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Curiosidades

Sua excelência, o porteiro

Os síndicos consultados pela reportagem da Gazeta do Povo foram unânimes em afirmar: parte do equilíbrio dos condomínios antigos depende dos porteiros. "É preciso segurá-los no emprego. Já tive de chamar atenção de uma moradora sobre as virtudes de um desses trabalhadores, para salvá-lo", diz Edson Antunes Neto. Motivos? Até um porteiro recém-contratado conhecer todas as pessoas, e suas peculiaridades, leve tempo e traz dissabores em cascata, como riscos à segurança, inclusive.

Mesmo assim, não é raro moradores implicarem, de graça, com a turma da portaria, exigindo a demissão do funcionário. Cabe aos síndicos equacionar os conflitos. De acordo com Hélio Rodrigues da Silva, presidente do Sindicato dos Condomínios, o Sindicon, há 12 mil pessoas empregadas em portarias de Curitiba e região. Dessas, 25% - 3 mil – trabalham no Centro. Ao lado do Bigorrilho, Cabral/Juvevê, Cristo Rei e Batel, é o bairro que mais emprega. porteiros Nos residenciais, costumam ser quatro profissionais por prédio, e cinco nos comerciais.

Condôminos em segredo

Fazer reportagem nos condomínios do Centro é lidar com "negativas". É comum os síndicos fugirem de entrevistas. O primeiro motivo parece ser os conflitos internos e o temor de que sejam revelados e acirrados. O segundo tem a ver com a dificuldade em lidar com a diversidade humana que um bairro como o Centro impõe.

Em muitos edifícios antigos há transexuais e travestis, garotas de programa, dependentes químicos – não raro ali hospedados pela família, depois de várias tentativas de integração. Some-se à lista as repúblicas de estudantes, proibidas na maioria dos estatutos, mas praticadas por força da fartura de apartamentos disponíveis. Costumam dar dor de cabeça, por causa do barulho e maior circulação de pessoas, e exigem negociações.

Vale lembrar que é a convivência de idosos – moradores convicto do centro -, imigrantes, estudantes, solitários urbanos e LGBTs, entre outros, o que torna o bairro tão estimulante. Como disse uma das síndicas, "as normas de um prédio valem para quem ganha a vida na vertical e na horizontal. E pronto".

Violência custa caro

A lista de inibidores da moradia no Centro é grande. Diz-se que os edifícios estão "detonados", reclama-se da falta de vagas na garagem, ou da total ausência delas, mas principalmente dos preços dos condomínios, quase sempre na faixa de R$ 500, podendo ultrapassar R$ 1 mil. O valor é alto por causa da manutenção de prédios antigos, sempre recorrente, mas principalmente devido às câmaras de segurança e portarias 24 horas. "Ao morar no Centro, economiza-se no ônibus e no estacionamento. Compensa", dizem os síndicos, para amenizar o impacto desses valores.

O fato é que os pequenos furtos, comuns no Centro, e o assédio dos dependentes de crack, em particular, afastam os moradores da calçada, com a qual têm uma relação conflituosa. Dizem gostar do Centro, mas não do que o Centro se transformou. As praças, outrora motivo para a construção dos condomínios no passado, deixaram de ser visitadas pelos moradores, gerando uma esquizofrenia urbana. Garantir que o Centro continue sendo habitado exige mais e mais políticas de segurança, iluminação e assistência social.

Os inadimplentes

Não há dados oficiais, mas uma das maiores pedras no sapato dos condomínios é a inadimplência. São comuns histórias de ações na Justiça e de apartamentos indo a leilão. "Os que não pagam o condomínio, curiosamente, são os que mais costumam criar problemas e reclamações contra a gente", protesta um dos entrevistados. Os síndicos seguem a norma bíblica – primeiro batem na porta do devedor, com a máxima discrição, depois chamam testemunhas, por fim recorrem aos órgãos superiores. De acordo com os depoimentos, a inadimplência pode chegar a 30%. Um dos motivos é que a renda de aposentadoria dos idosos não acompanha os gastos, o que resulta em atrasos ou mesmo abandono dos carnês do condomínio.

Sem vagas na garagem

Uma das rotinas mais curiosas dos condomínios do Centro se dá nas garagens, quando elas existem. Em todos os relatos recolhidos pela reportagem da Gazeta do Povo, o número de vagas não coincide com o número de apartamentos, o que resulta na contratação de manobristas. Ao lado dos porteiros 24 horas, esses funcionários se tornaram obrigatórios nos condomínios centrais. Outra situação é o estacionamento não fazer parte do prédio, o que exige pagar um segundo condomínio. Vale lembrar que nas décadas de 1950 e 1960, muitos edifícios foram criados sem garagem. E que não se previa que haveria tantos carros, para quem quisesse. Bons tempos.

