Com Lula (PT) à frente da Presidência da República, deputados federais e senadores de direita têm se articulado ainda durante o recesso para construir uma oposição robusta capaz de frear a forte e violenta guinada à esquerda e viabilizar avanços em temas caros ao conservadorismo.
Em análise inicial, o resultado das urnas para a próxima legislatura (2023 a 2026) no Congresso Nacional foi favorável à direita. Na Câmara dos Deputados, partidos que costumaram apoiar o governo de Jair Bolsonaro elegeram 260 deputados (50,6% entre os 513), o que, em tese, garante maioria suficiente para aprovar projetos de lei comuns. O Partido Liberal (PL), que almeja ser a grande força de oposição ao governo de Lula no Legislativo, é o que obteve mais deputados eleitos na Câmara, com 99 representantes.
Para o Senado também houve um número expressivo de candidatos que saíram vitoriosos da disputa eleitoral ao defenderem bandeiras conservadoras em suas campanhas. Lá, o PL soma 14 senadores eleitos e também é o partido com mais representantes na casa, mas há candidatos vitoriosos de outros partidos que são, igualmente, defensores de pautas consideradas de direita. A ex-ministra de Jair Bolsonaro Damares Alves, por exemplo, pertence ao Republicanos, assim como o vice-presidente Hamilton Mourão, enquanto a também ex-ministra Tereza Cristina é filiada ao PP.
Há, no entanto, o reconhecimento de que nem todos os parlamentares que se elegeram como conservadores o são de fato, e que até no PL existem aqueles que não comungam de posicionamentos à direita. Com isso, parlamentares conservadores reeleitos para as duas casas legislativas ouvidos pela Gazeta do Povo projetam estratégias para frear possível avanço progressista enquanto calculam riscos de eventual “debandada” de virtuais apoiadores em determinadas pautas devido, por exemplo, a investidas do novo governo ou à sensibilidade dos temas.
Pressão popular é receita para garantir compromisso com bandeiras de campanha
Deputados e senadores ouvidos pela reportagem são unânimes tanto em estimar a presença de um maior número de propostas com temáticas de esquerda em ambas as casas devido ao “efeito Lula” quanto em considerar impactos de eventuais “traições” de posicionamentos de parlamentares.
O deputado federal Cabo Junio Amaral (PL-MG) calcula que na nova legislatura haja um máximo de 150 deputados que seriam imutáveis em relação aos seus posicionamentos conservadores, o que representaria menos de 30% da Câmara. “Acho que vai variar entre esse número de parlamentares que vão manter um posicionamento firme, de oposição, com suas convicções ideológicas”, diz Amaral.
“O Congresso é, no papel, em maioria conservador. Porém, é claro que muitos que estão lá são mais fisiológicos do que ideológicos. Então são esses fisiológicos que vejo que vão se entregar nas votações, para ser ou uma base mais fiel ou pelo menos uma base de ocasião do novo governo”.
O senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) também aponta o risco de mudanças de posicionamento por conveniência e recorda que nas eleições de 2018 houve um grande número de eleitos ao Congresso na chamada “onda Bolsonaro” que mudaram de posicionamento político durante o exercício do mandato.
“Infelizmente, sabemos que o histórico até aqui indica uma mudança de posição em favor de quem administra a máquina. Mas observe que o Brasil está mudando: os parlamentares bolsonaristas que mudaram drasticamente de posição não conseguiram votos para garantir a reeleição, a exemplo do Alexandre Frota e da Joice Hasselmann. Então a minha expectativa é de que possamos eliminar os riscos de debandada fazendo os novos parlamentares dialogarem com os anseios dos seus eleitores e não com os apelos de um sistema político degradante”, declara o senador.
Para Junio do Amaral, o caminho possível para impedir o abandono das bandeiras defendidas nas campanhas dos eleitos é a pressão popular, tanto em manifestações virtuais quanto presenciais. “Isso vai ser determinante para que esses parlamentares que vão ser os ‘fiéis da balança’ entendam que estão sendo monitorados e cobrados, e que as pessoas estarão insatisfeitas com qualquer mudança de postura”, diz.
