Análise
Mudança de foco é benéfica
Para o presidente do Conselho Diretor do Instituto Life e diretor executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação (SPVS), Clovis Borges, o tema da biodiversidade ganhou mais força com esse encontro no Japão, mas ainda carece de mais atenção e entendimento por parte da população em geral. "As pessoas ainda relacionam muito a questão com a preservação dos bichinhos da floresta, mas é tudo muito mais amplo que isso." O entendimento mais novo, e que ganhou força, segundo ele, é que a perda de biodiversidade não só resulta em mudanças climáticas, mas também influencia na produtividade dos países.
É por esse viés econômico que o assunto está ganhando corpo. "Neste ano, houve a presença forte de empresas nos eventos paralelos atrás de mecanismos práticos de mensuração da perda da biodiversidade." Em Nagoya também foram apresentados os resultados do estudo Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade (Teeb, na sigla em inglês), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Ele revelou que os prejuízos à economia mundial podem ficar entre US$ 2 trilhões e US$ 4,5 trilhões devido à perda de fauna e flora. (FZM)
Retrospecto
Objetivos não foram cumpridos
Entre as metas estipuladas pelo Brasil lá atrás, em 2002, apenas a redução do desmatamento da Amazônia, de 75%, foi alcançada (caiu de 27 mil quilômetros quadrados em 2003/2004, para pouco mais de 7 mil quilômetros quadrados em 2008/2009), segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Mas a da Mata Atlântica, que era de zero, e outros biomas, de 50%, não. O Pantanal, por exemplo, perdeu 4.279 quilômetros quadrados entre 2002 e 2008 (2,82% de sua área).
Outra meta relevanta era a de alcançar pelo menos 30% da Amazônia e 10% dos demais biomas e da zona costeira e marinha inseridos em unidades de conservação.
Um balanço preliminar do Ministério do Meio Ambiente antecipado à Agência Estado, mostra que a Amazônia chegou perto, com 26,2% do território protegido. Cerrado (7,9%) Mata Atlântica (7,8%), Caatinga (7,3%), Pantanal (4%), Pampa (3,5%) e zonas costeira e marinha (1,5%) também ficaram abaixo do estipulado, mesmo com o crescimento do total de reservas nos últimos anos. (FZM)
Depois de duas semanas de negociação, em Nagoya, no Japão, representantes de 193 países chegaram a acordos para a conservação e o uso sustentável da biodiversidade global na 10.ª Conferência das Partes (COP-10) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB). No pacote está um plano estratégico de 20 metas para 2020 e a aprovação de um protocolo global inédito de acesso e repartição de benefícios relacionados ao uso de recursos genéticos chamado de ABS (sigla em inglês para Access and Benefit-Sharing, ou Acesso e Repartição de Benefícios), que será um dos principais instrumentos no combate à biopirataria.Esse protocolo, aliás, era uma das maiores reivindicações do Brasil para a concordância com outros compromissos e metas do encontro. O documento não tem regras explícitas, mas deixa claro que é preciso que países fornecedores e usuários da biodiversidade entrem em acordo a cada nova patente de um produto, por exemplo.
A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, disse à Agência Brasil que as novas regras internacionais sobre acesso e uso de recursos da biodiversidade deverão complementar e estimular a implementação da legislação nacional sobre o tema. Atualmente, a questão é regulada por uma medida provisória.
Outro ponto importante de negociação para o Brasil era a promessa de financiamento, por parte dos países ricos, dos programas de conservação de biodiversidade. Sem dinheiro não há como cumprir as metas firmadas. Nesse aspecto, o Japão foi o que mais abriu o bolso. Ofereceu US$ 2 bilhões e a criação da Fundação de Biodiversidade do Japão. França, União Europeia e Noruega também colocaram quantias na mesa. Na COP de 2012, os países terão de apresentar seus planos de investimento em biodiversidade para conseguir os recursos financeiros oferecidos.
