Para Bolsonaro, acordo do TSE com WhatsApp para vetar novos recursos da plataforma apenas no Brasil fere democracia e liberdade de expressão| Foto: José Dias/PR
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O recente anúncio do WhatsApp de que os novos recursos da plataforma, que permitirão disparos de mensagens a grupos com mais pessoas do que o limite atual, de 256 usuários, serão disponibilizados a quase todos os países em que o aplicativo funciona - com exceção do Brasil - foi alvo de críticas por parte do presidente da República, Jair Bolsonaro (PL).

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A decisão do WhatsApp é resultado de um acordo feito entre o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, que é ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e o presidente da plataforma de mensagens, Will Cathcart, no final do ano passado. Na ocasião, Barroso alegou preocupação com o recurso de “Comunidades”, recém-anunciado pelo WhatsApp, e sugeriu que seria melhor que a funcionalidade fosse disponibilizada somente após as eleições.

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Em entrevista à CNN neste sábado (14), Bolsonaro alegou que o bloqueio dos recursos no Brasil está relacionado a investidas que considerou não democráticas por parte de alguns ministros do STF e disse que nos próximos dias conversará com a representação do WhatsApp no Brasil pedindo explicações sobre a medida tomada. “É inadmissível, inaceitável o acordo. A liberdade de expressão está na Constituição. Não vai ser um acordo do TSE que o WhatsApp vai fazer e vai impor a toda a população brasileira”.

Na sexta-feira (15), Bolsonaro havia dito a jornalistas que o acordo com o WhatsApp teria sido costurado por três ministros do STF, sem especificar nomes.

Nos últimos anos, o TSE tem buscado estreitar o relacionamento com as principais plataformas de redes sociais e de troca de mensagens com o objetivo de criar regras mais rígidas para a moderação de conteúdos que possam ser considerados falsos, que aleguem fraudes no resultado eleitoral ou que não reconheçam o resultado das urnas. O último acordo foi fechado com o Telegram, após o bloqueio determinado pelo ministro Alexandre de Moraes.

Alguns ministros do Supremo têm sugerido publicamente que, nas eleições de 2018, a plataforma foi utilizada para o disparo de mensagens falsas para beneficiar a candidatura de Jair Bolsonaro, então candidato pelo PSL. Em outubro do ano passado, no entanto, o TSE rejeitou por unanimidade denúncias do Partido dos Trabalhadores (PT) que pediam a cassação do mandato de Bolsonaro por disparos em massa de mensagens de WhatsApp contendo notícias falsas e ataques ao candidato do PT à presidência, Fernando Haddad.

Bastante exploradas por apoiadores de Bolsonaro, as plataformas de troca de mensagens, como o WhatsApp e o Telegram, também são de uso recorrente de opositores do presidente da República. Em março deste ano, a equipe de comunicação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criou dezenas de grupos no WhatsApp para driblar o “teto” de usuários por grupo permitido pelo aplicativo. Após disparos massivos para os integrantes, a plataforma decidiu suspender contas de ao menos quatro administradores de grupos criados para impulsionar a pré-campanha de Lula.

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Bolsonaro diz que há “interferência clara” de ministros do STF

Ainda no sábado, o presidente da República classificou a atuação de ministros no âmbito do combate às fake news no período eleitoral como “interferência clara” contra sua reeleição. “Todas as medidas adotadas pelo TSE é para prejudicar a mim, ao pessoal mais à direita, ao conservador, e para beneficiar o lado de lá”, declarou. Mais especificamente sobre o ministro Barroso, Bolsonaro disse que o ex-presidente do TSE o trata como inimigo.

No Brazil Conference, evento realizado na Universidade Harvard no último dia 10 de abril, ao ser questionado pela deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP) sobre seus temores de que Bolsonaro vencesse as eleições, Barroso disse: “É preciso não supervalorizar os inimigos. Nós somos muito poderosos. Nós somos a democracia. Nós é que somos os poderes do bem”.

A ida do ministro ao Congresso Nacional, em junho de 2021, para defender a aprovação do chamado “PL das Fake News” também foi citada por Bolsonaro para reforçar suposta interferência do ministro em outros poderes. No ano passado, Barroso já havia sido acusado por parlamentares de interferência junto à Câmara dos Deputados para derrubar a proposta do voto impresso.

Bolsonaro também reforçou as supostas ações dos ministros de desqualificarem quaisquer críticas quanto à segurança do atual sistema eleitoral, por urna eletrônica. “O sistema [de votação eletrônica] não é 100% blindado. Nem os bancos são 100% blindados. Os bancos gastam milhões por ano com segurança tecnológica. Por que só o Brasil, Bangladesh e Butão adotam isso? Acabamos de ver o primeiro turno na França. Uma urna de acrílico e o voto em papel. Por que o Brasil quer empurrar ‘goela abaixo’ isso aí?”, disse o presidente.