Patrimônio histórico 1

Os condomínios antigos do Centro de Curitiba, em sua maioria, foram construídos sob a égide da arquitetura modernista. No início da década, um grupo de pesquisadores liderados pelo pesquisador Salvador Gnoato, da PUCPR, listou cerca de 150 imóveis modernos, a maior parte no bairro mais antigo, incluindo edifícios.

A listagem foi aceita pelo Ippuc e pela Secretaria Municipal de Urbanismo, mas há um vácuo no que diz respeito aos condomínios. O decreto que protege o patrimônio – conhecido como Uips, as Unidades de Interesse de Preservação – "não serve para prédios", como frisa Salvador Gnoato. Os recursos para que os proprietários protejam imóveis antigos vêm do desconto no IPTU e venda de potencial construtivo, mas não se sabe como calcular isso em áreas caríssimas, onde estão os prédios, cujos proprietários podem ser uma centena de famílias. "Seria preciso uma legislação específica para condomínios", defende o arquiteto.

As perspectivas para os prédios antigos, contudo, não são boas. Curitiba estagnou na política de patrimônio. As Uips são alvo de derrotas na Justiça. A proposta de uma lei municipal de tombamento estacionou no Ippuc e na Fundação Cultural de Curitiba. Enquanto isso, prédios como o "Marumby", o pioneiro, vão sendo descaracterizados. Há os prédios fechados, como o déco Ed. Tiradentes, na Cândidpo Lopes, 14. E outros pedindo restauros urgentes, a exemplo do "cinquentão" decadente com elegância da Alfredo Bufren esquina com a Presidente Faria.

Patrimônio histórico 2

A lista de prédios modernistas com recomendação de proteção como patrimônio inclui condomínios e edifícios comerciais. Fazem parte do pacote o antigo Hotel Eduardo VII (Cândido de Leão, 15, de 1954); a velha sede do Clube Curitibano (Rua XV, 500/504, de 1948/1951); o Edifício Itália (R. Fernando Moreira, 33, de 1962/1964; o Edifício Santa Júlia (Praça Osório, 15, de 1954); o Edifício América (Rua Frei Caneca com André de Barros, de 1960) e o evidente "Rosa Perrone" e "Marumby", citados nessa reportagem. Ao todo, a lista traz 22 condomínios.

Hora do tour

Marcadamente modernista, Curitiba bem poderia chamar mais atenção para seu patrimônio edificado em condomínios residenciais e comerciais. Desvalorizados pela falta de manutenção e pela pichação, muitos desses exemplares mal são notados pela população. Deveriam levar escolares para vê-los, em excursões educativas. Um exemplo de grandeza arquitetônica é o do Edifício Pedro Demeterco, o prédio rosa, com 13 andares, cúpula e portaria esplêndida, na Marechal Deodoro esquina com Doutor Muricy, inaugurado em 19 de dezembro de 1953.

      Numa das melhores cenas de Edifício Master, documentário que registra os bastidores do famoso condomínio de Copacabana, no Rio, o cineasta Eduardo Coutinho pergunta ao síndico "como ele faz" para dar conta de tanta gente – algo como 500 pessoas. E gente tão diferente, de egressos do fã-clube de Frank Sinatra a bandas de rock. A resposta é um clássico do mau humor: "Uso o método Piaget. Se não funciona, aplico o Pinochet".

      SLIDESHOW: Saiba mais sobre os edifícios e seus síndicos

      A fala do filme foi repetida para dez síndicos que atuam em Curitiba, à guisa de teste. Todos caíram na risada. Alguns admitiram ter vontade de fazer o mesmo em seus postos de trabalho, o que não é de causar espanto: a babel do Edifício Master lhes soa familiar.

      A Gazeta do Povo "bateu na portaria" de mais de 20 edifícios antigos do Centro de Curitiba – menos da metade atendeu. A proposta era saber dos desafios enfrentados pelos administradores de construções que ultrapassaram 35 anos de uso, habitadas na maioria por idosos e universitários "em trânsito", ambos em fases da vida em que tudo "o que não querem" é gastar energia com a pintura da fachada.

      Os apartamentos são amplos, com pé direito que respeita a dignidade humana, mas a manutenção dos canos e do telhado provoca insônias. Portaria – 24 horas –, com quatro funcionários a postos. Garagem, nem sempre tem, ou tem de menos, o que exige manobrista. A inadimplência beira os 30%. Resta o consolo de que o Centro oferece de tudo, mas traz no pacote violência, drogadição e mendicância.

      O saldo dessa conversa é previsível: nem Piaget nem Pinochet dariam conta do recado. Ser síndico em prédio antigo é uma tarefa tão delicada que mereceria uma comenda do Itamaraty. "Sou um verdadeiro diplomata", resume o empresário aposentado Edson Antunes Neto, 70 anos, síndico do elegante Edifício Leonor Moreira Garcez, na Rua Cândido Lopes. "Vivi sete anos debaixo de uma guerra, em Trípoli. Condomínio nenhum me assusta", brinca o empresário libanês Zakaria Ali Samad, 50 anos, há oito à frente do Edifício Provedor André de Barros, uma muralha de 23 andares na Praça Osório.

