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No início de outubro, o major da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) Olavo Mendonça lançou o livro “A guerra civil do crime no Brasil: como a impunidade, o consumo e o tráfico de drogas e a inversão de valores mudaram a realidade brasileira”.
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Nele, o oficial – que é pesquisador da área de segurança pública e já palestrou sobre o tema para forças de segurança de países como Estados Unidos e Espanha – traça um diagnóstico da falência dos sistemas criminal e de segurança pública no Brasil ao longo das últimas décadas, que fizeram com que em 2017 o país alcançasse a marca de 59 mil homicídios no ano.
Segundo Mendonça, os números, que só encontram paralelo em países que estão oficialmente em conflitos bélicos internos ou em processos revolucionários, estão relacionados à influência cultural de agentes progressistas que, há décadas, têm consolidado um sistema de impunidade sem precedentes em outras nações.
Em 32 artigos, o oficial apresenta pontos que considera cruciais para a perpetuação de uma “guerra civil” em constante ebulição no país, como os mecanismos que sustentam a impunidade, a cultura do crime que alcança crianças e jovens, a evolução dos movimentos pela descriminalização das drogas (que culminam no fortalecimento do narcotráfico) e a relativização do crime por meio da vitimização dos seus autores.
Em entrevista exclusiva, a Gazeta do Povo conversou com Olavo Mendonça sobre as causas que levaram o Brasil a esse cenário de insegurança crônica, a contribuição de agentes públicos e privados nesse processo e possíveis caminhos para mudar os trilhos da segurança pública no país.
Em um dos trechos, o livro cita que o Brasil possui números, em termos de homicídios, que equivalem aos de países em guerra civil. Quais são os principais componentes que nos levaram a esse cenário?
Olavo Mendonça: O primeiro fator é a revolução cultural das últimas décadas, que levou o Brasil à degradação moral e à inversão de valores, que refletem nesse quadro.
A explosão do consumo e do tráfico de drogas acontece a partir da revolução dos costumes. São três revoluções que acontecem simultaneamente nos anos 60: a primeira é a dos costumes, que abrange o movimento hippie, a liberação das drogas e a desconstrução do conceito de família. Tudo isso começou lá, mas entranhou na nossa cultura.
Aí vem a revolução da Igreja Católica a partir do Concílio Vaticano II. A igreja era uma grande força de resistência a essa revolução cultural, mas, depois do Concílio, ela "implodiu". Hoje alguns elementos da igreja atuam, inclusive, como um motor dessa revolução.
Em seguida, vem a revolução do sistema educacional e da mídia. A partir dos anos 60 começou a haver uma infiltração pesada desses agentes revolucionários culturais no sistema educacional – depois mais incisivamente dentro das universidades – e na mídia. Com a tomada das universidades, os alunos, formados e devidamente doutrinados, foram para toda a sociedade e começaram a ocupar mais espaço nos canais de mídia.
Todos esses fatores também entranharam no sistema criminal, principalmente a partir dos anos 80. A formação da Constituição Federal teve essa influência. Nossa Constituição não é a de um país livre, de uma economia aberta que procura o equilíbrio da sociedade por meio da justiça. É uma "constituição socialista", de Estado gigantesco e garantista.
E por meio desse garantismo, onde o foco migrou da justiça em si (o produto final do sistema criminal deve ser a justiça) para o criminoso por meio da justificativa dos crimes e da confusão a respeito dos direitos humanos. Esse garantismo não está só no Brasil, está no mundo todo. Mas aqui isso se tornou muito mais peçonhento, e o resultado foi a impunidade generalizada. E a impunidade, como sabemos, é a mãe da reincidência criminal.
Qual tem sido o papel das leis brasileiras como componentes desse quadro?
Olavo Mendonça: O primeiro grande marco que contribuiu para explodir os números da criminalidade e da impunidade foi a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Hoje, o jovem com 17 anos, 11 meses e alguns dias já tem a força e a capacidade de um adulto para cometer crimes, mas o ECA os coloca como inimputáveis. Isso, juntamente com a série de legislações restritivas de ressocialização, fortalece a impunidade e faz com que a reincidência nessa faixa etária seja altíssima.
Depois disso, teve várias legislações aprovadas durante o governo do PT que flexibilizaram o consumo de drogas, praticamente descriminalizando-o, e, paralelamente, fizeram com que o narcotráfico explodisse.
Tivemos também a legislação que aos poucos foi implementando o desarmamento da população brasileira. Isso foi se agravando mesmo depois do referendo de 2005, o que acabou retirando armas da população de bem. Até os anos 90, o normal do marginal era ter um 38 velho e enferrujado, e era comum que muitos brasileiros tivessem armas em casa para sua proteção. Além disso, naquela época, nos anos 70 e 80, a polícia era muito bem armada.
