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No Brasil, juízes vão de Kelly Key ao BBB

"A nega é minha, ninguém tasca, eu vi primeiro". Com esse trecho da letra da música "Ninguém Tasca (O Gavião)", do sambista Pedrinho Rodrigues, um juiz do 1.º Juizado Especial Cível do Rio de Janeiro negou a indenização que um policial pedia para o amante da mulher. Não contente, o juiz ainda chamou o policial de "corno solene".

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Nova York - Muitos juízes ficaram conhecidos por dar tempero a suas sentenças com menções a grandes mentes como Thomas Jefferson ou Sha­kespeare. Mas, quando advogados de Nova York veem citações a autoridades como Bob Esponja, Laurel e Hardy (o Gordo e o Magro) e o comediante Flip Wilson, alguns já reconhecem ali a mão inconfundível de um prolífico e heterodoxo juiz, presidente do Tribunal Cível de Staten Island, no estado de Nova York: Philip Straniere.

Em 14 anos no posto, Stra­niere fez escola com textos divertidos. Ficou conhecido por opinar, sem qualquer razão aparente, que a Papa John’s (uma das maiores redes de pizzarias dos Estados Unidos) não vende o que os nova-iorquinos chamam de pizza, e que Clark Kent "foi, na verdade, apenas uma pessoa que sabia a diferença entre certo e errado".

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Straniere é o bardo dos tribunais de Staten Island, oferecendo, em todos os tipos de litígios, conselhos despretensiosos, poemas originais, trocadilhos e, de vez em quando, um sarcasmo que pode tornar irresistível a leitura de suas sentenças.

De Oz a Dom Corleone

Durante a recessão, cortes civis como a de Straniere têm estado especialmente ocupadas, pois empresas de cartão de crédito processam seus clientes por contas em atraso de até US$ 25 mil. Uma série de decisões em casos como esses tem causado ataques de irritação nas empresas e proporcionado um séquito maior de seguidores ao juiz.

Advogados especializados na defesa de direitos do consumidor circularam uma de suas sentenças, que descrevia o calvário dos clientes de operadoras de cartão de crédito que haviam infringido normas criadas segundo a legislação de outros estados. O país dos cartões de crédito, escreveu Straniere, "é como a Terra de Oz, governada por um Mágico que ninguém jamais viu".

Outro texto afirmava que a lógica do Citibank para justificar suas taxas de juros astronômicas teria impressionado Vito Corleone, o poderoso chefão do filme de mesmo título.

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Para fãs de longa data de Stra­niere, seus novos seguidores chegaram atrasados. Charles Apo­theker, um representante estadual da Suprema Corte em Rockland County, acompanha a obra da juiz há anos. Apotheker diz que, sempre que encontra uma decisão de Straniere, é obrigado a ler. "Tenho certeza de que haverá alguma pequena surpresa ou algo que ele quer compartilhar e tem muito pouco a ver com a decisão judicial", afirma. Esses toques retóricos, prossegue Apotheker, diferenciam Stra­niere da média dos juízes, que conseguem ser "geralmente apenas uns chatos".

"Informações ridículas"

Segundo Straniere, os casos que aprecia trazem "todo tipo de coisa" à mente. Como Bartholomew Cubbins, personagem do escritor e cartunista americano Dr. Seuss; o cachorro do filme "Meu Melhor Companheiro" e a revista Mad. "Minha cabeça é do tipo que se lembra de todas essas informações ridículas", afirma.

Junto com os tratados jurídicos de praxe, o juiz mantém outros recursos à mão, incluindo uma coleção de registros sobre elencos de peças da Broadway em ordem alfabética e vários livros de citações. "[O comediante] Will Rogers é uma boa fonte", revela.

Os pareceres de Straniere são exaustivamente pesquisados. Um deles, de junho, incluiu referências aos filmes "O Vendedor de Ilusões", "O Milagre de Anne Sullivan" e "Oklahoma" e à série de tevê "Seinfeld".

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Cercado por objetos do universo do beisebol, o magistrado descreve seu processo de redação de sentenças. Por exemplo: no ano passado ele presidiu o julgamento de um caso de litígio entre um certo Louis Raiolo e o braço de crédito imobiliário do Bank of America, em que o requerente alegava que o réu sujara seu nome na praça. A polêmica incluía provas de que Raiolo dera o calote em hipotecas de propriedades que havia comprado na Flórida.

O homem estava tentando viver o sonho americano, afirmou o juiz. E iniciou o texto da sentença com a letra de "The American Dream", canção do musical "Miss Saigon". "Vem pegar mais do que é seu quinhão", diz a música.

Uma letra, aqui, um precedente legal ali, e logo fica pronta uma das centenas de sentenças que Straniere redige a cada ano. No caso de um estúdio de cinema processado por não pagar aluguel, o juiz escreveu: "Àquela altura, as partes achavam que a vida era linda e acreditavam que logo sentiriam o doce aroma do sucesso". Até que o proprietário decidiu que o lugar tinha virado um "sindicato de ladrões", e o pessoal da produção passou de "os quatro batutas" a "os suspeitos", só restando a ele encerrar o tal "contrato de risco", prosseguia a sentença.

Não chega a ser um Oliver Wen­­dell Holmes (jurista americano que morreu em 1935), apesar de existirem algumas semelhanças entre os bigodes dos dois juízes. Mas, desde que deu boas risadas num teatrinho da quarta série do ensino fundamental em Staten Island, conta Straniere, foi cooptado pelo humor.

Sentenças acessíveis

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Straniere tem 63 anos, é casado e tem três filhos adultos. Foi indicado ao posto de juiz em 1996, depois de um bom tempo de prática como advogado, boa parte com seu irmão, Ro­­bert. Formado pelo Wagner College, de Staten Island, e pela Facul­dade de Direito da Uni­versidade de Nova York, o juiz decidiu, no início da carreira, que em todos os seus casos redigiria sentenças acessíveis, para que as pessoas entendessem por que haviam ganhado ou perdido as causas, lembra ele. Seu objetivo era tornar as decisões compreensíveis. "Se você faz referência a ‘O Mágico de Oz’, todo mundo entende", argumenta.

Não por acaso seus textos podem ser confundidos com performances: desde jovem ele flerta com a arte da interpretação e trabalhou em montagens amadoras e em grupos de teatro da comunidade em anos mais recentes. "Acho que o pessoal que trabalha com comediantes não ri nem sorri tanto quanto nós aqui", diz sua secretária, Traci Batiancela.

Na sentença em que usou "Miss Saigon", por exemplo, havia outra citação: "Esta é outra bela confusão na qual você me meteu". De novo, não chega a ser um Oliver Wendell Holmes, conforme a nota de rodapé de número 10 deixava claro, ao revelar de onde vinha a referência: "Frase dita inúmeras vezes por Oliver Hardy para Stanley Laurel".