Direito à felicidade, à qualidade de vida, à paisagem, ao trânsito ordenado e ao bem-estar dão sinais de como o Direito evolui para atender às necessidades da humanidade. Há tempos o papel dos legisladores era apenas o de estabelecer obrigações e impor limites ao Estado. De um tempo para cá, a subjetividade tem baseado cada vez mais leis voltadas ao reforço e à proteção das garantias fundamentais e dos direitos sociais. As chamadas liberdades e igualdades individuais e coletivas possibilitam o bom convívio e estabelecem o papel de cada um na sociedade.
Um exemplo recente é a proposta do deputado federal Rogério Carvalho (PT-SE) que inclui o direito à paisagem urbana aos já previstos no Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01). Segundo o parlamentar, a sobreposição de construções de forma desordenada e sem planejamento em meio a espaços arborizados não só polui as cidades visualmente como torna a paisagem dos centros urbanos "degradada e excessivamente homogênea", o que gera, entre outros problemas, desconforto, dano à saúde e prejuízos econômicos.
Carvalho lembra que a preocupação em garantir esse direito em países europeus não é um debate novo. "Internacionalmente, a paisagem é em toda a parte um elemento importante da qualidade de vida da coletividade, pois se constatou que ela desempenha importantes funções de interesse público, nos campos cultural, social e ambiental e constitui um recurso favorável à atividade econômica, cuja gestão adequada pode contribuir para a criação de emprego e renda aos cidadãos."
Baseando-se no direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e sadio e à qualidade de vida, assegurado constitucionalmente no artigo 225, o deputado sugere que a paisagem deve ser entendida como um elemento essencial ao bem-estar individual e coletivo. "A ocupação das ruas pelo comércio, a instalação de antenas de rádio e televisão, torres de telefonia celular, propaganda visual e pichações são exemplos do desrespeito aos direitos da coletividade, transfigurando a estética urbana com base em argumentos equivocados de necessidades econômicas e sociais."
Subjetividade
A evolução do Direito é constante e uma garantia assegurada não esgota a outra, aponta o especialista em Direito Constitucional Luís Henrique Dias. De acordo com o especialista, o objetivo sempre será ampliar as liberdades e o bem-estar da coletividade. "O direito é a base da vida em sociedade e evolui com ela, se ajustando às necessidades que surgem. Não se pode falar em etapa concluída, em ciclo encerrado, mas em contribuições", explicou ao citar os temas ligados ao meio ambiente, à informática e às pesquisas genéticas.
Posição semelhante tem o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), autor da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que altera o artigo 6.° e reforça os demais: "São direitos sociais, essenciais à busca da felicidade, a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição", diz o texto. "É preciso carimbar no imaginário da sociedade a importância da dignidade humana", destaca Buarque. A PEC aguarda mais de um ano para ser votada.
Qualidade de vida é geração atual de normas
Enquanto no passado prevalecia a defesa contra a atuação reguladora do Estado, atualmente privilegia-se, entre outros, o acesso à qualidade de vida. Segundo os historiadores do Direito, a partir da Revolução Francesa e da Independência dos Estados Unidos, no final do século 18, começou a se registrar em decretos, leis, contratos e nas primeiras constituições escritas a preocupação com a defesa dos chamados direitos civis e políticos.
É naquela época que nascem os direitos fundamentais de primeira geração ou primeira dimensão, como classificam alguns especialistas. Os textos legais realçam o direito de liberdade e de defesa individual, pregam a não intervenção do Estado nos negócios dos particulares. Entre as principais conquistas estão a garantia à propriedade privada, a liberdade de crença, de locomoção, de associação política e de voto.
Após a Primeira Guerra Mundial, ganham espaço os direitos de segunda dimensão com a defesa da igualdade por meio dos direitos coletivos, como os sociais, econômicos, culturais e trabalhistas, uma forma de corrigir as desigualdades provocadas pelo Estado liberal. As novas leis defendem ainda o acesso à educação e à saúde. Com a Segunda Guerra, os textos passaram a privilegiar o conceito de fraternidade palavra-chave da terceira dimensão , a proteção ao meio ambiente equilibrado, a paz e o patrimônio da humanidade.
Novos desafios e problemas ligados à pós-modernidade delinearam gerações de direitos mais complementares e ainda pouco explorados. O jurista e professor Paulo Bonavides afirma que os direitos de quarta geração resultam da globalização política, um contraponto à globalização econômica. Fazem parte desta geração os direitos à democracia, à informação e ao plurarismo político.
A quinta dimensão é resultado dos avanços científicos e tecnológicos que atualmente tentam regular o direito à vida diante das pesquisas genéticas e a internet. Já a sexta dimensão, por sua vez, tem como principal característica a subjetividade e o reforço a direitos básicos trazidos das gerações anteriores, como a felicidade, a qualidade de vida e o bem-estar individual e coletivo.