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Vulnerabilidade social

Barracões clandestinos mantêm escravos do lixo reciclável

Dirceu* mora em um cômodo de cortiço improvisado no barracão no qual está “preso” | Hugo Harada/Gazeta do Povo
Dirceu* mora em um cômodo de cortiço improvisado no barracão no qual está “preso” (Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo)

Os materiais recicláveis se amontoam, abarrotando um dos barracões que servem de depósito, em uma viela da Vila das Torres, em Curitiba. À beira das pilhas de papelão, sucata e vidro, se espremem oito cômodos de madeira que compõem uma espécie de cortiço. Em cada quarto, vive uma família de catadores – todos relegados a uma condição análoga à escravidão. São vítimas de um esquema no qual, em troca do empréstimo do carrinho e do aluguel do quarto, se obrigam a vender ao dono do barracão tudo o que catam, mas por preços bem menores do praticado no mercado. Encontram-se presos a essa dinâmica de exploração.

Não se trata de um caso isolado. A Gazeta do Povo teve acesso a três depósitos de materiais recicláveis. Todos mantinham catadores atrelados por meio do aluguel de quartos diminutos – chamados “peças” – e do fornecimento de carrinhos. A partir de entrevistas com catadores, a reportagem identificou mais de uma dezena de barracões que funcionam a partir dos “escravos”, em diversos bairros.

Enquanto o setor de reciclagem movimenta R$ 12 bilhões por ano no Brasil, esses trabalhadores vivem na miséria. Em média, recolhem 300 quilos de recicláveis por dia, pelos quais recebem entre R$ 30 e R$ 60 (dependendo do tipo do material). Registro em carteira e outros direitos básicos não passam de sonho. Por sua vez, os barracões chegam a vender o volume trazido pelos catadores pelo dobro do preço. Funcionam como atravessadores, que se mantêm a partir dessa modalidade de exploração. Permanecem na clandestinidade, sem registros ambientais ou vistorias.

“Presos”

A filha de Anderson* e Aline*, ambos com 21 anos, acabou de completar um ano de idade, mas seu mundo se restringe aos muros do depósito onde a família vive. Todos os dias, o rapaz percorre mais de 20 quilômetros para “puxar papelão”. A esposa fica cuidando da criança na “peça” que ocupam, alugada por R$ 60 por semana. Trata-se de um cômodo que não chega a dez metros quadrados, onde um pedaço de espuma suja serve de colchão.

“Eu me sinto como um cavalo, mas ‘tô ‘amarrado’ por causa do aluguel. Eu ‘tô preso ao lixo (...) Eu queria outro lugar, [em] que pudesse puxar papel e não sofresse tanto”, diz o rapaz, que de segunda a sábado sai para fazer a coleta, faça chuva, faça sol. “Se não for pra rua, o homem [dono do barracão] cobra, fica bravo, faz pressão. E tem que voltar sempre com o carrinho cheio. Não tem conversa”, acrescenta.

Há um ano e meio, José Marcos*, de 53 anos, está vinculado a um mesmo barracão. Vende o papelão que coleta a R$ 0,17 o quilo, que é repassado pelo “chefe” por R$ 0,30 a uma empresa de reciclagem. Na avaliação dele, a falta do instrumento de trabalho e de um local onde possa separar os materiais o impede de se libertar do esquema. “Eu fico preso ao dono [do barracão]. Se não tivesse, poderia escolher quem tivesse melhor preço. Infelizmente, eu ‘tô sujeito a isso”, lamenta.

*Os nomes foram substituídos para proteger os trabalhadores

Barracão mantém um cortiço improvisado (à direita da imagem), onde catadores moram | Hugo Harada/Gazeta do Povo

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Barracão mantém um cortiço improvisado (à direita da imagem), onde catadores moram

Carrinhos são cedidos aos catadores que, em troca, são obrigados a vender o material ao dono do galpão | Hugo Harada/Gazeta do Povo

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Carrinhos são cedidos aos catadores que, em troca, são obrigados a vender o material ao dono do galpão

Quartos improvisados ficam próximo ao material reciclável acumulado, facilitando a proliferação de ratos | Hugo Harada/Gazeta do Povo

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Quartos improvisados ficam próximo ao material reciclável acumulado, facilitando a proliferação de ratos

Carrinhos em frente a barracão indicam a grande movimentação no local | Hugo Harada/Gazeta do Povo

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Carrinhos em frente a barracão indicam a grande movimentação no local

Carrinheiro acendo fogo no chão para cozinhar sua refeição, no quarto em que ocupa | Hugo Harada/Gazeta do Povo

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Carrinheiro acendo fogo no chão para cozinhar sua refeição, no quarto em que ocupa

Banheiro e tanque são usados coletivamente por todos os moradores do cortiço: limbo e cheiro forte | Hugo Harada/Gazeta do Povo

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Banheiro e tanque são usados coletivamente por todos os moradores do cortiço: limbo e cheiro forte

Casal vive com a filha de um ano em quarto de oito metros quadrados, em galpão de reciclagem | Hugo Harada/Gazeta do Povo

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Casal vive com a filha de um ano em quarto de oito metros quadrados, em galpão de reciclagem

Reportagem visitou três galpões que mantêm catadores e identificou outra dezena de galpões | Hugo Harada/Gazeta do Povo

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Reportagem visitou três galpões que mantêm catadores e identificou outra dezena de galpões

Catadores chegam a vender os materiais aos donos de barracão pela metade do valor praticado em mercado | Hugo Harada/Gazeta do Povo

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Catadores chegam a vender os materiais aos donos de barracão pela metade do valor praticado em mercado

Catador separa produtos recicláveis ao lado do quarto que ocupa | Hugo Harada/Gazeta do Povo

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Catador separa produtos recicláveis ao lado do quarto que ocupa

Quarto e material, lado a lado | Hugo Harada/Gazeta do Povo

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Quarto e material, lado a lado

Catador anda, em média, 20 quilômetros por dia, recolhendo materiais como papelão e plástico | Hugo Harada/Gazeta do Povo

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Catador anda, em média, 20 quilômetros por dia, recolhendo materiais como papelão e plástico

Trabalhadores chegam a catar 400 quilos de recicláveis por dia | Hugo Harada/Gazeta do Povo

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Trabalhadores chegam a catar 400 quilos de recicláveis por dia

Adolescente trabalha na separação de material, em galpão de recicláveis | Hugo Harada/Gazeta do Povo

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Adolescente trabalha na separação de material, em galpão de recicláveis

 | Hugo Harada/Gazeta do Povo

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Dirceu* ganha, em média, 40 reais por dia, a partir da venda de produtos recicláveis | Hugo Harada/Gazeta do Povo

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Dirceu* ganha, em média, 40 reais por dia, a partir da venda de produtos recicláveis

Material já separado e prensado, pronto para a venda a usinas de reciclagem | Hugo Harada/Gazeta do Povo

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Material já separado e prensado, pronto para a venda a usinas de reciclagem

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