Aí chegando nos anos 2000, vem a inversão – você começa a ver criminosos de fuzil, os policiais nas ruas com armamento e treinamento cada vez mais defasado, e a população desarmada. Aí o resultado, é claro, é o “genocídio do crime”. Os homicídios no Brasil cresceram progressivamente até chegarem a 60 mil por ano, com quase 500 policiais assassinados também em um ano. São números que não se tem em lugar nenhum do mundo; nem países em guerra têm números como esses.
E quanto à participação do poder judiciário nesse cenário?
Olavo Mendonça: Como reflexo dessa revolução cultural, hoje vemos a militância de parte do judiciário, que desde a década de 90 passou a criminalizar a polícia e vitimizar o criminoso. O resultado é que criminosos perigosíssimos têm sentenças irrisórias e são soltos em poucos anos.
O último marco dessa revolução cultural dentro do sistema criminal são as audiências de custódia, que não foram sequer criadas pelo Legislativo, mas pelo próprio Judiciário. Chegou-se a um ponto em que, em alguns estados, 50% dos criminosos presos em flagrante são soltos na audiência de custódia.
Imagine que de cem homicídios, a polícia consiga prender 20 pessoas em flagrante. Desses 20, dez já são soltos na audiência de custódia. Os outros dez vão ser julgados, condenados e vão para a cadeia. Eles vão cumprir geralmente 1/6 da pena, e no meio do caminho ainda vão ter direito aos “saídões”.
Leia também: “Saidinha” da prisão: o que diz a lei que permite que condenados passem dias fora da cadeia
E quanto aos outros 80 homicídios que a polícia não conseguiu prender logo em seguida (em flagrante)? Desses, estatisticamente são identificados os autores de apenas 8%. Ou seja, a mensagem que se passa é de que a impunidade é quase absoluta.
Quando se fala em combate à criminalidade, o que diferencia o Brasil de países desenvolvidos?
Olavo Mendonça: O que nos deixa na lanterna da civilização ocidental é a péssima atuação do poder público na segurança. Por que surgem tantas facções criminosas aqui no Brasil? Justamente porque o sistema criminal é péssimo. Quanto ao sistema policial, também há grandes dificuldades.
É uma aberração as polícias militares e a Polícia Rodoviária Federal (PRF) não poderem investigar crimes e fazer autuação. Estive em um evento em Florianópolis com policiais de vários países. Nenhum deles consegue entender como que a Polícia Militar, que tem 700 mil policiais no Brasil todo, é a única polícia militar do mundo que não tem ciclo completo e, por isso, é proibida de investigar e autuar.
Então, o problema não é falta de recursos. O problema é o conceito revolucionário entranhado dentro da segurança pública, que é uma areia movediça que a gente não consegue sair há muitos anos.
Quais são os caminhos possíveis para trazer ao país mais estabilidade no âmbito da segurança?
Olavo Mendonça: A primeira coisa é a tomada de consciência. O crime é uma doença social, e para tratar qualquer doença se começa com o diagnóstico claro. E é nisso que nos focamos com a publicação do livro [“A guerra civil do crime no Brasil: como a impunidade, o consumo e o tráfico de drogas e a inversão de valores mudaram a realidade brasileira”]. O que a gente precisa hoje é que, a partir desse diagnóstico, aos poucos o brasileiro vire a mesa por meio dessa tomada de consciência.
Para avançarmos como sociedade nesse tema, um bom primeiro passo seria começar imediatamente um processo de desideologização do sistema federal e dos sistemas estaduais de segurança pública. Se você vir o perfil da maioria dos gestores a nível federal e nas secretarias estaduais são forças policiais que não trabalham no patrulhamento nas ruas, não fazem policiamento no final da linha, não têm conexão com os problemas da sociedade e estão lá fazendo a alta gestão da segurança pública. Essa desconexão não tem cabimento.
Em segundo lugar, reverter medidas administrativas que contribuem para a impunidade, a exemplo dos “saidões”, em que dezenas de milhares de presos deixam os presídios, e as audiências de custódia. E, em terceiro lugar, implementar o ciclo completo de polícia para as PMs e a PRF.
Estamos chamando as pessoas para o debate. Segurança pública não é só opinião de sociólogo. É preciso ouvir os especialistas no tema de verdade, aqueles que são operadores ou gestores de segurança – quem está no dia a dia, na ponta da linha, e que além disso estuda e pesquisa a fundo o tema. É a parte acadêmica aliada à experiência, por meio da prática e da troca de experiências com policiais de todo o mundo.
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