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Cidade

Balança, mas não cai

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Numa das melhores cenas de Edifício Master, documentário que registra os bastidores do famoso condomínio de Copacabana, no Rio, o cineasta Eduardo Coutinho pergunta ao síndico "como ele faz" para dar conta de tanta gente – algo como 500 pessoas. E gente tão diferente, de egressos do fã-clube de Frank Sinatra a bandas de rock. A resposta é um clássico do mau humor: "Uso o método Piaget. Se não funciona, aplico o Pinochet".

A fala do filme foi repetida para dez síndicos que atuam em Curitiba, à guisa de teste. Todos caíram na risada. Alguns admitiram ter vontade de fazer o mesmo em seus postos de trabalho, o que não é de causar espanto: a babel do Edifício Master lhes soa familiar.

A Gazeta do Povo "bateu na portaria" de mais de 20 edifícios antigos do Centro de Curitiba – menos da metade atendeu. A proposta era saber dos desafios enfrentados pelos administradores de construções que ultrapassaram 35 anos de uso, habitadas na maioria por idosos e universitários "em trânsito", ambos em fases da vida em que tudo "o que não querem" é gastar energia com a pintura da fachada.

Os apartamentos são amplos, com pé direito que respeita a dignidade humana, mas a manutenção dos canos e do telhado provoca insônias. Portaria – 24 horas –, com quatro funcionários a postos. Garagem, nem sempre tem, ou tem de menos, o que exige manobrista. A inadimplência beira os 30%. Resta o consolo de que o Centro oferece de tudo, mas traz no pacote violência, drogadição e mendicância.

O saldo dessa conversa é previsível: nem Piaget nem Pinochet dariam conta do recado. Ser síndico em prédio antigo é uma tarefa tão delicada que mereceria uma comenda do Itamaraty. "Sou um verdadeiro diplomata", resume o empresário aposentado Edson Antunes Neto, 70 anos, síndico do elegante Edifício Leonor Moreira Garcez, na Rua Cândido Lopes. "Vivi sete anos debaixo de uma guerra, em Trípoli. Condomínio nenhum me assusta", brinca o empresário libanês Zakaria Ali Samad, 50 anos, há oito à frente do Edifício Provedor André de Barros, uma muralha de 23 andares na Praça Osório.

Se o testemunho de Edson e Zakaria não for convincente o bastante, restam as estatísticas. De acordo com o IBGE e demais órgãos oficiais, o Centro tem 37 mil habitantes – 93% deles divididos em uma selva de 800 edifícios e 23,3 mil domicílios que começaram a espetar no início do século 20, mas que ganharam a forma moderna a partir de 1940, com o Edifício Pizzatto – cinco andares, erguido para uma única família –, e em 1948, com o Edifício Marumby, 12 andares, multifamiliar. Ambos ficam nas imediações da Praça Santos Andrade.

Dali em diante, o Centro cresceu sem censura. Até que em meados da década de 1980 o bairro estagnou. Cinco mil moradores fizeram as malas. Em paralelo, Bigorrilho e Cabral dobrariam sua população. Sem novas construções, o "Centrão" virou lugar de peças arqueológicas erguidas entre 30 e 60 anos, não poucas assinadas por mestres como Elgson Ribeiro Gomes, Romeu Paulo da Costa, Rubens Meister. Um luxo.

Os moradores seguem a tendência de envelhecimento. Ali moram 1,6 mil pessoas com mais de 80 anos. Há outros 4 mil entre 60 e 74 anos. Quase 20% dos moradores são singles e 67% não são nascidos em Curitiba, o que faz do bairro o mais estrangeiro de todos. Crianças? Os condôminos sabem quantas são de cabeça.

O Centro só saiu do limbo no fim dos anos 1990, com a chegada do espigão GreenTower, na Emiliano Perneta. Embalou. Em 2011 e 2012, foram dez novos empreendimentos. Mesmo assim, dados do setor imobiliário indicam que 50% das ofertas na região estão em edifícios antigos. São charmosos, mas metem medo. Morar num deles não é tarefa para amadores. Nos condomínios mais vividos, a história está na centésima página. É preciso pedir licença para entrar. Eis a regra.

Na vertical

Brevíssima história dos condomínios da capital

Todos os anos, no dia 29 de março, os aproximados 150 moradores do Edifício Marumby, na Praça Santos Andrade, são convocados para uma festinha de aniversário no saguão. Os condôminos não cantam "Parabéns" para Curitiba, que faz anos neste dia, mas para o prédio, conhecido como o primeiro condomínio vertical da cidade.

A comemoração diz muito sobre o local. Mais do que moradias empilhadas, o Marumby se tornou uma comunidade, iniciada em 1948, com orgulho expresso de ser a primeira a atingir 12 andares, um feito na acanhada capital do pós-guerra. Mas antes dessa, houve outras tentativas de fazer a cidade beijar as alturas.

O historiador Marcelo Sutil, autoridade na Belle Époque paranaense, lembra que a rica família Hauer vivia em um palazzo eclético na Praça Tiradentes com a Monsenhor Celso. E que o Palácio Avenida, inaugurado em 1929, já incluía apartamentos para moradia. Quando o sóbrio estilo art déco ganha as ruas, Curitiba vai ser premiada com uns tantos "prédios deitados", como o arquiteto Key Imaguire, da UFPR, chama as compridas moradias de dois andares, a exemplo da erguida na Rua Saldanha Marinho com a Desembargador Motta. "Era essa a solução quando as limitações construtivas não permitiam elevadores", ilustra Key.

Em 1941, num desafio às limitações, a prefeitura chamou o arquiteto francês Alfred Hubert Donat Agache "para levar a cidade à modernidade", ilustra o arquiteto Salvador Gnoato, da PUCPR. Os prédios com quatro e cinco andares não tardariam a chegar, sem muita lógica, apinhando ruas estreitas do Centro Velho. Desprezam-se os carros. Importa estar no Centro. O primeiro a ter garagem teria sido o "Palacete Graças a Deus", um déco nos altos da Rua XV, inaugurado em 1950.

O próximo passo foi rodear as praças, dando-lhes ares de metrópole, até o esgotamento do modelo. Em meados da década de 1960, o projeto assinado pelo arquiteto Jorge Wilheim indicava que lugar de arranha-céus era nas estruturais, como a Visconde de Guarapuava. A criação do curso de Arquitetura da UFPR, em 1963, reforça a tendência: "Passa-se a graduar modernistas. Com eles, mais prédio", diz Key.

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Perspectivas

De acordo com o Perfil Imobiliário 2013, publicado em parceria com a Gazeta do Povo, o Centro cresce 0,72% ao ano. Até 2018, o bairro vai ganhar 1.963 novos domicílios. Um total de 58% dos moradores tem mais de 30 anos, sendo 39 anos a idade média. São 2 habitantes por domicílio, com renda mediana de R$ 3,9 mil.

Síndicos

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