As auditorias internas que hoje atuam dentro das instituições federais de ensino (IFEs) muito dificilmente teriam condições de detectar fraudes nas universidades. A constatação é dos próprios auditores. Eles apontam problemas crônicos, como falta de independência administrativa, de integração com outros órgãos e de estrutura básica – na maioria das unidades, as análises são feitas exclusivamente em programas como Word e Excell. Além disso, essas repartições sofrem com a deficiência no número de servidores: a média é de três auditores de carreira em cada instituição.
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Principais fragilidades
Segundo a União Nacional dos Auditores (Unamec), as auditorias internas das universidades passam por “grave crise”, principalmente por causa dos seguintes pontos:
1 – Vinculação administrativa – As auditorias estão vinculadas administrativamente às universidades ou centros de ensino, que são os “alvos das auditorias”. Segundo a Unamec, isso macula a independência dos órgãos e interfere diretamente na eficácia do trabalho.
2 – Chefes nomeados – Os chefes das auditorias são nomeados diretamente pelo reitor da instituição de ensino superior. Esse “afrouxamento normativo” – como define a Unamec – abre precedentes para a nomeação de servidores não concursados e que não são auditores de carreira. Em contrapartida, os chefes recebem gratificação salarial.
3 – Desvios de função – Servidores de outros cargos estão lotados nas auditorias internas das universidades, configurando desvio de função que, segundo a Unamec, está institucionalizado. Para os auditores, esse desvio viola os princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade, da administração pública.
4 – Recursos – não há parâmetros normativos que definam a estrutura mínima de recursos humanos e logísticos para o funcionamento das auditorias. Hoje, a maioria das auditorias sequer conta com sistemas específicos. Os auditores trabalham com programas básicos, como Word e Excell.
5 – Falta de integração – As auditorias internas das instituições de ensino superior não estão integradas em entre si, formando uma rede, ou com outros órgãos de fiscalização, como Tribunal de Contas da União e Controladoria-Geral da União.
Logo após a Operação Research – em que a Polícia Federal (PF) apontou fraudes de mais de R$ 7,3 milhões na concessão de bolsas da Universidade Federal do Paraná (UFPR) –, a União Nacional dos Auditores do Ministério da Educação (Unamec) emitiu uma nota em que denuncia o “enfraquecimento” e a “grave crise” pela qual as auditorias internas passam. Em entrevista à Gazeta do Povo, quatro auditores detalham porque esse serviço está comprometido. O MEC, por sua vez, não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Universo
Hoje, o Brasil tem 373 auditores de carreira, distribuídos em 104 instituições federais de ensino. O quadro costuma ser complementado por servidores de outras áreas – em desvio de função –, mas, ainda assim, em número insuficiente. Dois dos auditores entrevistados pela reportagem, por exemplo, integram, cada qual, uma equipe de seis pessoas, responsáveis por auditar uma instituição com diverso câmpus e com orçamento que ultrapassa os R$ 350 milhões.
No caso da UFPR, o universo é ainda maior. A auditoria interna da universidade paranaense conta com oito servidores (dos quais, dois são auditores de carreira) para analisar um orçamento de R$ 1,2 bilhão. Só no ano passado, a UFPR gerou mais de 2,3 mil processos auditáveis. “É quase como encontrar uma agulha num palheiro”, resumiu o chefe de auditoria de uma universidade de Minas Gerais. “Da forma como nossa atividade está estruturada, seria impossível [detectar fraudes]”, completa outra auditora.
A falta de servidores impede que os auditores façam o básico, como inspeções nos câmpus das respectivas universidades. A chefe de auditoria de uma IFE do Rio de Janeiro disse que, no ano passado, se viu forçada a interromper as visitas técnicas previstas. “Dados o volume de trabalho, a exigência da minha presença no setor e a escassez de recursos humanos, interrompi as visitas e as retomaremos durante os trabalhos de 2017”, destacou.
Falta de independência
Os chefes de auditoria são nomeados pelos próprios reitores das respectivas universidades e, para isso, recebem uma gratificação salarial. A categoria estima que quase a metade das chefias esteja, hoje, ocupada por servidores em desvio de função. Para a Unamec, essa vinculação das auditorias às direções das IFEs “macula a independência desses órgãos”.
Auditores ouvidos pela Gazeta do Povo detalham que os chefes de auditorias são avaliados diretamente pelos reitores, o que acaba os atrelando às universidades. “Em termos práticos, isso quer dizer que auditamos o responsável por fazer nossa avaliação de desempenho enquanto servidores”, disse um chefe de auditoria.
“Como ele [o chefe de auditoria] é indicado pelo reitor, a mudança de gestão pode ensejar dispensa, independentemente do trabalho desenvolvido (...). Ele pode ser exonerado da função a qualquer momento”, destaca outro servidor.
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Estrutura
Em geral, a estrutura das auditorias é bastante simplória: ocupam uma ou duas salas da universidade, algumas mesas e computadores. Mas o que chama a atenção é que os auditores não dispõem sequer de softwares específicos, que façam cruzamentos de dados ou que auxiliam, de alguma forma, nas auditorias. Na maioria das IFEs, o “pente-fino” é feito em programas básicos, como editores de texto (Word) e planilhas (Excell).
Além disso, as auditorias das universidades não estão integradas nem entre si, nem com outros órgãos de fiscalização, impossibilitando a troca de informações. “O necessário seria, no mínimo, um sistema que integrasse todas as informações geradas pelas diversas áreas da instituição com a unidade de auditoria interna e permitisse o intercâmbio com as demais”, apontou uma auditora. “Em verdade, ainda me causa estranheza o fato de não haver disponível um sistema informatizado que seja padronizado e integrado em nível nacional, pelo menos no âmbito do Poder Executivo federal, para uso das auditorias internas”, destacou o chefe de auditoria.
Problema recorrente
Os desvios ocorridos em Instituições Federais de Ensino e que não foram detectados pelas próprias universidades estão longe de se restringir às fraudes na concessão de bolsas da UFPR. No ano passado, um esquema semelhante havia sido desbaratado pela PF na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Em 2015, a série de reportagens Universidades S/A – publicada pela Gazeta do Povo e outros quatro jornais – mostrou irregularidades em IFEs de cinco estados. Entre elas, estão convênios da UFPR com o Dnit e com a Petrobras, em projetos que somam R$ 74 milhões.
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