O que se vê nas páginas dos jornais
Entre os meninos de 4 Pinheiros, há quem aprove o que se vê nas páginas dos jornais. Para Gustavo Euzébio, 16 anos, por exemplo, o dinheiro do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, encheu de alegria as páginas do jornal. Ele entende que esse dinheiro vai ajudar muita gente. "Mas ainda falta muito para a imprensa ter piedade de quem sofre", arremata Marcos, numa tirada capaz de arrancar gargalhadas dos presentes.
No futuro, Tiago Augusto de Araújo, 17, sonha em dar conta do serviço e emplacar a tal da "notícia boa". De todos os participantes da conversa vocacional, ele é o mais convicto de que quer seguir carreira na imprensa. A decisão foi tomada há dois anos, depois de conhecer as estudantes de Jornalismo Paola Carriel e Letícia Leite ambas voluntárias na chácara. "Quero o jornalismo porque essa profissão vai me ajudar a conhecer muita gente diferente" resume o adolescente já cercado da gente diferente que procura.
Sonho possível
Desde sua criação, na década de 90, a 4 Pinheiros atraiu dezenas de protagonistas das causas da infância e adolescência, pois viram ali uma espécie de sonho possível. Todas as terças-feiras, a educadora e pesquisadora da UFPR, Araci Asineli da Luz, trabalha na chácara com alunos da universidade e participantes do projeto Com Viver.
O local atrai, não é de hoje, voluntários estrangeiros, como a suíça Anna Katharina Schmid, e apoiadores do quilate do promotor de Justiça Olympio Sotto Maior Neto. A lista é extensa, passa por juízes, jornalista, conselheiros tutelares, educadores, religiosos e por gente como a cabeleireira Marlene Aparecida Peixoto.
Esta semana, Marlene foi homenageada pelos meninos da chácara por seus préstimos de tesoura e gel. Os serviços da amiga em muito contribuem na hora de preparar os meninos para o dia em que o cartazete do auditório pode virar um retrato de formatura. Seu lugar na parede está reservado.
O auditório da Chácara dos Meninos de 4 Pinheiros, em Mandirituba região metropolitana de Curitiba , tem poucos adornos. No salão vazio, com piso de azulejos brancos, vê-se o modesto palco ao fundo e nada mais. Ou quase nada. No cenário franciscano onde transitam cerca de 80 crianças e adolescentes que experimentaram situação de abandono e violência, destaca-se uma série de cartazetes enfileirados nas paredes, nos quais consta o nome dos moradores da casa e a profissão que cada um sonha seguir.
Está escrito: Alan Rafael quer ser caminhoneiro; Jhonatan Felipe, bombeiro e Jonathan Gomes trabalhar numa ONG que ajude as vítimas da aids. Carlos Rodrigues e Jocemar da Costa planejam ser cantores; Paulo da Costa vai ser goleiro e Rodolfo de Souza, advogado. Arrisca que 50% dos demais queiram ser jogadores de futebol, embora lidar com computadores seja uma das carreiras em ascensão no banco de talentos da chácara. Em tempo, não faltam candidatos a motoristas de ônibus ou a skatistas, particularmente entre as crianças.
A lista uma versão local do famoso "o que você vai ser quando crescer" funciona como uma sala de retratos das formaturas que ainda não aconteceram. Mas que têm tudo para acontecer. É preciso que os garotos não se esqueçam disso. Para se prevenir dos casos em que a memória insiste em falhar, o educador Fernando Francisco de Góis criador e idealizador da chácara providenciou uma grande faixa em que está escrito: "Sonho que se sonha junto se torna realidade". A frase tem mais autoridade por ali que o "Ordem e Progresso" da Bandeira Nacional.
Não é sua única estratégia de Góis em prol da auto-estima dos garotos. Todos os anos, na Semana da Criança ocasião em que a chácara se abre para encontros com professores de Mandirituba, voluntários, familiares, padrinhos e benfeitores do abrigo , Góis pede que os meninos elejam uma profissão, convida profissionais da área e promove um encontro temático com a rapaziada. Em 2007, a escolha recaiu sobre o jornalismo, atividade que divide o paladar dos moradores. Há quem esteja em dúvida sobre a rotina agitada de uma redação e a glória de um campo de futebol.
Para ajudar a dizimar as dúvidas, uma roda de conversa, na última quinta-feira, reuniu os jornalistas Lizely Borges, da agência Ciranda, de direitos da infância; Joanita Ramos, professora da faculdade Essei e da pós-graduação em Jornalismo Literário da Faculdade Vicentina; José Carlos Fernandes, da Gazeta do Povo e o acadêmico de Jornalismo Guylherme Custódio, do UnicenP. Da informalidade inicial, logo o bate-papo ganhou o status de amostragem de como crianças e adolescentes em situação de risco vêem a ação da mídia.
Eles querem saber, por exemplo, por que as derrotas dos um dia chamados de "menores" ganham mais espaço nos jornais, revistas e tevês do que as vitórias. "Eu gostaria que o movimento hip-hop fosse sempre notícia. Porque quando o cara canta todas aquelas coisas, ele nunca mais volta a fazer o que já fez um dia", reivindica Marcos Paulo Almeida, no que é apoiado com todas as letras por seu colega de chácara Gustavo Euzébio.
Dúvidas
Marcos e Gustavo têm 16 anos, não sonham cumprir pauta na imprensa quando chegarem à vida adulta, mas, segundo testemunharam, se enchem de dúvidas a cada vez que pegam um jornal nas mãos. A dupla se destacou no debate do qual participaram 20 garotos da 4 Pinheiros ao pedir da turma da imprensa uma explicação para "tanta notícias ruim". "Por que não notícia boa?" Nem o velho chavão de que "notícia não é quando o cachorro morde o homem, mas quando o homem morde o cachorro" serviu de resposta.
É natural. Mais do que ninguém, os meninos da chácara sentem na pele o peso de informações sobre o mundo cão. Muito cedo conheceram o sentido de palavras como violência, abandono, e viram cenas que a maioria dos leitores e telespectadores conhecem apenas dos jornais e da tevê. Ao participarem de um projeto como o criado por Fernando de Góis, encontraram a tal da "notícia boa" que gostariam de ver estampada por aí. Não é o que acontece, pelo menos não com a freqüência que os entrevistadores -mirins gostariam.
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