Desde agosto, teve início o processo de desativação dos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, também conhecidos como manicômios judiciários. Gradual, deve ser encerrado em maio, quando nenhum destes estabelecimentos deverá estar em funcionamento. Entidades médicas são contrárias à decisão (leia mais abaixo), por considerar que a medida trará riscos à sociedade, com impactos sociais e na segurança pública.
De acordo com a Comissão do Sistema Prisional, Controle Externo da Atividade Policial e Segurança Pública do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), no terceiro trimestre deste ano, eram 29 os estabelecimentos em operação, sendo 11 no Sudeste e 10 no Nordeste, com capacidade para 3.149 pessoas e ocupação de 2.332 internos, ou 74,06% do total.
Segundo a Secretaria Nacional de Políticas Penais, deste total de internos, 1.869 estavam obedecendo a medidas de segurança – ou seja, cometeram crimes e, depois de passar por avaliação psiquiátrica, foram considerados inimputáveis, mas incapazes de conviver em sociedade. São pessoas que cometeram homicídio, crimes contra o patrimônio ou crimes de caráter sexual, incluindo pedofilia.
A resolução 487 de 2023, que determina o fechamento dos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, foi emitida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em fevereiro. Seria uma forma de fazer cumprir as determinações da Lei da Reforma Psiquiátrica, de 2001, instituindo a Política Antimanicomial do Poder Judiciário. A decisão está alinhada ao chamado movimento antimanicomial e abre a possibilidade de que pessoas com transtornos mentais que cometeram crimes tenham acesso a “reabilitação psicossocial assistida em meio aberto”.
Entre os autores de crimes que podem ser liberados com a medida se incluem Marcelo Costa de Andrade, o Vampiro de Niterói, e Francisco Costa Rocha, o Chico Picadinho. Uma junta médica está avaliando cada um dos casos. Os internos podem ser liberados – a família pode acolhê-los ou recorrer à Defensoria ou ao Ministério Público para que eles sejam novamente recolhidos, agora em leitos psiquiátricos de hospitais, ao lado de quem não cometeu crime nenhum. A resolução determina que a internação deve se dar, em “hipóteses absolutamente excepcionais”, em hospitais gerais ou ambientes referenciados pela Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), incluindo os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).
Procurado pela reportagem para informar quantos estabelecimentos já foram fechados desde agosto e quantas pessoas recolhidas estão em liberdade, o CNJ não se manifestou.
Médicos alertam para os riscos da decisão
Ao longo do ano, uma série de entidades da área médica reagiu à resolução. Em nota de repúdio, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) declarou: “A determinação que o atendimento às pessoas com transtorno mental seja cumprido em leitos de Hospital Geral ou outra instituição de saúde referenciado pelo CAPS não é suficiente ao atendimento adequado e acurado de todos os pacientes/cidadãos nessa situação de enfermidade, podendo causar grande prejuízo à saúde pública, bem como risco ao paciente, familiares e população em geral”.
Em nota conjunta, dezenas de outras entidades também se posicionaram contrárias à medida. Entre elas, o Conselho Federal de Medicina, a Federação Nacional dos Médicos (Fenam) e a Federação Médica Brasileira (FMB).
O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), por sua vez, emitiu uma nota em que declara: “A resolução foi editada sem qualquer participação ou consulta as entidades médicas especializadas, notadamente as associações de psiquiatria e os Conselhos de Medicina. Como sói ocorrer quando políticas públicas são veiculadas à mingua de discussões qualificadas entre os segmentos sociais afetados, as diretrizes açodadamente aprovadas padecem de vícios éticos, jurídicos e técnicos”.
Para Pablo Kurlander, psicólogo e diretor do Instituto Eureka Educando, a resolução do CNJ coloca na pauta um tema que estava pendente de resolução desde a lei de 2001. “Foi uma forma de sensibilizar para uma pauta que estava paralisada, a questão do fechamento dos manicômios. Mas não acredito que a ação vá avançar e que os estabelecimentos estarão todos fechados em maio”. Uma das dificuldades para implementar a medida, afirma, é a estrutura insuficiente da RAPS. “É uma rede que não tem cultura nem capilaridade suficiente para prestar atendimento desse perfil.”
Tentativas de barrar a medida
Existem tentativas de evitar que o fim dos manicômios judiciários seja efetivado. Defensorias públicas de todos os estados da federação pediram ao Supremo Tribunal Federal (STF) para ingressar como amicus curiae (amigo da corte) em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que questiona a resolução do CNJ.
E, no Congresso Nacional, diferentes projetos de lei em tramitação retomam o recolhimento de pessoas com problemas psiquiátricos e que cometeram crimes. Em março, o deputado Kim Kataguiri (União-SP) apresentou o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 81/23, que suspende a aplicação da resolução do CNJ. A medida passou pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e aguarda votação em plenário virtual.
Em dezembro, a deputada federal Daniela Reinehr (PL-SC) apresentou o PL 6027/2023, que altera a lei de 2001. “O fechamento dos hospitais representa um risco para a segurança pública. Esses custodiados são responsáveis por crimes graves, como homicídio, estupro e roubo, de caráter violentos com indicação de internação por junta médica diante de sua inimputabilidade decorrente da incapacidade psiquiátrica e necessitam ser custodiados pelo estado” diz Reinehr. “Ou seja, eles não têm capacidade de prover sua saúde mental, social, psicológica, legal e nem de assegurar a inviolabilidade física e patrimonial de terceiros.”
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