Durante a ditadura brasileira, os sermões de alguns padres revelava posicionamentos políticos que não passaram despercebidos pelos agentes do regime militar. Muitos religiosos, padres e bispos, imbuídos da crença de que a fé cristã não estava desligada das questões sociais e políticas, faziam questão de associá-la às lutas sociais dos idos das décadas de 1960 e 1970. Como consequência, alguns foram expulsos do Brasil porque, pelo Departamento de Ordem Política e Social, o Dops, eles eram considerados elementos subversivos ao regime.
Um caso que ganhou notoriedade, principalmente entre os operários paulistanos, é o do padre francês Pierre Wauthier. Ele foi preso em 1968 por ter participado de uma greve em Osasco, São Paulo. Wauthier era um padre operário, trabalhava em uma indústria como retificador e estava associado ao Sindicato de Metalúrgicos de Osasco. "Ele era trabalhador porque esta era uma forma de aproximação da Igreja com os pobres", explica o historiador Marcos Roberto Brito dos Santos, doutorando do programa de pós-graduação em História da Universidade Federal da Bahia. Brito dos Santos pesquisa a reflexão teológica e a atuação de agentes religiosos durante a ditadura e vítimas da repressão.
Sobre a prisão e expulsão de Wauthier, Santos lembra que ele foi preso e interrogado e, segundo o depoimento registrado pelo Dops/SP, o padre tentou se defender dizendo que não era subversivo ou marxista, argumentando que o seu irmão, também padre, havia sido fuzilado por comunistas. Mesmo assim, ele acabou expulso e voltou ao seu país de origem.
Modernização
Segundo o historiador, a atuação política da Igreja Católica ocorreu principalmente porque o Brasil, à época, deixava de ser um país essencialmente rural. E a urbanização fazia com que a Igreja perdesse fiéis. Ou seja, a Igreja teve de se envolver com diversos setores e classes e adotar novos métodos de evangelização para continuar atuante. Resumidamente, é possível afirmar que dentro da Igreja foram criadas duas frentes: os movimentos de direita, que apoiavam o regime militar, e os de esquerda que abominavam a ditadura. "Os de direita, em sua maioria, acreditavam que a Revolução Francesa era um dos grandes males do mundo moderno. Eles eram antimodernistas. Mesmo assim, é possível encontrar também documentos desses grupos apreendidos pelo Dops", afirma Santos. Um dos grupos de direita era a Sociedade Brasileira em Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), ainda existente, que deu origem a dissidências como os arautos do Evangelho.
De esquerda
Já os de esquerda foram duramente controlados, isso porque, conforme a Igreja ampliava sua atuação junto a outros segmentos, principalmente entre os mais pobres, se transformava em alvo mais fácil da repressão policial. Entre os movimentos criados àquela época estavam o Juventude Operária Católica (JOC), Juventude Estudantil Católica (JEC) e o Juventude Universitária Católica (JUC).
O então arcebispo da Arquidiocese de Olinda e Recife, dom Hélder Câmara, criou o movimento Pressão Moral Libertadora (PML), que tinha como objetivo arregimentar pessoas nas diferentes classes sociais para, de forma pacífica, pressionar o governo a mudar as estruturas sociais. O arcebispo também incentivou a Teologia da Enxada, entre os anos 1969-1971, no auge da ditadura brasileira.
Padre Comblin defendia a revolução social
O historiador Marcos Roberto Brito do Santos teve a oportunidade de conhecer pessoalmente o padre José Comblin, um dos agentes religiosos a quem se dedica estudar, anos antes do seu falecimento, em março deste ano. O sacerdote Comblin era de origem belga e, quando chega ao Brasil, começa a atuar como assessor da Juventude Operária Católica (JOC). Depois, ele passa a ser assessor do arcebispo de Recife e Olinda, dom Hélder Câmara, no Recife.
No ano de 1968, dom Hélder pede a Comblin que escreva uma reflexão sobre um documento enviado pelo Conselho Episcopal Latino-Americano, para a reunião do espiscopado que aconteceria naquele ano em Medellín, na Colômbia. Comblin redige o documento, que acaba chegando às mãos de um vereador anticomunista do Recife que tinha feito parte do regime. "O episódio, que ficou conhecido como o Caso Comblin, teve repercussões em todo o país. O documento defendia uma revolução social e criticava o funcionamento da Igreja. "Ainda hoje encontro escritos de intelectuais que se posicionaram na época contra este documento. Um texto do sociólogo Gilberto Freire, grande inimigo da Igreja popular, talvez seja o mais conhecido entre os textos que o combateram", afirma Santos.
Por causa desse escrito, foi solicitada a expulsão do padre do país. Comblin não foi exilado, mas decidiu ir à Bélgica em 1972 e, quando tenta retornar ao Brasil, é impedido de entrar. Ele acaba se exilando no Chile e enfrentando a ditadura de Augusto Pinochet. Volta ao Brasil na década de 1980 e continua atuando junto aos camponeses até o fim da vida.
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