O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso| Foto: Carlos Moura/SCO/STF.
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O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, admitiu não ter certeza sobre a suposta “tentativa de golpe” atribuída aos manifestantes do 8 de janeiro, mas reforçou o que chamou de “papel de resistência” do STF para combater o avanço da direita, a quem responsabiliza pela criação de “ambiente muito agressivo”.

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As declarações foram dadas durante palestra a estudantes da Instituição Hoover, ligada à Universidade de Stanford. A palestra foi mediada pelo professor de Direito Constitucional do Insper, Diego Werneck Arguelhes, na semana passada.

"Não sei até que ponto chegamos perto de um golpe, mas não tenho dúvidas de que muitas pessoas estavam empenhadas em realizá-lo [...] Estamos falando de pessoas que foram capazes de invadir o Supremo Tribunal Federal, o Palácio do Planalto e o Congresso no dia 8 de janeiro, após as eleições”, afirmou Barroso.

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“Agora, imagine o que essas pessoas poderiam fazer nas mesas de votação, onde achavam que perderiam as eleições em um ambiente muito agressivo, como o que se criou no Brasil. Uma das piores coisas que aconteceram nos últimos quatro anos foi o surgimento de um tipo de atitude política que nunca havia ocorrido no Brasil: muito agressiva, muito violenta”, completou.

“Resistência”

De acordo com Barroso, o STF foi usado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como inimigo para “dividir a sociedade”.

“É uma tática típica do populismo dividir a sociedade entre ‘nós’, as pessoas decentes, e as ‘elites corruptas’. O Supremo Tribunal Federal foi o símbolo que o presidente escolheu para representar as elites que ele não gostava e que o povo não deveria gostar”, disse Barroso.

“O tribunal assumiu o papel de resistência no Brasil, porque os perigos eram enormes. Eles eram muito estruturados, com apoio internacional, inclusive dos EUA. Tinham sites, grupos organizados e uma estrutura profissional para atacar as instituições, o Congresso (quando não tinham maioria) e o Supremo Tribunal Federal, além da imprensa. Estavam tentando desacreditar todas as instituições democráticas, incitando as pessoas a invadir o tribunal e nos retirar à força”, continuou.

Segundo Barroso, foi esse cenário que justificou a abertura dos inquéritos do 8 de janeiro.

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“Abrimos um inquérito no Supremo Tribunal. Foi muito atípico, mas era a única forma de realmente evitar o pior, e acho que conseguimos. O ex-presidente foi derrotado em 2022, mas teve 49% dos votos. Isso significa que 49% da população brasileira acha que o tribunal é um problema, porque era essa a narrativa de sua campanha”, afirmou.

Barroso ainda disse que, quando questionados, os apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro “não conseguem citar uma decisão específica que tenha causado esse problema” ao governo anterior.

Segundo um levantamento da Gazeta do Povo, entre 2019 e 2021, o STF atacou o governo cerca de 123 vezes.

Opinião pública

Barroso também chamou Bolsonaro de negacionista, ao se referir ao período da crise sanitária causada pela Covid-19, e falou sobre pesquisas recentes que demonstram o descontentamento da população com o STF.

“Recentemente, o Datafolha revelou que temos apenas 49% de apoio da sociedade brasileira. Eu pensei: ‘Graças a Deus, poderia ser muito pior’, pois somos nós que decidimos todas as questões divisivas da sociedade brasileira. Sempre estamos desagradando a alguém — indígenas ou agricultores, governo ou contribuintes. Estamos constantemente decidindo questões que geram divisão”, disse.

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Controle das redes sociais 

Barroso admitiu que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) passou a “monitorar” as redes sociais e lembrou do acordo imposto às plataformas na última eleição.

“Nós monitorávamos as redes sociais, e sempre que algo preocupante surgia — não as disputas entre os candidatos, mas ataques à democracia e ao sistema eleitoral e sua integridade —, agíamos. Isso funcionou muito bem, e removemos muitos conteúdos impróprios. Acho que o uso indevido da internet e das redes sociais não foi decisivo nas últimas eleições, exceto no que é inevitável, como candidatos se acusando mutuamente de várias coisas. Portanto, tivemos um controle bastante eficaz nesse aspecto”, destacou.

Ativismo judicial

Barroso também foi questionado sobre a quantidade de casos que passam pelo STF. O professor Arguelhes citou estatísticas recentes que apontam que o Supremo julga cerca de 90 mil casos por ano.

Para Barroso, o número é fictício já que, segundo o ministro, “em 98% ou 99% das vezes”, o STF apenas reafirma a decisão do tribunal de primeira instância.

“Há uma grande quantidade de casos que decidimos nos chamados plenários virtuais, que são decisões tomadas online [...]  Portanto, é um pouco fictício dizer que decidimos 90 mil casos, mas, mesmo assim, trabalhamos muito, e a carga de trabalho é enorme”, afirmou.

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Em tom de crítica, Barroso ainda disse que “a Constituição brasileira aborda muitas questões que, na maior parte do mundo, são deixadas para a política. Ela trata do sistema de seguridade social, do sistema tributário, do sistema de saúde, da educação, da proteção ambiental, da proteção das comunidades indígenas, do papel do Estado na economia, da família, da proteção dos idosos, entre outros temas”

“Assim, no Brasil, assuntos que em outras partes do mundo seriam considerados questões políticas acabam se tornando questões de jurisdição constitucional”, completou.

O ministro também explicou que diferente de outros países, a Corte Superior do Brasil pode ser acionada por diversas entidades em ações diretas.

“Existem mais de 100 entidades públicas e privadas que têm legitimidade para provocar o tribunal. O presidente pode fazê-lo, o procurador-geral pode fazê-lo, os governadores estaduais podem fazê-lo, o Congresso pode fazê-lo, as assembleias legislativas estaduais podem fazê-lo. Todos os partidos políticos com representação no Congresso podem ajuizar uma ação direta no Supremo Tribunal. A Ordem dos Advogados do Brasil pode fazê-lo, assim como as confederações nacionais, as organizações profissionais e todos os sindicatos nacionais”, argumentou.

Para Barroso, TSE é “exemplo para o mundo”

Apesar das críticas ao arranjo constitucional que permite uma atuação muito abrangente do STF, Barroso afirmou que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) - composto em parte por ministros do STF - “é um exemplo para o mundo”.

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“Temos uma Justiça Eleitoral, um tribunal nacional que supervisiona as eleições e tribunais estaduais que também supervisionam o processo eleitoral. Assim, as controvérsias relativas às eleições são decididas por juízes, e não por pessoas com filiações políticas. Isso torna o nosso sistema bastante seguro”, afirmou.

Ao contrário do que afirmaram técnicos em ocasiões diversas, Barroso garantiu que “todos podem verificar o código-fonte [das urnas eletrônicas], e, depois, ele é lacrado”.

“O sistema nunca fica online, então não pode ser hackeado. Os dados são inseridos nas urnas eletrônicas por meio de pen drives. Temos 150 milhões de eleitores no Brasil e, duas horas após o término das eleições, anunciamos os resultados. O sistema funciona muito bem, e não há como fraudar. Alegar que o sistema é vulnerável é uma mentira total, um argumento fraudulento usado pelo ex-presidente [Jair Bolsonaro]”, completou.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]