Curitiba Uma gravação obtida com exclusividade pela reportagem da Gazeta do Povo mostra que o temor dos pilotos em relação ao aeroporto de Congonhas é generalizado, e intensificou-se com o acidente com o Airbus da TAM. O diálogo foi travado no ar na região de Curitiba, pouco depois do desastre, e antecipava a idéia do boicote dos comandantes ao campo paulista uma estratégia que só seria colocada em prática na tarde de sexta-feira, quando pelo menos 17 aviões deixaram de aterrissar no local por decisão da tripulação. Os três pilotos que participaram da conversa, dois de grandes companhias aéreas nacionais e o terceiro provavelmente de uma empresa de táxi aéreo, trocaram impressões sobre os colegas mortos e criticaram duramente as reformas feitas na pista de Congonhas. "Tem que parar aquela porcaria daquele aeroporto e nunca mais abrir", disse um deles, a certa altura. "E botar na cadeia quem tem que botar na cadeia", respondeu outro. O diálogo se encerrou com uma despedida melancólica: "Boa sorte pra nós aí e ninguém pousa lá!". Ouça os áudios clicando nos quadros desta reportagem. Os diálogos foram editados para não permitir a identificação dos pilotos.
O incômodo dos comandantes se estende às reformas em Congonhas, concluídas recentemente. Um deles disse que, em três meses de uma obra que se converteu num "saco sem fundo", foi construído um shopping, mas "não fizeram nem um grooving" na pista. O mesmo piloto afirma que todas as empresas que operam no aeroporto deixaram "marcas" na pista uma referência a pousos ou decolagens realizados com algum tipo de problema. O piloto ainda lembra que, no dia anterior ao acidente da TAM, um avião da empresa Pantanal havia derrapado no mesmo local.
Os problemas na pista de Congonhas, motivados por uma reforma incompleta, têm sido apontados pelos especialistas como uma possível causa do acidente, ou ao menos como um fator que contribuiu para a tragédia. Na quinta-feira quando surgiu a informação de que o Airbus prefixo PT-MPK tinha um defeito no reversor (equipamento que auxilia a frenagem), ganhou força a hipótese de que uma falha mecânica somada a uma pista escorregadia, sem as condições ideais de pouso, teria levado o Airbus a chocar-se com o edifício da TAM Express.
No dia seguinte à notícia, sexta-feira, o movimento no aeroporto de Congonhas foi mínimo. Por decisão própria, os pilotos passaram a pousar em Guarulhos e Viracopos (Campinas).
Segundo o diretor de segurança de vôo do Sindicato dos Aeronautas, Carlos Camacho, não teria havido um boicote organizado. "Eles pararam de pousar lá por culpa das condições meteorológicas", explicou.
Camacho admitiu, no entanto, que os pilotos formaram uma corrente de informações. "Cada um deles vai entrar em contato com mais dez pilotos e assim por diante, como numa corrente, para passar orientações. Sempre que descerem em Congonhas e a pista estiver escorregadia, vão avisar a torre de controle e o próximo piloto que for pousar para aconselhar a interdição da pista", contou.
As críticas ao aeroporto de Congonhas não são exclusivas dos pilotos. Um funcionário da Infraero que conversou com a reportagem da Gazeta do Povo afirmou que a escala de vôos é "apertada". De acordo com ele, as próprias companhias áreas fazem pressão para que as operações em Congonhas continuem. "Guarulhos é muito longe e os passageiros preferem ou preferiam Congonhas."
Um controlador de vôo que também falou a Gazeta com a condição de ter seu nome mantido em sigilo disse que Congonhas é o calcanhar-de-Aquiles da aviação brasileira há tempos. "A Infraero sabia disso, mas estava em xeque. Tinha de mostrar que estava tudo bem. Afinal era julho, mês de férias. Os aviões tinham de levantar vôo, dar uma sensação de falsa normalidade."
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