas as sete obras, de construção e reforma de escolas, apresentam discrepâncias entre faturas pagas e trabalho executado. Cerca de R$ 30 milhões estavam previstos para a execução deste conjunto de obras e quase a totalidade do valor já foi repassada à empresa.

A fraude teria sido possível a partir de falsas medições das obras feitas por fiscais. Em depoimento ao Núcleo de Repreensão a Crimes Econômicos (Nurce), da Polícia Civil, quatro fiscais foram unânimes em admitir que atestavam as fases de execução das obras sem ir até os locais. Eles também sustentaram que agiam desta forma por orientação de Maurício Fanini, que ocupou a diretoria de Engenharia, Projetos e Orçamentos da Seed até 2014. Nesta semana, Fanini e os donos da Valor Construtora devem depor no Nurce.

Segundo Kolb Neto, a auditoria da Seed já rendeu três processos administrativos contra a Valor Construtora. Um dos desdobramentos possíveis é a declaração de inidoneidade da empresa, o que a impede de contratar com o poder público.

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O procurador é cauteloso, contudo, em relação aos servidores. “Precisamos descobrir qual a participação real das pessoas no processo”. Kolb Neto lembra que o trâmite entre a medição da obra e a liberação do pagamento envolve diversos setores, inclusive aqueles que só “carimbam” um ato administrativo. “Temos preocupação em identificar quem enganou e quem foi enganado, em separar os culpados das vítimas”, reforçou.

Diretor recebia com frequência um dos representantes legais de construtora investigada

Um dos representantes legais da empresa Valor Construtora e Serviços Ambientais, Eduardo Lopes de Souza era visto com frequência na sala que Maurício Fanini ocupava na Superintendência de Desenvolvimento Educacional (Sude), no bairro Cabral, em Curitiba. Fanini está entre os investigados pela Polícia Civil por supostamente possibilitar que a Valor Construtora, em contratos com a Seed, recebesse valores por serviços não prestados. As discrepâncias têm origem na Diretoria de Engenharia, Projetos e Orçamentos, comandada por Fanini até 2014, e vinculada à Sude, um dos principais braços da Seed. A Polícia Civil abriu a investigação a partir de informações de uma auditoria da Seed aberta em abril para apurar as irregularidades.

A frequência do empresário ao local chegou a incomodar servidores que trabalham lá, conforme relatou o ex-superintendente da Sude Jaime Sunye Neto à Gazeta do Povo. “Era um problema. Engenheiros me disseram que não se sentiam confortáveis com aquela situação, de reunião a portas fechadas. A gente esperava que houvesse ao menos um registro formal da presença dele ali. Porque é claro que eventualmente um empresário pode aparecer lá para cobrar por parcelas atrasadas, por exemplo. Mas, como sabemos agora, nem era o caso da Valor Construtora”, contou ele.

Sunye Neto perdeu o comando da Sude no início de junho, quase dois meses depois de autorizar a auditoria na pasta para apurar as irregularidades nas obras. “Por conta da apuração interna, houve um desgaste grande, natural, e eu já estava para me aposentar, já tinha interesse em sair. É um cargo pesado, com as dificuldades típicas de uma gestão pública. A única coisa que lamento foi a forma como tudo aconteceu. Eu tomei as providências administrativas sobre as irregularidades. Não fui conivente, nem omisso, mas acabei misturado na situação toda”, disse ele. Por ser servidor efetivo, Sunye permanece no Executivo, agora na Secretaria de Estado da Administração.

Fanini foi exonerado do Executivo na mesma época, no mês passado. Ele foi diretor de Engenharia, Projetos e Orçamentos da Sude entre 2011 e 2014, período no qual a maioria dos contratos com a Valor Construtora foi assinada. Em janeiro deste ano, Fanini foi designado para o comando da recém-criada Fundepar (Instituto de Desenvolvimento Educacional do Paraná), autarquia que, na prática, assumiria funções da Sude, como obras de escolas, transporte e merenda, mas de forma desvinculada da Seed.

Segundo Sunye Neto, ele soube das visitas do empresário da Valor Construtora a Fanini nesta época de transição, entre janeiro e junho deste ano, quando as atividades da Sude estavam sendo repassadas para as mãos de Fanini, então diretor-presidente da Fundepar. “Era complicado questionar [a visita] porque havia essa duplicidade de comando. Eu era o superintendente, com o poder formal, mas havia essa expectativa de futuro, de ele assumir tudo”, disse Sunye Neto.

Embora esteja ligada à Seed, a sede da Sude, onde está abrigada a Diretoria de Engenharia, Orçamentos e Projetos, fica no bairro Cabral. Já a Seed fica na Vila Isabel. Após a saída de Fanini, a Seed admite extinguir a Fundepar, quase meio ano depois da sanção da lei que criou a autarquia.

Outro lado

Um dos advogados de Fanini, Gustavo Scandelari, disse à reportagem que não poderia esclarecer as razões dos encontros com o empresário. “Nunca conversei sobre isso com o meu cliente, mas reforço que ele tem total interesse em prestar depoimento às autoridades e esclarecer tudo”. Já o advogado da Valor Construtora, Claudio Dalledone Junior, disse que Eduardo Lopes de Souza não vai falar com a imprensa neste momento. “Ele aguarda ser chamado pela Polícia Civil, quando tudo será esclarecido”, informou ele.