É extraordinário, mas é verdade: o livro é notícia no Brasil. O país cronicamente iletrado parece que começou a acordar para o livro, colocando-o no centro do debate. Prestando atenção, é até capaz de o livro aparecer na televisão, lá no fundo, escondido, embora jamais seja objeto de anúncio não, o livro não é um sabonete e não funciona com a mesma lógica.
Escrevo da Bienal de São Paulo, do 10.º andar do maior hotel do Brasil, que fica justamente colado ao pavilhão do Anhembi mais de 800 apartamentos, me dizem, e corredores infinitos que se repetem como num jogo de espelho parecem cenografia de filmes de terror. Chegar ao elevador equivale a dez minutos puxados de esteira, o que não é mau se os elevadores funcionassem. Mas no, sábado, resolveram fazer "manutenção", e a opção foi descer pela escada de incêndio, que parece sólida. Depois almocei no restaurante do mesmo hotel com música ao vivo, e muito alta, de modo que era difícil conversar. Ou estou definitivamente imprestável para este mundo, ou acontece alguma coisa errada com o volume dos sons coletivos. Tudo tem de ser muito alto, espalhafatoso, quem sabe histérico, como a celebrar uma presença que, em silêncio, viraria pó.
Vou para a Bienal munido de um poderoso crachá. Multidões avançam para o pavilhão. São corredores e corredores de estandes vistosos e muita gente, o tempo todo a Bienal é mesmo um sucesso indiscutível de público, que se incha com ônibus e mais ônibus de estudantes que circulam com sua gritaria a um tempo saudável e infernal, puxados por professoras pilhadas e aflitas. Alguém propôs que a Bienal separasse os eventos de crianças dos eventos de adultos, o que é uma boa ideia. A Bienal é o espaço do livro, mas nada aqui lembra a introspecção da leitura. A Bienal cansa mesmo quando achamos um canto discreto para respirar. Uma multidão dá vivas a alguém que parece um ator do programa do Chaves, me dizem esqueço de perguntar quem é, o cronista relapso de sempre. Depois, participo de uma mesa no Salão de Ideias, que será um breve bálsamo de cadeiras brancas e ar condicionado trabalhando diante de 30 ouvintes, sinto-me enfim descansado, mas de tempos em tempos, como a lembrar onde estamos, um alto-falante de circo emite num volume sempre muito alto mensagens incompreensíveis que reverberam implacáveis no pavilhão sobre cabeças incansáveis.
Volto ao hotel que agora também não tem luz, ainda que os cartões magnéticos das portas funcionem. Prossegue a "manutenção" do maior hotel do Brasil. Abro a cortina e vejo São Paulo entardecendo, belíssima e trágica, uma última faixa de sol banhando longe o mar de prédios que atravessa de ponta a ponta a linha do horizonte sob uma mancha espessa de poluição azulada, enquanto, próximos de mim, milhares e milhares de carros circulam incansavelmente, em silêncio e sem rumo, num autorama real de pistas e viadutos.