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Embora tenha se consolidado como uma tradição no meio social, uma atividade que aos poucos tem se tornado anacrônica passou a constranger parte dos futuros oficiais da Polícia Militar do Paraná (PM). Não se trata de nada ligado ao policiamento ou à segurança pública. Cadetes que estudam na Academia do Guatupê, em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba, têm sido obrigados a dançar em bailes de debutantes durante a escala de serviço, sob a supervisão de um oficial. Quem não comparece à festa pode ser punido.

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Elogios de pai

As três filhas do empresário Antônio Carlos Falavinha, de 44 anos, tiveram cadetes da PM em seus bailes de debutantes. A caçula Bruna fez 15 anos em 2014. Falavinha afirmou que chegou a depositar uma quantia para o diretório. “Acho que foram R$ 900. Agendei com bastante antecedência”, explicou. Ele defende a presença dos policiais para fortalecer a imagem da corporação. Falavinha diz ter uma profunda admiração pelos policiais. “Eles foram muito educados e solícitos nos bailes. Sempre tinha um oficial monitorando. É um cerimonial muito bonito. Vale a pena.”

Os cadetes entram em escala de serviço com trajes oficiais de gala e são orientados a interagir com os convidados em bailes de debutantes, para os quais são contratados para participar da tradicional valsa dos 15 anos das aniversariantes e suas amigas. O problema é que alguns têm se sentido contrariados e até envergonhados. São adultos, alguns casados, às voltas em festas juvenis.

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A Gazeta do Povo conversou com alguns desses cadetes, que falaram sob a condição de anonimato, pois estão sujeitos a regras militares e, portanto, poderiam ser alvo de punição. Em 2014, por exemplo, um cadete passou a responder a procedimento interno de investigação porque faltou a um desses eventos. De acordo com cadetes ouvidos pela reportagem, foram realizados pelo menos quatro desses bailes neste ano.

Segundo um dos alunos, a contratação desses serviços gera uma escala de serviço. “É publicada geralmente em boletim interno para que os determinados cadetes sejam exibidos no baile”, disse. Mas nem todos são postos nessa escala. “Só os bem apessoados são escolhidos. É injusto. Parece piada, mas a gente entrou na polícia para contribuir com a segurança pública e não para fazer isso”, reclama outro. Alguns dos policiais parecem conformados; outros, indignados.

A taxa cobrada da família das debutantes seria direcionada para o diretório acadêmico dos cadetes e o dinheiro seria revertido, de alguma maneira para eles, como para a festa de formatura, por exemplo. O recurso é oficializado como uma doação ao diretório acadêmico.

Valor cultural

Em nota, a PM defendeu a participação de seus cadetes em bailes de debutantes e explicou que é uma atividade social, “permeada por valores culturais e de tradição do cadete militar”. Para a corporação, é uma função excepcional e deve acontecer cada vez menos. A nota diz ainda que a Academia do Guatupê “não se furta em atender solicitações da comunidade, desde que estas não interfiram no calendário de formação do cadete”. A PM garante que a atividade enobrece o cadete.

Taxa

“O que sei é que o baile tem de ser reservado com antecedência pela aniversariante, realizando o pagamento de uma quantia”, comenta um cadete. A quantia não está definida, mas é uma ponderação que estaria explicada na Lei 10.236/1992, que instituiu a Taxa de Segurança Preventiva. A reportagem não encontrou uma legislação que regule a presença dos policiais em bailes. Um deles explicou que dentro da academia a escala é chamada de “representação”.

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O coordenador do Centro de Estudos da Violência da UFPR, sociólogo Pedro Bodê, ficou surpreso ao ser informado que cadetes da PM ainda dançam em bailes de debutantes. O especialista em segurança pública criticou a atividade, que não está relacionada com a função original dos policiais. “É tão moderno quanto casamento arranjado”, brincou ao falar do tema.