Erros da legislatura passada devem ser corrigidos com urgência, diz deputado
Além da pressão popular, o caminho para impedir o avanço do progressismo no Congresso, segundo os parlamentares, passa por itens como a união da direita dentro nas casas legislativas; a ocupação de espaços estratégicos, em especial nas comissões temáticas; e o chamado “kit obstrução”, que tem como objetivo impedir o progresso de votações e outros procedimentos por meio de pronunciamentos, pedidos de adiamento de discussão e votação e saída do Plenário para evitar quórum.
Na avaliação do deputado Diego Garcia (Republicanos-PR), presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família, a legislatura que termina foi marcada pela omissão de um grande número de deputados de direita quanto ao que chama de “ocupação de espaços estratégicos” dentro da casa. Segundo o deputado, a postura dos novos eleitos, em especial quanto à participação nas comissões, será determinante para o sucesso ou não da bancada conservadora a partir de 2023.
“Iniciando o próximo ano vamos ver se esses parlamentares novos que chegam vão compreender esse cenário e vão, de fato, ser deputados atuantes, presentes nas comissões – principalmente nas temáticas, por onde passam essas pautas mais ideológicas –, ou se vão ficar apenas ficar falando para seus seguidores nas redes sociais”, declara Garcia.
Para o deputado, outro componente que deve ser corrigido com urgência é a falta de união entre partidos e parlamentares que possuem posicionamento à direita. Segundo Garcia, passados quatro anos do ingresso recorde de representantes de direita no Congresso, ainda não há um movimento coeso e organizado dentro da Câmara que seja capaz de fazer a oposição adequada ao futuro governo.
Nas últimas semanas do ano passado, passou a haver uma pequena movimentação nesse sentido em decorrência da censura imposta pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a vários parlamentares, que tiveram suas contas nas redes sociais suspensas por ordem judicial. “Mas o número de parlamentares que compõem esse grupo ainda é pequeno. No Legislativo, você não consegue dar um passo sozinho, então precisa ter esse trabalho coletivo”, afirma.
“Os partidos também precisam se unir para compor um bloco de oposição o quanto antes, porque se isso não acontecer, as legendas vão sendo assediadas para compor um bloco para trazer governabilidade ao próximo presidente”, enfatiza.
Principal força de oposição, PL busca se estruturar para evitar rachas no partido
Uma oposição ferrenha ao Partido dos Trabalhadores (PT) no Congresso é vista por integrantes do PL como uma oportunidade de ouro para a sigla se consolidar como uma das maiores do país, e não como partido de uma só eleição. Para evitar o enfraquecimento da legenda, membros do PL têm se reunido com a alta cúpula do partido, a exemplo do presidente Valdemar Costa Neto e do líder da sigla na Câmara, deputado Altineu Côrtes (PL-RJ), na tentativa de estruturar o partido para que se organize como um bloco de oposição e evite que seus membros “pulem a cerca” em suas atuações no Legislativo.
“Se o partido rachar e alguns parlamentares acabarem não seguindo as orientações do partido como sendo a maior força política de oposição do país, isso será prejudicial e vai acabar fazendo com que o PL caia na vala comum. Ele acabaria não sendo essa força, que tem tudo para prosperar no futuro e se tornar gigante”, diz o deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ), que pleiteia a liderança da oposição na Câmara.
Para Jordy, caso o PL se mantenha coeso individualmente e em conjunto com outros partidos que sinalizam visão mais alinhada à direita, deve haver dificuldade para que projetos de lei progressistas ganhem corpo. “Com o número de deputados que temos não só do PL, mas também de outros partidos que são de direita, haverá uma tropa de choque que não dará trégua para o PT e não recuará para impedir o avanço de propostas que prejudiquem a sociedade em geral”, complementa.
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