      Se o testemunho de Edson e Zakaria não for convincente o bastante, restam as estatísticas. De acordo com o IBGE e demais órgãos oficiais, o Centro tem 37 mil habitantes – 93% deles divididos em uma selva de 800 edifícios e 23,3 mil domicílios que começaram a espetar no início do século 20, mas que ganharam a forma moderna a partir de 1940, com o Edifício Pizzatto – cinco andares, erguido para uma única família –, e em 1948, com o Edifício Marumby, 12 andares, multifamiliar. Ambos ficam nas imediações da Praça Santos Andrade.

      Dali em diante, o Centro cresceu sem censura. Até que em meados da década de 1980 o bairro estagnou. Cinco mil moradores fizeram as malas. Em paralelo, Bigorrilho e Cabral dobrariam sua população. Sem novas construções, o "Centrão" virou lugar de peças arqueológicas erguidas entre 30 e 60 anos, não poucas assinadas por mestres como Elgson Ribeiro Gomes, Romeu Paulo da Costa, Rubens Meister. Um luxo.

      Os moradores seguem a tendência de envelhecimento. Ali moram 1,6 mil pessoas com mais de 80 anos. Há outros 4 mil entre 60 e 74 anos. Quase 20% dos moradores são singles e 67% não são nascidos em Curitiba, o que faz do bairro o mais estrangeiro de todos. Crianças? Os condôminos sabem quantas são de cabeça.

      O Centro só saiu do limbo no fim dos anos 1990, com a chegada do espigão GreenTower, na Emiliano Perneta. Embalou. Em 2011 e 2012, foram dez novos empreendimentos. Mesmo assim, dados do setor imobiliário indicam que 50% das ofertas na região estão em edifícios antigos. São charmosos, mas metem medo. Morar num deles não é tarefa para amadores. Nos condomínios mais vividos, a história está na centésima página. É preciso pedir licença para entrar. Eis a regra.

      Na vertical

      Brevíssima história dos condomínios da capital

      Todos os anos, no dia 29 de março, os aproximados 150 moradores do Edifício Marumby, na Praça Santos Andrade, são convocados para uma festinha de aniversário no saguão. Os condôminos não cantam "Parabéns" para Curitiba, que faz anos neste dia, mas para o prédio, conhecido como o primeiro condomínio vertical da cidade.

      A comemoração diz muito sobre o local. Mais do que moradias empilhadas, o Marumby se tornou uma comunidade, iniciada em 1948, com orgulho expresso de ser a primeira a atingir 12 andares, um feito na acanhada capital do pós-guerra. Mas antes dessa, houve outras tentativas de fazer a cidade beijar as alturas.

      O historiador Marcelo Sutil, autoridade na Belle Époque paranaense, lembra que a rica família Hauer vivia em um palazzo eclético na Praça Tiradentes com a Monsenhor Celso. E que o Palácio Avenida, inaugurado em 1929, já incluía apartamentos para moradia. Quando o sóbrio estilo art déco ganha as ruas, Curitiba vai ser premiada com uns tantos "prédios deitados", como o arquiteto Key Imaguire, da UFPR, chama as compridas moradias de dois andares, a exemplo da erguida na Rua Saldanha Marinho com a Desembargador Motta. "Era essa a solução quando as limitações construtivas não permitiam elevadores", ilustra Key.

      Em 1941, num desafio às limitações, a prefeitura chamou o arquiteto francês Alfred Hubert Donat Agache "para levar a cidade à modernidade", ilustra o arquiteto Salvador Gnoato, da PUCPR. Os prédios com quatro e cinco andares não tardariam a chegar, sem muita lógica, apinhando ruas estreitas do Centro Velho. Desprezam-se os carros. Importa estar no Centro. O primeiro a ter garagem teria sido o "Palacete Graças a Deus", um déco nos altos da Rua XV, inaugurado em 1950.

      O próximo passo foi rodear as praças, dando-lhes ares de metrópole, até o esgotamento do modelo. Em meados da década de 1960, o projeto assinado pelo arquiteto Jorge Wilheim indicava que lugar de arranha-céus era nas estruturais, como a Visconde de Guarapuava. A criação do curso de Arquitetura da UFPR, em 1963, reforça a tendência: "Passa-se a graduar modernistas. Com eles, mais prédio", diz Key.

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      Perspectivas

      De acordo com o Perfil Imobiliário 2013, publicado em parceria com a Gazeta do Povo, o Centro cresce 0,72% ao ano. Até 2018, o bairro vai ganhar 1.963 novos domicílios. Um total de 58% dos moradores tem mais de 30 anos, sendo 39 anos a idade média. São 2 habitantes por domicílio, com renda mediana de R$ 3,9 mil.

      Síndicos

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