Como parte das comemorações dos 90 anos, a Gazeta do Povo elaborou uma edição histórica para os leitores. As próximas páginas do jornal são dedicadas à vida de três personalidades mais importantes na formação do estado. Elas foram eleitas a partir de uma enquete que teve a participação de 100 pessoas de grande representatividade no Paraná.
Políticos, educadores, empresários, profissionais liberais e artistas elegeram os paranaenses de maior expressão de todos os tempos. O primeiro colocado foi Bento Munhoz da Rocha Netto, que recebeu 15 votos, seguido de Ney Braga com 11 e Victor Ferreira do Amaral com nove indicações. Jaime Lerner foi citado seis vezes; e, com cinco votos cada, empataram na quinta posição duas mulheres: Zilda Arns e Helena Kolody.
Para homenagear os três primeiros colocados, a Gazeta publica uma pequena biografia de cada um. São pessoas que exerceram funções públicas e se destacaram na atividade política. Um foi intelectual; o outro, militar; e o terceiro, médico.
Todos os jurados tiveram a oportunidade de fazer uma breve justificativa do voto. A votação não teve prévia indicação de nomes. Os eleitores responderam à pergunta: quem foi a figura mais importante do Paraná em todos os tempos? A única exigência era de que o voto deveria ser dado a alguém que teve ou tem importância para o estado, independentemente de ter nascido ou não no Paraná.
Até mesmo dom Pedro II foi citado na pesquisa: apesar de ser carioca, ele sancionou a lei imperial que criou a província.
Sabedoria para governar
Dentre todas as pessoas que tiveram um papel relevante na formação do Paraná, o governador Bento Munhoz da Rocha Netto foi escolhido pelo maior número de votos como o mais importante. Por quê? As respostas dos eleitores variam, mas costumam citar algumas das características que o tornaram famoso: intelectual, erudito, com grande vocação para a retórica, Bento se destacava facilmente entre seus pares.
Professor por vocação, entrou para a política e se tornou referência de ética. Desde que assumiu o governo do estado, em 1951, ele soube remar contra a maré e se antecipar à opinião pública. Acabou com a velha tese sociológica dos três Paranás: unificou o estado a partir do Centro Cívico, uma obra grandiosa para uma época em que o território paranaense deveria ter pouco mais de 100 quilômetros de estradas asfaltadas.
Estudiosos diziam que o estado era dividido em três partes: o tradicional, formado pela região de Curitiba, Paranaguá, Morretes, Antonina, Ponta Grossa, Castro e Lapa; o Norte, construído em razão da explosão do café; e o Oeste e Sudoeste, região habitada por colonizadores catarinenses e gaúchos. O distanciamento físico e psicológico era grande nas três regiões, mas quando Curitiba ganhou o Centro Cívico, com o Palácio Iguaçu e o Tribunal de Justiça, Bento conseguiu consolidar a capital como sendo a cidade de todos os paranaenses. Estava encerrada uma tese que até então desestruturava a formação do próprio estado.
Como parlamentar, Bento já tinha tido importância capital para a unidade do estado: propôs a emenda que extinguiu o então criado Território do Iguaçu. A ditadura do Estado Novo, de Getúlio Vargas, havia criado o novo território a partir da junção de áreas do Oeste do Paraná e de Santa Catarina. A alegação era de motivos estratégicos e políticos, em virtude da proximidade com a fronteira. Com a emenda, o território foi extinto e o Oeste voltou a ser paranaense.
A comemoração do Centenário de Emancipação Política do Paraná, em 1953, foi mais uma oportunidade para que Bento cuidasse da unidade política e territorial do estado. Promoveu, durante vários meses, seminários e debates sobre o Paraná. Construiu também um marco simbólico na Praça 19 de Dezembro, em Curitiba: a estátua de um homem em tamanho gigante colocada no centro da praça, de autoria de Erbo Stenzel, representa o Paraná caminhando rumo ao Oeste.
Duas outras grandes obras entraram para o currículo de Bento Munhoz: a Biblioteca Pública do Paraná e do Arquivo Público. A criação da Copel também ocorreu durante o seu governo.
Bento deu início às obras do Teatro Guaíra, que não teve tempo nem recursos para acabar, em decorrência da crise do café. A cultura havia sido abalada pelas duas violentas geadas que aconteceram em 1953 e 1954. "A arrecadação do estado caiu e o teatro ficou inacabado. Só foi concluído 20 anos depois", explica o biógrafo de Bento Munhoz da Rocha Netto, o jornalista Vanderlei Rebelo.
O próprio mandato de Bento à frente do governo ficou inconcluso. Em agosto de 1954, o presidente Getúlio Vargas se suicida e o vice-presidente, Café Filho, que assume o lugar de Vargas, começa a encorajar Bento a se candidatar a presidente. Ele deixa o governo do estado para assumir o Ministério da Agricultura e investir na carreira nacional.
Segundo Rebelo, a candidatura de Bento fracassou por falta de viabilidade política. Primeiro porque o Paraná ainda não havia conquistado projeção política e econômica no Brasil; segundo, porque o próprio partido de Bento, o PR (Partido Republicano), era pequeno demais para conseguir levar o candidato adiante. "Esse foi o grande erro político dele. Não se tornou candidato e, com Café Filho na Presidência, Bento assumiu o Ministério da Agricultura. Ele se afunda nesse desafio, esquecendo completamente a sucessão estadual", afirma.
Em 1958, Bento Munhoz tenta uma nova eleição a deputado federal pelo Paraná. Com o cunhado Ney Braga, que em 1954 ele havia apoiado para ser prefeito de Curitiba, Bento tenta fazer a dobradinha: ele sairia como deputado federal e Ney como estadual. O destino não quis assim. Ney já pensava na candidatura federal para dar um salto na política, o que causou a ruptura entre os dois.
Com uma carreira sólida no Paraná, que havia conquistado durante a prefeitura, Ney recebeu 57 mil votos e foi o segundo candidato mais votado do Paraná. Bento Munhoz também saiu deputado, mas foi eleito com apenas 17 mil votos, em uma eleição decepcionante. "Foi a gota d'água. Tenho a impressão, pelos próprios textos escritos por Bento, que ele nunca conseguiu absorver esse resultado", comenta Rebelo.
Mas a política não era tudo na vida de Bento longe disso. A atividade intelectual, de professor e de escritor, era talvez mais importante do que a de político para ele. Entre seus ensaios está um que causou furor na época da publicação: Uma interpretação das Américas, que defendia a tese de que tínhamos, como brasileiros, uma ligação íntima com a Europa.
A atuação de Bento como estudioso de sociologia foi importante até mesmo para a colonização do estado. Foi no governo dele que se iniciou uma nova fase de migração para o Paraná, como no caso dos holandeses em Castro, dos alemães em Entre Rios, dos russos em Witmarsum e dos menonitas no Boqueirão.
Ao fim da vida, Bento havia influenciado o Paraná como seu governante e como pensador. Havia sido parlamentar, governador e ministro. E havia, acima de tudo, dado um exemplo de coerência entre o que pensava e o que fazia.
* * * * * *
Interatividade
E na sua opinião, quem foi o paranaense mais influente de todos os tempos?
Escreva para leitor@gazetadopovo.com.br ou comente abaixo.