Ao receber o Prêmio Nobel de Medicina em 1945 pelo desenvolvimento da penicilina, Alexander Fleming (1881-1955) fez um alerta em seu discurso: o uso equivocado do medicamento poderia tornar os micróbios mais fortes.
Sete décadas depois, o mundo se vê diante de um aumento de resistência das bactérias aos antibióticos, essenciais para prevenir e tratar infecções. Se nada for feito, podemos chegar à era pós-antibiótico, na qual eles seriam ineficazes, e doenças hoje facilmente tratáveis seriam causa comum de mortes.
Quem chama atenção é a Organização Mundial da Saúde (OMS), que publicou, em 2014, um relatório – após a análise de dados de 114 países – apontando para tal situação em todas as regiões.
A utilização de antibióticos para curar problemas de saúde, consequentemente gerando resistência, foi um componente que se juntou ao processo milenar das bactérias apenas em 1940.
As bactérias estão na Terra há 3,5 bilhões de anos e, para sobreviver, criam mecanismos de defesa. Se você usar antibiótico, vai estimular a produção desses mecanismos.
“Quanto maior o uso de antibióticos, maior a resistência. Isso é algo esperado e natural. Mesmo a utilização apropriada gera um risco de tornar as bactérias mais fortes. Se o uso não é apropriado, o surgimento e o aumento de resistência ficam acelerados. Isso ocorre por várias instâncias: quem está administrando e quem está tomando são os primeiros que podem acertar ou errar, mas também há situações como a nossa realidade de pobreza, com pessoas com pouco recurso que conseguem comprar só parte do tratamento e param de fazê-lo antes do tempo indicado ou usam irregularmente”, acrescenta o chefe do Serviço de Infectologia da Santa Casa de Porto Alegre, Paulo Behar.
Ao aviso da OMS junta-se o estudo coordenado pelo economista Jim O’Neill, por encomenda do governo britânico. Nele, consta que as perspectivas para os próximos períodos são ainda mais preocupantes: em 2050, o número anual de mortes causadas por infecções resistentes pode chegar a 10 milhões, e os custos que isso trará até a metade do século ficarão na casa dos US$ 100 trilhões.
O cenário projetado não requer, porém, que deixemos de usar antimicrobianos (termo mais abrangente que o antibiótico que inclui também substâncias que agem sobre outros micróbios e não somente sobre bactérias).
Um dos caminhos, segundo os especialistas, está na utilização adequada das substâncias. Para isso, é fundamental um conjunto de ações que vai do paciente a órgãos internacionais, passando por profissionais da saúde, pela indústria farmacêutica e pelos governos.
Doenças
Entre as infecções que mais frequentemente precisam de tratamento com antibióticos estão as respiratórias, as gastrointestinais e as urinárias. Mas nem sempre essas doenças são causadas por bactérias e, nesses casos, não exigem esse tipo de medicamento. Essa variação acaba confundindo muitos pacientes.
“As queixas respiratórias nem sempre são infecções bacterianas, mas fazem com que as pessoas queiram utilizar antimicrobiano. Muitas vezes, eles são mal utilizados porque são mal prescritos”, ressalta a farmacêutica Luciana de Oliveira, professora da PUCRS.
O infectologista Paulo Behar relata uma situação que, embora não devesse ocorrer, faz parte da rotina dos consultórios. “Às vezes, tem uma criança com febre alta. É o primeiro filho, e os pais ficam apavorados. Então, eles exigem que o médico receite antibiótico. Em geral, a causa mais frequente de febre em crianças são doenças virais para as quais não se usa antibiótico. Eventualmente, um antiviral já resolve o problema. O médico tenta explicar, a pessoa insiste e ele acaba cedendo.”
A resistência
Imagine uma pessoa com uma infecção causada por mil micróbios. Destes, 998 são mais sensíveis aos antibióticos comuns e dois, mais resistentes. Se esse paciente tomar uma dose menor de antibiótico que a necessária, nem todas as mil bactérias vão morrer. Aquelas que são mais resistentes vão se multiplicar, tornando-se predominantes.
Medidas
A OMS aponta que, para enfrentar o problema do uso indiscriminado de remédios, é preciso monitorar. Mais higiene, água limpa, cuidados de saúde e vacinação também são medidas boas para prevenção de doenças infecciosas, aliadas à necessidade de desenvolvimento de novas formas de diagnóstico e de novos antibióticos.