Contratar uma barriga de aluguel na Ucrânia custa US$ 63 mil. Na Colômbia, US$ 75 mil. Nos Estados Unidos, até US$ 130 mil. Além disso, há os custos de deslocamento para buscar a criança. E o risco, como tem acontecido com a guerra em solo ucraniano, de simplesmente não ter acesso à pessoa contratada para engravidar. Por que tantas famílias brasileiras se dão a esse trabalho? E, principalmente, quais os dilemas éticos e morais de pagar para outra mulher ser a gestante de um filho gerado por outro casal?
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“A vontade de ter um filho com a própria genética é uma questão cultural”, avalia Lenise Garcia, presidente do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida. “Além disso, a indústria de reprodução assistida, que é bastante lucrativa, faz um trabalho de marketing muito eficiente. As questões éticas e de saúde não são abordadas. Não há uma reflexão sobre o tema”.
Na educação da criança, diz ela, fica um “vício de origem”. “A criança nasceu de uma relação comercial. Ela não tem culpa, mas, por outro lado, a prática viola a própria dignidade humana. Já fica essa marca no histórico dessa pessoa”. A vida, que tem valor incalculável, é precificada e manipulada, o que leva a pessoa gerada dessa forma a ter graves dilemas psicológicos com o passar do tempo.
Como aponta a advogada Regina Beatriz Tavares da Silva, pós-doutora em Direito da Bioética e presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), a barriga de aluguel cria uma dificuldade para a formação da individualidade da criança: “O ser humano gerado por essa técnica jamais saberá qual é a sua origem biológica, de onde veio, o que cria um vazio existencial, além da possibilidade involuntária de incesto”.
As duas especialistas concordam: a prática, que é proibida no Brasil, deveria permanecer assim. “Ter um filho é um ato de amor que deveria estar totalmente despregado dos interesses individuais do homem e da mulher que têm problemas médicos que impeçam ou contraindiquem a gestação. É inadmissível uma locação de um ventre para gerar uma criança, com o agravante de que, na gestação de substituição, evidentemente há uma violação aos direitos da gestante, que acaba se apegando ao ser gerado em seu ventre”, diz Regina Beatriz.
“É positivo que a prática não seja permitida no Brasil. Para a mulher que se submete, certamente, é degradante. Essa exploração vai contra a dignidade da pessoa, tanto quanto da criança que nasce sob essas circunstâncias”, concorda Lenise.
Entenda a legislação
De fato, não existe no Brasil a figura da barriga de aluguel. O tema não é regulamentado por lei específica, mas uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), publicada em 2017 e atualizada em 2021, trata da chamada “gestação de substituição”, ou “cessão temporária do útero”.
Determina que a mulher que empresta o corpo para a gravidez de outro casal (que pode ser homoafetivo) deve ter ao menos um filho vivo e pertencer à família de um dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto grau. Se a mulher estiver em um relacionamento estável, o(a) companheiro(a) deverá assinar um termo informando que concorda com a decisão.
Qualquer outro caso fica sujeito a avaliação. “É possível recorrer a pessoas fora do círculo familiar, mas será preciso solicitar autorização do Conselho Regional de Medicina”, explica a advogada Luciana Munhoz, especialista em Biodireito e Saúde.
Cobrar dinheiro pelo serviço é crime enquadrado na Lei de Transplantes de 1997, que proíbe a venda de órgãos, tecidos e partes do corpo. Mas não há impedimento legal para contratar barrigas de aluguel fora do país, desde que a nação em questão autorize o procedimento. A Ucrânia está nessa lista.
Em algumas nações, como México, Índia e Tailândia, pagar por uma gestação em outra mulher é permitido, mas apenas para os residentes do país. Já nos Estados Unidos, na Grécia, na Colômbia, na Albânia e na Ucrânia,porém, os estrangeiro também podem solicitar o serviço. Os preços médios são altos: vão de R$ 75 mil na Albânia e na Colômbia a até US$ 130 mil nos Estados Unidos.
Contratar uma barriga de aluguel no exterior não significa infringir nenhuma lei brasileira, explica Luciana Munhoz. “Não há influência da legislação do Brasil sobre as crianças que nascem no exterior. Ela pode ser registrada no país onde nasceu, e também no Brasil, de forma a adquirir dupla nacionalidade. Do ponto de vista jurídico, é considerado um caso de adoção internacional”. Mas as questões de fundo ético e moral permanecem.
Adoção é alternativa viável
A melhor alternativa à procura por barriga de aluguel no exterior, aponta a presidente da ADFAS, seria a adoção. “É a melhor e mais respeitosa maneira de ter um filho se não for possível engravidar. Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente, o adotado tem o direito de saber quem são sua mãe e seu pai biológicos”.
Lenise Garcia concorda. “A adoção tem a finalidade de dar pais a crianças, e não crianças a pais. Ela tem a função de resolver a situação dos dois lados, a criança em necessidade e também a situação de pessoas que por algum motivo não conseguem ter filhos de uma forma natural”.
Ela lembra que a relação de pai e mãe com um filho é uma das mais íntimas e profundas para um ser humano. “Quanto mais complicação eu tenho na constituição da família, mais tratamos a relação mais íntima de uma pessoa de uma forma artificial e comercial. Isso tem efeito sobre como o ser humano vê a si mesmo”.
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