Mudanças no WhatsApp proibidas no Brasil

A criação do mecanismo chamado “Comunidades”, válido para quase todos os países - menos o Brasil -, foi anunciada pelo aplicativo de mensagens na última quinta-feira (14). Com as novas funcionalidades, será permitida a criação de comunidades com número de usuários superior aos atuais 256 – a empresa não informou o máximo de usuários permitidos nesse recurso, porém informou que não será ilimitado. As comunidades poderão comportar os já existentes grupos como uma subcategoria. Como exemplo, uma escola poderá ter uma comunidade ampla com centenas de pais e criar grupos menores com os familiares de alunos das diferentes turmas da instituição.

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Uma das mudanças importantes é que os administradores das comunidades poderão enviar mensagens para todos os usuários inscritos de uma só vez, ampliando as possibilidades de comunicação.

Em coletiva de imprensa na data do anúncio, a gerente de produto do WhatsApp, Jyoti Sood, ressaltou que no Brasil os grupos terão novas funcionalidades nas próximas semanas, como envio de arquivos de até 2 GB e videochamadas em grupos com até 32 pessoas. Mas ela afirmou que, no caso do Brasil, as “mudanças significativas só serão feitas ao fim das eleições”, ressaltou a porta-voz da empresa.

Especialista fazem ressalvas quanto à decisão de restrições específicas ao Brasil

Para o advogado e especialista em Direito Digital Emerson Grigollette, as restrições de recursos do WhatsApp ao Brasil contrariam o Marco Civil da Internet, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. Conforme ele explica, a norma prevê tratamento isonômico dos dados de conteúdo e o respeito à neutralidade da rede, veda interferência no fluxo da comunicação e proíbe a redução de alcance, como premissas para garantir a liberdade de expressão e a livre manifestação do pensamento no ambiente digital.

“Nesse contexto, entendo que uma interferência por parte do TSE no âmbito dessas restrições viola não apenas a liberdade de expressão, mas o exercício da cidadania (o que inclui o direito de manifestar-se livremente sem interferências inclusive quanto a candidatos); a livre iniciativa das empresas, que têm o direito de deliberarem acerca do desenvolvimento de seus sistemas, desde que não excedam os limites legais; bem como questões de ordem técnica”, aponta o especialista em direito digital.

Para ele, tal medida tem como consequência reflexos danosos, como a interferência no fluxo da comunicação, a mitigação do tráfego e a limitação do exercício da cidadania em meios digitais. “O Marco Civil da Internet foi uma das legislações mais debatidas no Congresso, levando quase dez anos para que se chegasse em um consenso entre os possíveis conflitos de direitos fundamentais, tais como a liberdade de expressão e a livre iniciativa. O tema é complexo e sempre exige uma reflexão profunda, que não cabe dentro de decisões judiciais que, por sua natureza, estão limitadas à aplicação técnica jurídica”, ressalta.

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Para Anderson Godz, especialista em inovação, fundador da comunidade Gonew.Co e autor do livro Governança e Nova Economia, o debate em questão está relacionado ao avanço das redes sociais nos últimos anos sem a existência de regulação. Ele destaca o impacto das mobilizações sociais hiperconectadas na sociedade e refere-se a elas como “sexto poder”.

“Percebemos que em vez dos três poderes de Montesquieu na sociedade, existem agora seis poderes – além do Legislativo, Executivo, Judiciário, temos a mídia, as redes sociais e as mobilizações hiperconectadas”, afirma. Segundo ele, no entanto, ainda há ressalvas quanto à criação de legislações restritivas às novas tecnologias. “A grande pergunta é: deve-se criar legislações no nascedouro da tecnologia, onde os impactos sociais ainda não são claros, ou deve-se criar leis para inovações quando já temos razoável dimensão dos seus impactos na sociedade?”.

Para o especialista, entretanto, apesar da relevância tanto do combate às notícias falsas quanto de garantir a liberdade de expressão, na atual discussão vieses e ideologias pessoais têm sido colocados à frente, o que prejudica uma discussão mais racional sobre o tema.

Posicionamentos

A Gazeta do Povo pediu informações à representação brasileira da plataforma a respeito das circunstâncias em que se deu o acordo entre TSE e WhatsApp. A empresa informou apenas que não irá comentar o assunto, e que “todas as informações sobre a nova funcionalidade ‘Comunidades’ já foram passadas na quinta-feira (14)”.

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Já a assessoria do TSE não deu retorno aos questionamentos encaminhados pela reportagem.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]