Compromissos
Entre as 20 metas adotadas estão a proteção de pelo menos 17% dos ecossistemas terrestres e de água doce do planeta (hoje são 13%) e 10% dos marinhos e costeiros (contra os 6% atuais). A perda de habitats naturais deverá ser reduzida pela metade, podendo chegar perto de zero "onde for possível", e 15% das áreas degradadas existentes deverão ser recuperadas.
Segundo a organização do evento, desde 2004, cerca de 6 mil novas áreas de proteção foram estabelecidas em todo o mundo, cobrindo mais de 60 milhões de hectares. Ainda assim nenhuma das metas estabelecidas em 2000 foi alcançada, o que torna o cumprimento dos compromissos recém-firmados em Nagoya algo próximo da utopia. "A preservação da biodiversidade é um desafio enorme porque depende da mudança de comportamento de todas as pessoas. Há uma relação muito forte entre o crescimento dos países emergentes, como o Brasil e a China, e o padrão de consumo dos Estados Unidos e da União Europeia. Estamos consumindo mais que o planeta tem a oferecer. É uma conta que não fecha", diz o presidente do Conselho Diretor do Instituto Life, que participou da COP -10, Clovis Borges. Segundo uma pesquisa da WWF (World Wildlife Fund), a humanidade está utilizando um planeta Terra e meio para sustentar suas atividades.
Segundo a ministra do Meio Ambiente, o próximo passo do Brasil em relação à COP-10 é a elaboração das versões nacionais para as metas de conservação e o detalhamento de como o Brasil irá se comprometer com a biodiversidade até 2020. Para ela, o combate ao desmatamento no Cerrado será um dos grandes desafios do Brasil.
Entrevista
Paulino Franco de Carvalho Neto, chefe da Divisão de Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores.
Em que pontos o Brasil ganhou e perdeu?
O país ganhou principalmente com a conclusão das negociações do chamado protocolo de ABS, adotado na madrugada de 30 de outubro, em Nagoya, no Japão. Trata-se de instrumento internacional de caráter obrigatório, ao abrigo da Convenção de Diversidade Biológica, que, para valer no Brasil, deve ser aprovado pelo Congresso Nacional e ratificado pelo presidente da República. Com esse instrumento internacional, o Brasil poderá, a exemplo de outros países que dele fizerem parte, proteger de maneira mais adequada os seus recursos genéticos. No que diz respeito a perdas, o Brasil defendeu, para as áreas terrestres e águas internas, porcentual de 20% sobre o território de cada país.
O valor acordado, no entanto, foi de 17%. O que faltou aprimorar?
Faltou um vínculo mais claro entre as metas a serem atingidas em 2020 e os recursos financeiros necessários para o seu cumprimento. De todo modo, no caso específico do Brasil, que depende menos de recursos financeiros externos do que outros países em desenvolvimento, esse problema é menos preocupante.
Qual país foi mais duro na negociação e qual se mostrou mais flexível?
Alguns países, em particular os que integram a Alba (Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América), optaram por uma postura mais intransigente nas negociações do plano estratégico e do Protocolo de ABS. Ao Brasil, que mantém relações diplomáticas privilegidas com esse grupo de países, coube a tarefa de buscar solução que fosse aceitável para todos. Talvez esteja aí o motivo pelo qual o Brasil foi elogiado em Nagoya.
Com o acordo fechado tem algum ponto no qual fomos longe demais, ou tudo é possível de ser feito?
Não fomos longe demais se por isso se entende objetivos irrealistas. Alcançamos resultados muito positivos em Nagoya, já que depois de muitos anos sem acordos em reuniões multilaterais na área ambiental conseguimos concluir a negociação de dois protocolos o de ABS e o Protocolo Suplementar ao Protolo de Cartagena, que trata de responsabilidade administrativa e civil por eventuais danos causados à biodiversidade pelos organismos geneticamente modificados. E, claro, o plano estratégico para o período 2011-2020. Por fim, tais resultados positivos podem servir também para incentivar favoravelmente as negociações sobre a Convenção de Mudanças do Clima, que terá mais uma reunião no final de novembro em Cancun, no México, quando se tentará chegar a um acordo sobre o pós-Kyoto.
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